sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Unscientific Psychology EXTRATO & COMENTÁRIOS INICIAIS (Parte 1)

Statement and inicial comments to 1st part of book

Nesta postagem segue o conteúdo condensado da primeira parte do livro Unscientific Psychology com meus primeiros comentários. O objetivo da reunião das postagens 1 a 19 com apresentação do extrato dos itens e os primeiros comentários meus sucitados pela leitura do livro é o de tornar público o trabalho envolvido em uma resenha propriamente dita (resenha crítica).

Não parece difícil concordar que a predefinição de laudas e quantidades de caracteres por parte das publicações especializadas são um modo de aprisionar e restringir o debate de temas emergentes em publicações recentes. Isso é muito triste: um desserviço à colaboração do conhecimento.

Pouco valorizada pela maioria das publicações especializadas, a resenha propriamente dita, quando encontra espaço editorial, costuma ser pragmaticamente confundida com “nota de leitura” – uma “chamada” ou convite lacônico à leitura de livros. Mas não se trata disso. Ela permanece convite à leitura mas vai além do resumo da obra: é seu exame crítico, uma provocação para discussão e debate de seu conteúdo e relevância.

Vê-se nitidamente que não é tarefa para quem possui conhecimento limitado dos assuntos abordados pela obra resenhada. Algo que interessa mais aos que já se encontram familiarizados com os ritos acadêmicos de iniciação à pesquisa.

Aos iniciados em Pesquisa e aos que pretendem nela serem iniciados, apresento a transposição didática do pensamento dos autores pelas modestas lentes da pedagogia que professo. Boa Leitura aos eventuais interessados.


Era uma vez a Psicologia Científica...
 - O rei está nu!

HOLZMAN, Lois & NEWMAN, Fred (1994) Unscientific Psychology – A Cultural-Performatory Approach to Understandig Human Life [Psicologia Acientífica – Uma abordagem performático-cultural para entender a vida humana]. New York, ESI-iUniverse Inc, 230p.

“O que nos faz doentes é como pensamos (no sentido do quê pensamos e, mais importante, sobre aquilo que pensamos e se até mesmo chegamos a pensar), sobretudo COMO (o quê e se) pensamos sobre o pensar e os processos considerados mentais”
[... what makes us sick is how we think (related to complicated ways to what we think and, even more fundamentally, to that we think or whether we think), especially how (that or whether) we think about thinking and other so-called mental processes... (p.174)]

O polêmico e provocativo livro de autoria dos psicólogos do desenvolvimento sócioculturalistas em referência, os nova iorquinos Fred Newman e Lois Holzman, é um corajoso e ousado empreendimento intelectual que afronta a hipocrisia acadêmica e as crendices relacionadas aos saberes hermeticamente protegidos sob a égide do cientificismo.

O material é bombástico e encontra-se organizado em três partes que contém, cada uma, de dois a quatro capítulos, precedidos de um breve prefácio e uma densa introdução, além de apresentar em apêndice uma extensa e relevante bibliografia e por fim um cuidadoso guia onomástico.

Trata-se de leitura absolutamente indispensável para quem se propõe genuinamente entender e discutir a psicologia a partir da perspectiva teórico-prática de abordagens engajadas no desvelamento dos fundamentos do desenvolvimento histórico-sóciocultural do psiquismo tipicamente humano. Um Sendero luminoso em meio ao eclipse da pós-modernidade.

Os autores, honestamente, apresentam-se no prefácio como ativistas pós-modernos, membros de uma comunalidade de práticas desterritorializada e sem fronteiras espaciais, isto é, de um lugar imaterial do qual pessoas podem observar e compreender o fluxo histórico do desenvolvimento humano de modo privilegiado, por interagirem movidas por um processo initerrupto de busca de aperfeiçoamento e aprendizado sóciocultural contínuo, em permanente movimento, sem “muralhas acadêmicas” embora conectadas satisfatoriamente com sólida tradição de pesquisa: a prática do método.

A prática do método por parte da comunalidade práticoativista da qual são portavozes os autores contrapõe-se à ortodoxia paralizante do método da prática. (1)
NOTA (1)
Para maiores esclarecimentos à respeito da prática do método por parte dos práticoativistas deve-se conferir NEWMAN, F. & HOLZMAN, L. (2002) Praxis – A metodologia instrumento-e-resultado e a psicologia de Vigotskii. Lev Vygotsky cientista revolucionário. São Paulo: Loyola, cap. 3, p.45-69]

Eles explicam que o método para os ativistas-praticantes não é algo que se aplica a algo, é uma atividade “para si” que se distingue da atividade “em si” (no sentido marxiano): o método, antes de ser concebido como “instrumento para resultado” é vivido como “instrumento e resultado” segundo a tradição práticoativista inaugurada por Lev Vigotskii: “O método é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo”. [Vigotskii, L. S. (1996) Problemas de método. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, cap. 5, p.86.]

Os práticoativistas da comunalidade em desenvolvimento à qual se vinculam os autores definem-se não tanto como uma universidade sem muralhas [“university without walls”] mas, antes, como  muralhas sem escolarização [“walls without a university”].

Os autores sugerem que nós, leitores, coloquemos em prática o livro na esperança de que seus escritos possam nos auxiliar a compreender mais e melhor a condição humana.

Na INTRODUÇÃO deixam claro que seu objetivo com o livro é compartilhar uma atitude pós-moderna radical de confronto à Psicologia Ocidental “oficial” (hegemônica), despindo-a em público. Anunciam em alto e bom som, mas com dignidade, a falência dos axiomas “moribundos”, da crença “objetivista” e da pretensão “científica” desta fascinante área do conhecimento humano [a Psicologia].

Ali definem-se como praticantes da Teoria Histórico-Cultural da Atividade-CHAT (Cultural-Historical Activity Theory) revelando sem pudor sua adesão à escola socioculturalista norte-americana; e justificam sua opção por acreditarem ser inseparável o entendimento do psiquismo humano dos modos de organização histórica da vida social. (2)
NOTA (2)
CHAT/Cultural-Historical Activity Theory - Teoria Histórico-Cultural da Atividade na qual se sustenta a abordagem histórico-sociocultural ao psiquismo humano proposta por Michael Cole, psicólogo e professor pesquisador norte-americano da Universidade da California em San Diego/UCSD, como fundamento da Psicologia Cultural - uma disciplina congregadora das vertentes naturalista e culturalista da psicologia que resulta emblemática do pensamento pós-moderno sedimentada no princípio interacionista aplicado ao “segundo sistema de sinais” - admitido por Pavlov e outros associacionistas – que foi redimensionado pelo pensamento de Vigotskii e ampliado posteriormente por Leontiev com a teoria da atividade que segue sendo enriquecida pelas contribuições de Luria e outros simpatizantes do materialismo histórico-dialético na contemporaneidade. Consultar COLE, Michael (1998) Cultural Psychology -  a once and future discipline [Psicologia Cultural – A Vez de uma Promissora Disciplina]. Cambridge-Massachusetts and London-England: Harward Univesity Press, p. 6, 104 e 105.

Ao longo de doze páginas conseguem condensar os fundamentos da crítica feroz que fazem à tentativa comovente da Psicologia de aderir ao cientificismo - que impregna todo o pensamento modernista - mas não sem propor algo para ocupar o vácuo deixado pelos escombros da Modernidade.

A introdução divide-se por sua vez em duas partes intituladas respectivamente Filosofia, Ciência e Psicologia [Philosophy, Science and Psychology] e A Atividade fala mais alto do que as Narrativas [Activity Speaks Louder than Stories].

Os autores, na primeira parte, basicamente apresentam seu “DNA” epistemológico emblematizado pelo diálogo franco com os pensamentos de Vigotskii e Wittgenstein - o que lhes permitiu formular uma abordagem performático-cultural para entender o psiquismo humano.

Deixam claro que o psiquismo tipicamente humano só pode ser genuinamente compreendido enquanto atividade criadora de novas formas de vida e que portanto só uma abordagem performático-cultural, não interpretativa, poderia dar conta de algo que é necessariamente relacional e atual (performático ou processual), ou seja, uma Psicologia Acientífica.

A rigor, os autores não propõe uma Psicologia propriamente dita mas um jogo qualitativamente novo que possibilite libertar definitivamente as subjetividades dos dolorosos processos de coisificação.[“indeed, not a psychology at all but a qualitatively new kind of play, a continuous uncommodified performance of subjectivity” (p.2)]

Esclarecem que o livro é uma continuação do seu Lev Vygotsky – cientista revolucionário publicado no Brasil pela Loyola em 2002, ampliando e aprofundando a discussão do pensamento vigotskiano no qual se sustenta a Teoria Histórico-Cultural da Atividade/CHAT.

Informam que pretendem demonstrar como aspectos pós-modernos originalmente presentes em sua idéia-mãe permitem caracterizar a produção intelectual vigotskiana como sólida ponte entre a sufocante psicologia pseudocientífica modernista e as promissoras possibilidades que se apresentam a partir de sua atualização ou “pós-modernização”.

Os autores esclarecem que o pensamento vigostkiano, somado à filosofia de Wittgenstein emblematizada pelos jogos de linguagem [Language-games], lhes permitem confrontar  a autoridade avaliadora da Psicologia Científica e revelar como, ao ambicionar o status de ciência, a Psicologia se apresentou à Modernidade como a “voz da razão”; que farão isso examinando criticamente a tradição filosófica inaugurada pela Antiguidade Clássica ocidental, na primeira parte do livro, encorajados pelo amparo da rede de concepções diagnósticas conectadas ao pós-modernismo.

Em seguida relacionam os conteúdos a serem trabalhados na segunda parte do livro, anunciando que focalizarão de modo privilegiado o relevante papel da “contação de histórias” [storytelling] e das narrativas como ferramentas úteis para desvelar os vieses metodológicos e ideológicos das Ciências Sociais na Modernidade.

Explicam que não pretendem abrir mão de uma perspectiva crítica na abordagem à vertente narrativista ou interpretativista, embora reconheçam sua contribuição para a colaboração do conhecimento a respeito do funcionamento do psiquismo humano. Para eles, a postura narrativa ainda se encontra presa à noção de verdade por ser a interpretação, em última instância, uma proposição de verdade sob determinadas circunstâncias - o que equivale dizer que em algum sentido algo acaba sendo tomado por verdade. [ “An interpretation is a proposition that is true under certain circumstances; that is, given a certain interpretation, one takes something to be true.” (p.6)]

Anunciam a atividade como “unidade de análise” do psiquismo tipicamente humano e princípio criador emergente de novas formas de vida autoreferenciais e autoreflexivas nas quais sócio-historicamente o entendimento encontra-se inseparável do desenvolvimento.

Deixam claro que, para eles, as narrativas não reificadas (não naturalizadas), ou seja, o convite ao engajamento voluntário na colaboração relacional e continuada de novas formas de vida social é o que obstinadamente advogam ao formularem e proporem a terapia social da performance. (3)
NOTA (3)
Para maiores esclarecimentos à respeito da terapia social da performance sugere-se consultar: HOLZMAN, L. & MENDEZ, Rafael (2003) Psychological Investigations – a clinical guide to social therapy. New York-Hove: Brunner-Routledge e JAPIASSU, Ricardo (2010) A terapia social da performance de Fred Newman Metodologia do ensino de teatro/9ª Ed. Campinas: Papirus,Cap.1, p.55-62.

Por fim, concluem a introdução caracterizando, sem falsa modéstia, Psicologia Acientífica e seus outros trabalhos publicados como integrantes da tradição revolucionária pós-moderna, da qual se orgulham.

A PRIMEIRA PARTE do livro intitulada Alguns contos filosóficos [Some stories of Philosophy] é uma breve exposição da emergência da filosofia ocidental dominante, cuja gênese costuma-se vincular ao pensamento grego da antiguidade - organizado sistematicamente por Platão e seu discípulo e crítico Aristóteles.

Os autores advertem que, de modo algum, ao reconhecerem a relevância das noções de abstração e autoconsciência como importantes contribuições da filosofia grega helênica para o entendimento do psiquismo humano, estão aderindo ao equívoco evidente, embora usual, de considerar a cultura do povo grego, implícita ou explicitamente, superior às dos demais povos da Antiguidade.Para eles, o discurso sobre o pensamento intelectual fundado na autoconsciência e na abstração dos gregos não deve ser considerado menos superior que os feitos extraordinários dos grupos humanos que construíram as grandes civilizações no nordeste da África, Índia, China e Américas no período pré-helênico.

Holzman&Newman esclarecem que o pensamento filosófico grego ao converter-se em sócio da Religião (Cristianismo escolástico), da Política (Estados fundados em contratos sociais), da Ciência e Tecnologia (Matematização e objetificação da Natureza) e da Psicologia (Dualismo Corpo-Mente cartesiano e kantiano) passa a exercer hegemonia plena no mundo ocidental, esculpindo, ao longo dos séculos, os modos de pensar, falar, sonhar e de ser dos seres humanos.

Todavia, para ambos, a opulenta filosofia racionalista ou sistemática dos gregos, em razão da calcificação conceitual de sua estrutura, começa a apresentar rachaduras e a ruir ocasionando a sua “morte”. Isto, a morte da Filosofia - e não a morte do Comunismo - é o que sela definitivamente o encerramento do século XX na opinião dos autores [“... the singularly significant event of this, the twentieth century, is likely to be not the death of communism, but the deth of philosophy.” (p.14)]

Comprometem-se a evidenciar, na segunda parte do livro, a autodestruição da Filosofia e sua eutanásia pela Psicologia – filha abortada de sua “cópula” com a Ciência.
Concluem perguntando-se sobre os caminhos do desenvolvimento humano e até mesmo se qualquer desenvolvimento seria possível após isso. Indagam quais novas “estórias da carochinha” [Children/stories] seriam criadas pela Psicologia e contadas às pessoas e como elas seriam convincentemente recriadas.

Finalmente opõem-se abertamente a Francis Fukuyama quando este alardeia que a Pós-Modernidade é “o fim da história” [The end of history].

Os autores estão convencidos de que a história continua, mas sem a Filosofia.

Após a apresentação da PRIMEIRA PARTE se seguem  dois capítulos denominados respectivamente Entre a Ilíada e a Odisseia [Between the Iliad and the Odyssey] e A Glorificação da Experiência: Filosofia Moderna, Psicologia e Lógica [The glorification of Experience: Modern Philosophy, Psychology and Logic].

A partir da tese de Julian Janes de que a diferença essencial entre a Ilíada e a Odisseia não reside apenas no período ao qual se referem as lendas e mitos narrados em ambos escritos atribuídos a Homero, mas em COMO se dá a narrativa das epopeias homéricas dos povos micênicos e aqueus, após sua expulsão da península grega pelos dórios - de mesma origem étnica.

Na Odisseia evidencia-se a voz narrativa autoral e criativa dos aqueus em contraste com o que ocorre na Ilíada - em que a narrativa contenta-se em não ir além do que pertence às tradições ancestrais da memória oral micênica e aqueana.

É nesta ruptura do modo de narrar que Janes especula ocorrer a consolidação ideológica da autoconsciência e da abstração que caracterizam o pensamento grego. (4)
NOTA (4)
A natureza especulativa da tese de Janes por si só já revela a dimensão signitiva do conhecimento fundado na linguagem verbal, tipicamente humano – que é a questão principal discutida por Holzman&Newman no livro. Descobertas arqueológicas podem concorrer para que indicações mais convincentes possam substituir elucubrações controversas quanto às origens do início histórico da Filosofia e do racionalismo no pensar da humanidade. A questão permanece em aberto: “O que terá levado o homem, a partir de determinado momento de sua história, a fazer ciência teórica e filosofia?”; mas o núcleo duro do problema reside mesmo em precisar a passagem da mentalidade fazedora de mitos para a mentalidade “teorizante” sobre os mitos.Cf. SOUZA, José C. de [Org] (2005) Do mito à filosofia. Os Pré-Socráticos – Fragmentos, Doxografia e Comentários. São Paulo: Nova Cultural, p. 5-13.

Os autores informam aos leitores sua concordância com a provocativa tese de Janes - que lhes servirá como ponto de partida para uma abordagem crítica à gênese e ao desenvolvimento da filosofia racionalista dos gregos através dos séculos no primeiro milênio após Cristo, no capítulo.

Os Pré-Socráticos [The Pre-Socratics] é o primeiro subtítulo da exposição documental da trajetória da filosofia racionalista, pelos autores, no livro. Neste subtítulo do segundo capítulo [Entre a Ilíada e a Odisseia] que dá início à primeira parte do livro [Alguns contos filosóficos], os autores deixam claro que a história da Filosofia (racionalista) tem por base a recolha de fragmentos de escritos de autores que compõem a doxografia (compilação filosófica) do pensamento grego datados a partir de meio século antes de Cristo; que a figura de Sócrates é tomada como o “Cristo” da Filosofia - e de toda a história da Filosofia; que a filosofia ocidental tem sido forjada com base no que se produziu antes ou após os seus ensinamentos (de Sócrates). Recordam-nos que o próprio Sócrates, assim como Cristo, nada deixou escrito sobre seus pensamentos e ações.

De fato, as “lições” de Sócrates e de outros pensadores da época foram registradas em escritos por parte de seus seguidores, que afirmam terem testemunhado suas especulações. O marco no desenvolvimento do pensamento racional teriam sido os “diálogos” pedagógicos de Sócrates com seus “alunos” - que só chegaram ao conhecimento público, na contemporaneidade, a partir dos relatos de Platão, seu discípulo, particularmente ao transformá-lo em personagem central de A República. (5)
NOTA (5)
Cf. PESSANHA, José Américo Motta (2005) Sócrates [Platão] – Apologia de Sócrates, Xenofonte, Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural e CORVISIERI, Enrico (2005) Platão – A República. São Paulo: Nova Cultural.

Holzman & Newman destacam o questionamento a respeito do questionar como a principal contribuição de Sócrates para o progresso do pensamento verbal e da linguagem intelectual. Para eles, a discussão do método (processo da gênese e desenvolvimento dos questionamentos) é o que pode nos auxiliar a entender sobre o QUÊ e COMO se coloca a problemática do pensamento autoreflexivo na perspectiva filosófica.

Anunciam os fundamentos de sua crítica à filosofia racionalista, entendida por eles sobretudo como atividade metalinguística engendrando a si própria e principal responsável pelos modos de pensar da Civilização Ocidental (Religião, Política, Ciência, Tecnologia e Psicologia).

Responsabilizam o filósofo William James por alimentar a ambição da Psicologia em tomar para si a responsabilidade na exploração de questões ancestrais que permanecem ainda assombrando os seres humanos na contemporaneidade. Por fim, informam sua disposição em demonstrar a “desautorização” dos estudos da consciência em longos períodos ao longo da breve existência da Psicologia, no capítulo quarto do livro. 

A seguir nos apresentam o próximo subtítulo do capítulo: Filosofia como Metodologia, Epistemologia e Ontologia [Philosophy as Methodology, Espistemology, and Ontology]. Sob este subtítulo os autores consideram as respostas dadas por Platão aos questionamentos dos pré-socráticos (dispersos em sua fragmentação doxográfica) o primeiro esforço vitorioso de organização sistemática da visão de mundo dos gregos na Antiguidade e, com isso, a inauguração da Filosofia propriamente dita.

Para eles a importância de Platão não reside unicamente na divulgação de sua filosofia idealista (visão platônica do mundo) mas no importante reconhecimento de que filosofar implica necessariamente um modo de ver o mundo, ou seja: a existência de um mundo, um sujeito que vê, e um método para estabelecer elos entre quem vê e o que é visto.

Sentem-se no dever de recontar a história do desenvolvimento do pensamento intelectual ocidental - que teria sua origem na Grécia Antiga - a partir da delimitação conceitual do que compreendem por ONTOLOGIA (a existência real do mundo), EPISTEMOLOGIA (conhecimento sobre o mundo) e METODOLOGIA (os meios de conectar a realidade objetual e o conhecimento colaborado a seu respeito).

Reconhecem o simplismo com que expõem o desenvolvimento histórico do pensamento intelectual (em geral atribuído aos gregos) bem como o relevante papel ocupado pela sistematização de conceitos na organização racional dos modos de ser tipicamente humanos.

Esclarecem que a autoconsciência e a abstração não são apenas produtos da alienação mas uma das pré-condições (lentes) para as pessoas se moverem num mundo que, em todos os aspectos, foi mercantilizado sob o capitalismo.

Fazem questão de assinalar que a alienação é inseparável da visão sistemática do mundo advogada pela filosofia racionalista e de seus “contos da carochinha” - que sustentam tanto as teses da economia “livre” ou “de mercado” bem como a do seu controle ou “estatização”.

Sugerem que busquemos ver não tanto uma “Nova Ordem Mundial” nos modos de ser tipicamente humano na contemporaneidade mas, antes, vislumbrar com clareza o meio sóciocultural em que vivemos sem as já desgastadas lentes da Filosofia. [... what we have to look forward to is not so much a New World Order as a No World Order (p.21)]

Seguem expondo seu original ponto de vista no próximo subtítulo do capítulo intitulado Filosofia e Percepção [Philosophy and Perceptuality]. Neste item do capítulo HOLZMAN&NEWMAN discorrem como os modos de perceber o mundo impactam o filosofar, retomando importantes concepções epistemológicas pré-socráticas sobre a ontologia. Destacam particularmente a metáfora da impossibilidade de banhar-se duas vezes no mesmo rio de Heráclito (que traduz a promissora noção de movimento permanente, Fluxo  ou “devir-do-Ser”) e sua oposição à idéia de Permanência definitiva do “Ser” contrapondo-se ao “não-Ser”, de Parmênides.

Discorrendo sobre as contribuições dialéticas de Zenão de Eleia, discípulo de Parmênides, destacam-lhe a sábia concepção do pensamento como propulsor da movimentação de conceitos em si mesmo. Preferem entender como ingênua a teoria de Tales de Mileto sobre a “água” como princípio inaugural da animação infinita única e universal e destacar a dicotomia SingularXUniversal, FinitoXInfinito valorizada pelo acalorado debate entre Heráclito e Parmênides – que foi aproveitada habilidosamente pelo jogo de linguagem da argumentação filosófica de Platão.(6)
NOTA (6)
Neste momento de sua provocativa tese talvez os autores pudessem sinalizar a dimensão metafórica dos nomes atribuídos pelos gregos aos conceitos que buscavam representar. Hegel poderia ajudá-los no enriquecimento de sua argumentação ao esclarecer o que Tales de Mileto ambicionava referir por “água”: “O princípio [Ser] entre os filósofos antigos possui, primeiro, uma forma física determinada. Vê-se que a água é um elemento, um momento no todo em geral, uma força física universal; mas outra coisa é que a água seja uma existência física singular como outras coisas naturais... Aqueles princípios [água, fogo, ar, terra] são figuras singulares.” [Extraído de Preleções sobre a História da Filosofia de Hegel, citado por Ernildo Stein em SOUZA, José C. de [Org] (2005) Tales de Mileto Os Pré-Socráticos – Fragmentos, Doxografia e Comentários. São Paulo: Nova Cultural, p. 42-43.][Maiúsculas minhas]


Ao afirmar o decisivo papel da PERCEPÇÃO na elaboração das visões de mundo em ambos (HeráclitoXParmênides), Platão retrata a epistemologia e a ontologia como fundamentalmente percebidas. Para os autores a dicotomia SUJEITO COGNOSCENTE X MUNDO COGNOSCÍVEL teria se tornado essencial para o pensamento platônico e a partir de então para a Filosofia e aventura intelectual ocidental através dos séculos.

O próximo item do capítulo intitula-se Do Dualismo à Identidade Individuada [From Dualism to Individuated Identity]. É quando os autores caracterizam o pensamento ocidental hegemônico como submetido ao dualismo, às visões sistemáticas do mundo, enfim, aos modelos amparados em uma compreensão interpretativa (paradigmática) do Ser.

Para eles, todos os “contos da carochinha” da filosofia racionalista (Religião, Política, Ciência, Tecnologia e Psicologia) estão contaminados ideologicamente pelo dualismo. Em todas as abordagens da atividade tipicamente humana, sobretudo na contemporaneidade, encontrar-se-iam subjacentes as noções de autoconsciência e abstração (ou alienação), herdada dos gregos.

DeusXHomem, HomemXSociedade, ObservadorXObservado, CorpoXMente: o dualismo, em última instância, revelar-se-ia desde então prerrogativa para o entendimento do ser humano e de sua atividade prático-intelectual seja na Religião, Política, Ciência, Tecnologia ou Psicologia.

Explicam que apesar das periódicas “revoltas contra o dualismo” este modo dicotomizado (alienado ou “cindido”) de ver e compreender o mundo têm contaminado as pessoas ao longo dos séculos.

Entendem que o conhecimento abstrato e os modos de percepção encontram-se firmemente atados oportunizando a emergência da metáfora do ver e da visão, que pode ser facilmente identificada em expressões cotidianas do tipo “eu vejo” e “eu sei”.

Revelam todavia que a problematização do “lado oculto” dos modos de pensar trazida pelos pós-modernistas levaram muitos psicólogos e filósofos simpatizantes do movimento [Pós-Modernismo], particularmente os militantes feministas, a rotularem a metáfora visual da Modernidade como “falocêntrica” – por acreditarem ser ela insuficiente para acolher novos modos de pensar (invaginação). [With postmodern “hindsight”, some feminist philosophers and psychologists, noting how pervasive the employment of the visual is to account for knowledge, have suggested that the visual metaphor is essencially phallocentric (p. 23)]

Em resumo, consideram o método socrático (o dualismo) uma crença “platônica” para referir o caminho em que as pessoas supostamente se moveriam no escuro da “caverna”, incandescidas pela luminosidade exuberante da Verdade, fora dela (da “caverna”). O que se oferece portanto às pessoas, nas prateleiras dos supermercados do conhecimento na contemporaneidade, não seria o Saber mas, antes, um modelo para pensar (um paradigma).

Para contrastar com este tipo de entendimento “míope” do psiquismo tipicamente humano os autores sugerem que se dê uma chance à explicação segundo o modelo marxiano, fundado na PRAXIS, no trabalho; por ser o trabalho uma atividade colaborativa relacional.

Seriam portanto promissoras abordagens ao conhecimento que renunciassem ao modo “platonizado” de entendimento da vida humana – que lamentavelmente tem dominado os “contos da carochinha” modernistas e sustentado a ideologia da filosofia ocidental hegemônica, ao longo dos séculos.

Consideram que a emergência do “euismo” no ver da filosofia racionalista grega encontra sua apoteose na pessoa individuada idealizada da religião pré-moderna, do Estado moderno e, a partir de final do século XIX, da Psicologia. Para eles a Psicologia enquanto nova “ciência” foi criada com o intuito de conduzir a “normalidade” e “curar” as enfermidades que a autoconsciência individuada manifesta e sofre.

Antecipam seu ponto de vista radical: o de que a Psicologia em si, como os outros filhos da Filosofia Ocidental, é um “conto da carochinha”, um mito, uma “pegadinha” ou mentira; uma fábula fruto da relação incestuosa entre ela (Psicologia) e o que a gera (a Filosofia). Encerram o item para retomar a exposição abreviada da trajetória panorâmica do pensamento intelectual no Ocidente.

No próximo item Escolástica: A Crônica Pré-Moderna [Scholasticism: The Premodern strory] encontra-se a exposição aligeirada da trajetória histórica da Filosofia focalizando o impacto do Cristianismo sobre ela, particularmente no primeiro milênio após a morte de Cristo; e revela os “ajustes ideológicos” que foram feitos ao dualismo platônico - que resultaram na acentuação de sua dimensão religiosa judaico-cristã mística inicialmente através da doutrina Maniqueista (BemXMau) de Santo Agostinho.

Ao valorizar o Platonismo e colocar no índex o Aristotelismo a Idade das Trevas (como se costuma rotular a Idade Média) notabilizou-se pelo recrudescimento da irracionalidade, da superstição, miséria e pragas sob Tutela da Igreja Católica e apostolado do Maniqueísmo.

Os autores nos lembram que apenas no século XIII do calendário cristão hegemônico Aristóteles e os Pré-Socráticos ressurgem para “reiventarem” o Cristianismo e disseminarem a “nova” visão de mundo que vai preparar o terreno para o florescimento das crônicas (versões ou fábulas) modernas para o entendimento da vida humana na Política, Ciência, Tecnologia e Psicologia. Teria sido forjada na ocasião uma junção complexa do Aristotelismo com a doutrina Católica, sob iniciativa de São Tomaz de Aquino - que se denominou Escolástica.

Esclarecem que a Escolástica converteu-se, desde então, em visão de mundo “oficial” da época, até a emergência da filosofia racionalista modernista (cujo marco são as teses da “nova ciência” de Galileu Galilei, difundidas a partir do século XVII.)

Holzman&Newman conseguem expor, pedagógica e criticamente, os “elos” não desinteressados do Catolicismo com as idéias de Aristóteles (Escolástica) e a ruptura que significou a “nova ciência” galileana nos modos de pensar da humanidade a partir de uma densa argumentação que traduz sua erudição e sólida formação acadêmica em História da Filosofia.

Os autores fazem questão de assinalar que apenas na contemporaneidade o Aristotelismo passa a ser questionado de modo radical; que o período pós-filosófico, pós-sistemático, pós-racional que estamos vivendo possui raízes tanto nas concepções filosóficas racionalistas difundidas na antiguidade grega como no pensamento modernista de inspiração galileana; que o Pós-Modernismo deve ser aplaudido por se propor ir além do modelo sistemático baseado na abstração autoconsciente - que tem dominado os modos de pensar a Humanidade desde a Antiguidade Clássica.

Encerram sua argumentação irônica e provocativamente salientando que assim como a “nova racionalidade” que representa a visão galileana do mundo foi considerada pela Escolástica como “irracional”, a “nova racionalidade” da Ciência Moderna é considerada pelos pós-modernistas (em nome dos quais se apresentam) não menos “irracional.”

[ - Durma-se com um  barulho desses?! ]

A seguir, no próximo item do capítulo, expõem criticamente aspectos da “crônica científica”. No item A Crônica Científica [The Science Story] Holzman&Newman discorrem sobre como o Modernismo reelabora a racionalidade e a concepção do ser humano tanto em relação à Natureza quanto em relação à Divindade em sua narrativa ou fábula. O Homem Moderno é o homem racional, criação extraordinária da Divindade, que se distingue da Natureza e, mais, que é capaz de compreendê-la e controlá-la através do empirismo e da matematização; o conhecimento passa a relacionar-se cada vez menos com uma graça ou concessão divina e bem mais com o poder do próprio homem sobre a Natureza.

Tanto na lógica aristotélico-tomista quanto na lógica formal ou material tende-se a expressar as estruturas do pensamento deduzindo-as de uma quantidade reduzida de axiomas “estáticos” ou imobilizados pela abstração. A Ciência Modernista é construída sobre estas condições “artificiais” (idealizadas ou matematizadas) e sua narrativa predomina indefectível ao longo de todo o século XX. Isso equivale dizer que a epistemologia (conhecimento a respeito do mundo) subjuga a ontologia (existência real do mundo).

Nos séculos XVI e XVII, a partir de Descartes e de seu famigerado cogito (“Penso logo existo”) a realidade deixou definitivamente de ser concebida como ontologia (como existência real ou “Ser em si”) para converter-se fundamentalmente em uma epistemologia (conhecimento sobre o mundo ou “Ser para si”) que pressupõe o Homem sabichão, arguto observador e sobretudo poderoso agente ou interventor tecnológico em benefício próprio.

Holzman&Newman servem-se do famoso pronunciamento de Bishop Butler para caracterizar pedagogicamente a principal questão ontológica: “Tudo é o que é, nada além disso” [“Everything is what it is and not another thing” (p.30)]. Aos modernistas só restaria portanto contra-argumentar epistemologicamente: “Como se sabe o que é?”

Os autores destacam os relevantes papéis desempenhados pelas descobertas de Nicolau Copérnico (Sec. XV), Galileu Galilei (sec. XVI) e Isaac Newton (Secs. XVII-XVIII) na propulsão do pensamento “científico” graças à matematização e o impacto das produções intelectuais copernicanas, galileanas e newtonianas no progresso tecnológico bélico-náutico durante os séculos subsequentes. Mas, insistem: nenhuma das conquistas obtidas ousou romper com as raízes sedimentadas na “lógica aristotélica.” Apenas teria ocorrido uma mudança na visão de mundo em razão de a ontologia ter sido “cientificizada”, quer dizer, no modo como se vê o mundo resultante da “modernização” do homem espistemológico; e na forma como a ontologia e a epistemologia interagem na colaboração do conhecimento com o uso “hegemônico” do método dedutivo-causal.

Explicam-nos não ter ocorrido nenhuma mudança fundamental nos modos de pensar ao longo do desenvolvimento histórico da Filosofia; que isso só passará a ocorrer quando os esforços para matematizar a Lógica farão emergir sérios problemas teórico-metodológicos e práticos. É este o assunto que será abordado no último item do segundo capítulo, intitulado A Lógica da Particularidade e da Identidade [The Logic of Particularity and Identity]


Em A Lógica da Particularidade e da Identidade [The Logic of Particularity and Identity], último item do Segundo capítulo, Holzman&Newman de modo lacônico atribuem o sucesso da normatização aristotélica do que seria “pensar corretamente” à crença em sua lógica dedutiva ilustrada pelo clássico silogismo “Todos os homens são mortais; Sócrates é um homem portanto Sócrates é mortal”.

O hábito “aristotélico” de serem concedidos atributos à um objeto baseado não na sensação presencial de suas características objetuais mas, antes, a partir do processo de pensá-lo descolado ou abstraído do campo perceptivo natural implicaria em um modo de pensá-lo (o objeto) normativamente e não empiricamente.

Ainda que a Ciência Moderna tenha se voltado para investigações do movimento físico e das leis matemáticas que regem a mecânica dos corpos em seus processos de mudança, os modos de pensá-los em sua “dinâmica” continuam fortemente ancorados ainda a uma lógica classificatória, dedutiva e “estática” que proporciona calafrios ao pensamento por suas abstrações glaciais: a lógica da particularidade, identidade e dedução.

Fazem uma exposição didática e sinóptica do funcionamento desta lógica fundamentalmente classificatória sistematizada por Aristóteles e de sua teleologia ou finalidade causa-efeito que exige ser matematicamente expressa e também verificável empíricamente. Uma lógica portanto que não considera a dimensão relacional.

Afirmam que o paradoxal deste modo hegemônico ou “científico” de pensar só começa a ser denunciado cada vez mais e por um número cada vez maior de pensadores no final do século XIX e início do século XX, quando a Ciência golpeia mortalmente a Filosofia e esta reage desmascarando aquela para revelar em público sua natureza metanarrativa (fabular) enquanto “crônica científica”.

Os autores antecipam que pretendem demonstrar como deste embate “matricida” resultaria a produção da última fábula da Filosofia Moderna: a Psicologia Épica – a tentativa desesperada e suicida de elevar a Ciência ao nível de supraentendimento dos saberes sobre a vida humana.É este “genocídio” da saúde mental dos seres humanos que os autores se propõem diagnosticar clinicamente no livro.

Mas, antes de apresentarem sua provocativa tese, consideram-se no dever de continuar dissertando sobre os rumos das contribuições de pensadores ao longo da colaboração da Filosofia Moderna no terceiro e último capítulo da primeira parte do livro intitulado A Glorificação da Experiência: A Filosofia Moderna, Psicologia e Lógica [The Glorification of Experience: Modern Philosophy, Psychology and Logic]

Neste capítulo os autores lembram-nos que a história da Filosofia Ocidental costuma ser em geral  divida entre o Racionalismo Continental (Europeu) e o Empirismo Britânico (Inglês). O Racionalismo sustentando-se em três grandes tradições continentais do século XVI (Descartes, Spinoza e Leibniz) logo a seguir vindo a ser  contraditado por três grandes tradições insulares (britânicas) do século XVII (Locke, Berkeley e Hume).

Revelam-nos, em linguagem simples, que o racionalismo tem sido identificado como o estudo da gênese do conhecimento a partir de um ponto de vista que privilegia o mental a partir de movimentos “de dentro para fora” , quer dizer, de processos interoceptivos e próprioceptivos (percepção do que ocorre no interior do organismo); e que o empirismo é o estudo das origens do conhecimento do ponto de vista do movimento em sentido inverso: “de fora para dentro”; quer dizer, de um “excitação” que se origina em processos êxteroceptivos (percepção de sensações provocadas pelo meio exterior ao organismo).

Esclarecem que ambos pontos de vista (racionalismo e empirismo) se ocupam das origens do conhecimento pretendendo cada um o status de abordagem “científica” aos processos de percepção dos seres vivos em geral e dos seres humanos em particular; e que muito antes de Kant (século XVIII) ter unificado ambos pontos de vista em uma perspectiva “científica” sabia-se que os processos intero-próprio-êxteroceptivos estavam interconectados.

Fazem questão de lembrar que foi Descartes – considerado o “pai do racionalismo” – em sua busca pela inquestionabilidade do ato de pensar propriamente dito quem teria afirmado a existência da anterioridade do ato de pensar como possibilidade única para emergência de qualquer conhecimento através do famigerado cogito ergo sum (Penso logo existo); e que foi Hume – considerado o último dos empiristas – quem teria buscado incansavelmente localizar a gênese da ontologia nos processos êxteroceptivos de “excitação” provocados pela “sensação instantânea” de aspectos do meio exterior ao organismo.Mas que, apenas com Kant, demonstrou-se a insuficiência de ambos pontos de vista, isoladamente, serem capazes de explicar a ontologia (a experiência do mundo e a experiência do sujeito cognoscente).

Lembram-nos contudo que é só com o Experimentalismo de Kant que a experiência (do mundo e do sujeito no mundo) coloca-se como cognição. Para eles, o pensamento kantiano é o ninho no qual será nutrida a Psicologia com uma fundamentação filosófica racionalista - embora não ainda com os fundamentos “científicos” modernos.

A seguir abordarão, no primeiro item deste capítulo, a expansão do Modernismo filosófico e as primícias do Pós-Modernismo.


Neste primeiro item do terceiro capítulo (primeira parte do livro) que se intitula De Kant a Marx: O Crescimento do Modernismo Filosófico e as Sementes do Pós-Modernismo [From Kant to Marx: The Height of Philosophical Modernism to the Barest Beginnings of Postmodernism] inicia-se com uma extensa transcrição de um fragmento de Crítica da Razão Pura de Kant onde este expõe seu ponto de vista de que todo o conhecimento tem origem com a experiência e que não há conhecimento que possa atecedê-la [“We have no knowledge antecedent to experience, and with experience all knowledge begins.” (pp. 35-36)]

Esclarecem que a experiência para Kant é o motor para o conhecimento mas que ela (a experiência do mundo), em si mesma, não é “neutra” ou “bruta” como sugeria Hume e outros empiristas mas, antes, filtrada pelo processo de pensamento. Esta teria sido a grande contribuição de Kant para alimentar a colaboração de mitos por parte da Psicologia do século XX particularmente das fábulas sobre o conhecimento.

A opinião dos autores é a de que Kant não resolve satisfatoriamente o dualismo da lógica aristotélica por manter-se igualmente apegado à uma dimensão “estática”, “mentalista” e “metafísica” – o que se pode constatar facilmente ao examinar a taxonomia que ele utiliza para validação da experiência e distinção dos graus de “certeza” do pensamento: analiticidade, sinteticidade, a priorismo e posteriorismo. (7)
NOTA (7)
Julguei interessante e oportuno transcrever aqui o que diz Hegel em Preleções sobre a História da Filosofia a respeito de Kant quando busca comparar o kantismo com o pensamento da escola eleática pré-socrática:
“Ele [Kant] afirma: Voltando-se para o mundo, quando o pensamento se dirige para o mundo exterior (para o pensamento o mundo dado no interior é algo exterior), voltando-se para ele, fazemos dele um fenômeno; é a atividade de nosso pensamento que atribui ao exterior tantas
determinações: o sensível, determinações de reflexão etc. Só nosso conhecimento é fenômeno, o mundo é em si absolutamente verdadeiro; só nossa aplicação, nosso acréscimo o arruína para nós ... ” (p. 156). Citado por Ernildo Stein em SOUZA, José C. de [Org] (2005) Zenão de Eléia Os Pré-Socráticos – Fragmentos, Doxografia e Comentários. São Paulo: Nova Cultural, pp. 139-156.


Afirmam que tanto a Filosofia como a Ciência e a Psicologia Modernas sustentam-se na “Crítica” de Kant e que só com Marx este paradigma modernista começará a ruir abalado pela apresentação da tese materialista histórico-dialética de que o pensamento tem origem na atividade laboral – o que questiona desassombradamente o mentalismo apriorista kantiano (racionalismo) e sua lógica aristotélica idealista.

O que Marx quer dizer, esclarecem os autores, é que o ponto de partida para o conhecimento (Ciência e História) é a vida sendo vivida e não abstrações idealistas “fora” da vida; que as premissas necessárias para a epistemologia (conhecimento do mundo) são as “pessoas reais” em seu processo de desenvolvimento sob determinadas condições.

Explicam que toda a trajetória da filosofia ocidental através dos tempos, desde Platão e Aristóteles, amparou-se em uma abordagem dualista a-histórica na qual as premissas estão “abstraídas” (separadas ou alienadas) do impacto que produzem nos modos de pensar a vida humana ao longo dos séculos. Consideram que o método formulado por Marx é uma das mais relevantes contribuições para o que se denomina na contemporaneidade epistemologia teórico-prática Pós-Moderna.

Para eles, Marx ao propor o conceito de Atividade como unidade “revolucionária prático-crítica” para análise da vida humana, pressupondo-a histórico-culturalmente posicionada, realiza uma síntese genuína entre sujeito cognoscente (epistemologia) e realidade do mundo (ontologia) que o leva para além da tentativa de solução da problemática das origens do conhecimento experimentalista-modernista.

Marx teria, com sua original proposição, conseguido converter a síntese racionalista-experimentalista de Kant em uma radical e promissora renovada visão de mundo. Ao contrário de Kant, Marx insiste que o ser humano não deve ser tomado primeiro como um sujeito cognoscente alienado (separado ou abstraído) do mundo real mas como produtor interativo do mundo, engajado no processo de transformação da Natureza “para si”.

Todavia, advertem: o método formulado por Marx deixa de questionar a existência de premissas. Nele, a premissa são as “pessoas reais” em atividade, ao contrário da premissa do pensar abstraído do viver kantiano-aristotélico.

O que os autores problematizam em Marx portanto são os critérios para definição do que seriam “pessoas reais” e se ele teria se perguntado isso; criticam-no por ter permanecido refém da crença cartesiana-modernista na verdade e na certeza.

Esclarecem que, amparando-se em Vigotskii, pode-se ir além do paradigma modernista-racionalista em Marx e alcançar a epistemologia pós-moderna. Informam que farão uma demonstração mais detalhada da epistemologia pós-moderna e do método que a caracteriza no capítulo nono do livro. Que, para eles [os autores], a experiência é a ocasião para o surgimento de todo conhecimento e não pode ser plenamente entendida seja pela perspectiva abstrata e racionalista de Kant nem tampouco tomando como premissa “pessoas reais” à moda de Marx.

O entendimento dos autores é o de que na atividade contínua do experimentar emergem de modo permanente novas descobertas sobre o que se sabe a respeito das suas pré-condições sócio-históricas.

A experiência é concebida por eles como oportunidade para a atividade colaborativa do conhecer e do crescer solidário em infinito desenvolvimento. A experiência não é portanto abordada a partir do “congelamento” prévio de abstrações, categorizações e conceptualizações. A experiência gera, do seu ponto de vista [dos autores], a atualização contínua do aprendizado e a descoberta de pré-condições sempre provisórias do experimentar a atividade social sendo vivida.

Em resumo, esclarecem que o que propõem com seu posicionamento radical-ativista pós-moderno de(s)construcionista-(re)construcionista histórico-socialmente contextualizado é negar o que em Kant e Marx lhes parece particularidade em diferentes aspectos: pontos de partida, individuação, categorização, experienciação, origens, premissas, pressuposições, afirmações, teleologia (causa-efeito) etc.

Do ponto de vista radical de Holzman&Newman deve-se conceber a flexibilidade e provisoriedade de pontos de vista e valorizar sua dimensão relacional em continuada busca por novas descobertas. Para eles só este modo de ver o mundo permitirá superar o medo e o pânico de viver o eclipse das certezas que assombram o século XXI.

Anunciam que o próximo item do capítulo tratará do Esforço Científico para Padronizar e Universaliza [Science’s Effort to Formalize and Universalize] que caracterizou o final do século XIX e início do século XX.

Ao autores revelam neste ponto de sua argumentação que a visão de mundo propugnada por Einstein defendia confiante o poder da Ciência para responder todas as questões, predizer e explicar todos os fenômenos do mundo natural através da matematização.

Revelam-nos que se acreditou na possibilidade de justificar a validade da Matemática, fonte da certeza científica, apelando-se para a Lógica (sistematização de um modo normatizado para pensar). Todavia consideram importante indagarmos como a precisão matemática poderia ser oriunda de algo tão impreciso como a mente humana.

Informam que se acreditava euforicamente poder desvelar os mistérios da mente se esta conseguisse ser analisada “cientificamente”; que isso, ocorrendo, faria com que o paradigma modernista fosse definitivamente universalizado. Para eles [os autores] esta seria a última cruzada para que a Ciência e a tecnologia ultrapassasse sua mãe grega (A Filosofia) e sua avó (A Religião). Mas que, ironicamente, ao serem sobrevalorizadas a Lógica e a sistematização aristotélica pelo projeto modernista de epistemologia (conhecimento do mundo) sua contradições tornaram-se demasiado evidentes.

Explicam que foi sobretudo através do pensamento de modernistas que conseguiram enxergar além do que se podia ver com o uso das gastas lentes do Modernismo - como Ludwig Wittgenstein (Lógica) e Vigotskii (Psicologia) - que eles [os autores] buscarão fundamentar o entendimento dos modos de pensar tipicamente humanos a partir de uma abordagem antiparadigmática, assistemática, relacional e não apegada a um referencial  apriorístico de “verdade”: O Pós-modernismo.

Passam a seguir ao próximo item do terceiro capitulo: Relatividade, Quanta e o Princípio da Incerteza [Relativity, Quanta, and The Uncertainty Principle]. Ali nos dizem que apesar dos esforços de “cientifização” da Psicologia e de “logicização” da matemática continuarem sendo levados adiante, a Física (a jóia da Ciência Moderna) vislumbrou muito além do é possível enxergar usando-se as lentes do paradigma modernista.

Explicam que vários estudos baseados em tecnologia de ponta reconheceram que a subjetividade humana impacta profundamente a suposta análise “objetiva” (neutra) dos fenômenos, particularmente as pesquisas no âmbito da física subatômica e da dinâmica astronômica.

Informam que os resultados obtidos por estas investigações solicitam uma inadiável reconceptualização das bases ortodoxas do espaço e do tempo característicos da física newtoniana. Em outras palavras: chegam à conclusão de que sem ser considerado o papel da subjetividade do “observador” nem o movimento subatômico tampouco o astronômico podem ser genuinamente compreendidos.

Esclarecem que em socorro à reividicação de novos paradigmas para abordagens de problemáticas desafiadoras da Física, pesquisadores contemporâneos têm apresentado a necessidade de abordagens processuais para estudos rigorosos do movimento das micropartículas atômicas, por exemplo. Mas que ferrenhos defensores da Física ortodoxa alegam que o paradigma newtoniano não é fundamentalmente abalado pelas novas descobertas e que a revelação dos fascinantes e desconhecidos mundos a serem pesquisados só foi possível graças aos avanços tecnológicos extraordinários que resultaram na construção de superpotentes telescópios e microscópios a partir do modo newtoniano de pensar.

Fred & Lois argumentam que é apegando-se a este discurso conservador que o “Clero” modernista tenta desqualificar as narrativas contrárias à ortodoxia científica e tratam os pesquisadores pós-modernistas como “hereges”. Advertem-nos de que seu interesse no livro não é discutir se uma nova concepção dos modos de conhecer está emergindo na Física mas focalizar e discutir a emergência de uma epistemologia não paradigmática que estabeleça pontes entre diferentes visões de mundo.

A seguir, anunciam o item Lógica Relacional ou Funcional [Relational or Functional Logic] no qual abordarão a geometria não euclidiana e o impacto da teoria da função recursiva e do paradoxo da autorreferencialidade na cibernética e tecnologia computacional além de alguns problemas da funcionalização ou matematização da visão kantiana de cognição.

Neste item assinalam que a invenção da geometria não euclidiana por Riemann, em meados do século XIX, demonstrou a incapacidade do paradigma euclidiano dar conta da investigação da natureza do espaço. Atrelada a uma visão kantiana de que a Matemática consistia em um conjunto de verdades “profundas” sobre os aspectos quantitativos da ontologia (realidade do mundo) a geometria euclidiana passou então a ser questionada tanto por matemáticos como por filósofos. O desafio de alguns pensadores tornou-se a investigação das contradições da matematização do mundo pela “crônica científica” e suas relações com o mundo como ele, de fato, é.

Esclarecem que, ao não mais se basear em aspectos da realidade física a matemática passou a ser entendida como sistematização - não totalmente arbitrária - de um determinado modo de pensar, ou seja, como Lógica. Isso teria conduzido ao entendimento revolucionário da Matemática como algo muito mais próximo à Lógica do que dos fatos e que isso proporcionou um extraordinário progresso tanto da Lógica como da Matemática.

Ao longo do item os autores buscam amparo na demonstração de equações algébricas que confirmam a insuficiência da matematização do modelo kantiano e suas consequências, ou seja, a emergência das teorias de tipificação da Lógica que amparam o Princípio Matemático (redução da Matemática à Lógica), particularmente o pensamento de Russel&Whitehead - que conseguia congregar sem conflito o aparato aristotélico e as concepções da Matemática e Lógica emergentes no final do século XIX e início do século XX.

Os autores atribuem ao pensamento crítico de Gödel nos anos sessenta a denúncia dos impasses na aplicação universalizante dos modelos matemáticos; que estes [os modelos matemáticos] são modelos exclusivamente daquela área do conhecimento [Matemática] e que portanto não seria razoável pretender subjugar todas as visões de mundo a apenas um único ponto de vista: o sistema metamatemático-lógico.

Encerram o item destacando que, curiosamente, Gödel não toma partido nem da Matemática nem da Lógica mas encoraja novos percursos para estas áreas do conhecimento particularmente via teorias da função recursiva – que é o fundamento matemático da cibernética e da tecnologia computacional.

Segundo eles [os autores] teria sido Ludwig Wittgenstein quem corajosamente ousou enfrentar questões fundamentais pertinentes à Lógica, Matemática e Filosofia. É a contribuição de Wittgenstein que pretendem expor ao longo do desenvolvimento subsequente do capítulo iniciando sua argumentação favorável às idéias do eminente pensador judeu-austríaco pelo item intitulado O Jovem Wittgenstein e a Filosofia da Linguagem [The Early Wittgenstein and The Philosophy of Language].

Neste item apresentam uma breve biografia de Wittgenstein, considerado gênio por muitos. Focalizam de modo privilegiado seu primeiro e mais conhecido escrito intitulado Tratado Lógico-Filosófico de 1921 para revelar ali forte influência do Princípio Matemático de Russel&Whitehead e adesão de Wittgenstein à tese da “logicização” da Matemática.

Explicam-nos que neste livro revela-se o interesse de Wittgenstein pelo estudo da filosofia da linguagem e que, na ocasião em que foi escrito, Gödel não havia ainda formulado o Teorema da Incompletude.

Defendem que a contribuição essencial de Wittgenstein ocorrerá muito tempo depois, quando ele se debruçar mais detidamente sobre a Linguagem como FORMA DE PENSAMENTO e não necessariamente às representações mais cotidianas de linguagem como a linguagem filosófica e outros tipos naturais ou não naturais de linguagem – a exemplo da Matemática. Consideram o Tratado de Wittgenstein, quando observado deste ponto de vista, uma relevante contribuição para o lançamento dos fundamentos de uma lógica genuinamente não aristotélica.

Esclarecem que baseados no seu Tratado discípulos de Wittgenstein, integrantes do Círculo de Viena, contemporâneo a Hitler, criaram o que se convencionou denominar de positivismo lógico, interpretando o livro como diretrizes para eliminação da metafísica e submissão da Filosofia ao serviço de “limpeza” para o progresso científico; e mais: que Wittgenstein já teria abandonado na ocasião as teses veiculadas no Tratado para dedicar-se ao serviço “sujo” de de(s)construção da Filosofia livrando-a da obsessão com a linguagem e do seus compromissos com o modo modernista de pensar.

A seguir apresentam o item A Breve e Infeliz Existência do Positivismo Lógico [The Short, Unhappy Life of Logical Positivism] no qual expõem o modo equivocado com o qual, em nome de Wittgenstein, o Círculo de Viena ambicionou estabelecer as regras para fundamentar logicamente todas as áreas do conhecimento.

Neste antepenúltimo item do terceiro capítulo os autores denunciam que o Círculo de Viena se formou sob a égide do Nazismo e que o positivismo lógico sustentava-se no Liberalismo. Que o positivismo lógico nada mais era do que um esforço “rude” para rever a Filosofia e torná-la enaltecedora da Ciência Moderna.

Esclarecem que o modo equivocado com o qual, em nome de Wittgenstein, o Círculo de Viena ambicionou estabelecer as regras para fundamentar logicamente todas as áreas do conhecimento teria, ao contrário de seu propósito, aberto as portas para o enriquecimento crítico da Ciência e a emergência das teses da Pós-Modernidade.

Explicam que a Teoria da Verificação tornou-se o “Sol” em torno ao qual gravitaram inúmeras teses de adeptos do positivismo lógico em busca de defesa do “atomismo” da Ciência– o reducionismo levado às últimas consequências amparado nos princípios kantianos da analiticidade e sinteticidade e em uma versão de “experimentação” neokantiana. Para os lógico-positivistas a compreensão genuína de um silogismo não poderia se dá nem a partir das “definições” tampouco a partir da “verificação” simples. Para eles uma proposição só poderia ser considerada “falsa” ou “verdadeira” se algo fosse tomado como evidência empírica.

Informam que toda essa discussão durou dos anos trinta aos cinquenta do século XX e que teria sido Quine, em 1963, quem encerrou o bate-boca ao de(s)construir os fundamentos “científicos” do lógico-positivismo (também conhecido como lógico-empirismo) com o famigerado ensaio Os dogmas do Empirismo.

Concluem o item revelando que, para eles [os autores], Gödel e Quine são os grandes marcos do pensamento pós-moderno mas que, embora seus escritos tenham influenciado pensadores conhecidos como os primeiros pragmatistas norte-americanos (James, Pierce, Dewey, Mead e Lewis entre outros), coube a Wittgenstein definitivamente sepultar o “cadáver” da Filosofia sugerindo o filosofar sem Filosofia, isto é: a atividade contínua de jogar com as palavras.

A seguir anunciam o último ítem do terceiro capitulo que encerra a primeira parte do livro: O Ludwig Wittgenstein Maduro [The Late Ludwig Wittgenstein]. Nele os autores esclarecem que a morte de Wittgenstein por câncer,em 1951, o poupou de ter visto sua obra rotulada por John Austin de “lógico-positivista” e atrelada ao pensamento do Círculo de Viena; mas que ele sobretudo perdeu a chance de acompanhar o desenvolvimento de suas idéias por parte da crítica pós-modernista contemporânea.

A seguir buscam expor o desenvolvimento das ideias de Wittgenstein na maturidade e de como isso serviu de base para abordagens antipsicologizantes da Psicologia. Começam por afirmar que, para além da dimensão crítica facilmente constatada em sua visão sobre a Filosofia, Linguagem e Metodologia Científico-Filosófica os escritos de Wittgenstein revelam que seu discurso dirige-se para terapeutas; que suas críticas ao modo “modernista” de pensar assumem feições de  tratamento clínico não sistemático para filósofos e pessoas comuns.

Revelam que para ele [Wittgenstein] a Filosofia era a “doença” [desease], a Linguagem seu “vírus transmissor” [carrier] e a Metodolgia Científico-Filosófica o hospital dos quais a Ciência jamais desconfiou precisar ou desejou ter; que este é o assunto dos próximos capítulos do livro: como a pseudociência infectou de maneira sórdida e vergonhosa as sementes “malditas” que deram origem à Filosofia e Ciência Modernistas.

Prometem demonstrar porque Wittgenstein e Lev Vigotskii são considerados “avôs” do Pós-Modernismo e advertem que não se encontram sozinhos na defesa de seu ponto de vista, invocando o amparo da legitimidade acadêmica de um número crescente de psicólogos contemporâneos (Gergen, Jost, Shotter, van der Merwe e Voestermans) que se encontram, assim como eles [os autores], engajados no esforço de criar uma abordagem clínica assistemática, relacional e não baseada em julgamentos prévios considerados “verdades.” (8)
NOTA (8)
Para conhecer mais sobre as abordagens clínicas assistemáticas valeria a pena consultar TURATO, Egberto Ribeiro (2003) Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa – construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis: Vozes.

Apresentam em socorro de suas idéias o pensamento provocativo de renomados acadêmicos da contemporaneidade ao redor do mundo como Derrida, Foucault, Habermas, Heidegger e seus seguidores que também se levantaram impertinentes contra a Ciência Modernista deflagrando a “revolta pós-modernista” - sufocada há meio século pela imposição hegemônica do modelo autoritário epistemológico típico do Modernismo.

Para eles [os autores] a “revolução wittgensteiniana” é tão ou mais importante que as “marxiana” e “freudiana” para o entendimento do mundo e da vida na contemporaneidade. Relatam que apenas muitos anos após sua morte [de Wittgenstein] seus seguidores póstumos tornaram acessíveis suas ideias nas universidade norte-americanas gerando uma “febre” pelo interesse em temas como a Filosofia da Mente ou Psicologia Filosófica, Filosofia da Linguagem, Lógica e Ciência.

Revelam-nos que um dos mais acalorados debates travou-se em torno da problematização da “explicação.” Que este debate teria sido longamente alimentado pelo questionamento de se haveria - e qual seria - a diferença entre a descrição das ações humanas e dos eventos não humanos.

Holzman&Newman fazem então questão de destacar o importante papel nas discussões da Academia norte-americana sobre a “explicação” desempenhado pelo ensaio A Função das Leis Gerais na História [The Function of General Laws in History] de Carl Hempel reeditado em 1965 (originalmente publicado em 1942) - no qual se defendia a aplicação da “crônica científica” indistintamente tanto à Fisica, Biologia e Química quanto à História.

Explicam que as ideias de Hempel foram retomadas por Davidson em 1980 propondo um “analiticismo neopositivista” que causou grande rebuliço e contra-ataque por parte de filósofos da mente e estudiosos da psicologia filosófica. Afirmam que começava ali a aventura da psicologia pós-moderna sóciocrítica para de(s)construção teórica da Ciência Modernista.

Para eles é na década de noventa do século passado (Século XX) que se lançam as bases para um radical desafio à Psicologia e Ciência hegemônicas. E que a impertinência pós-modernista fortaleceu-se com as produções de filósofos influenciados por Wittgenstein como o canadense William Dray e o indiano Michael Scriven - que abertamente se opuseram a Hempel e Davidson insistindo em ressaltar a dimensão metanarrativa e autoreferencial da “crônica científica”, chamando atenção para o importantíssimo papel do contexto histórico-sóciocultural na colaboração dos enunciados “científicos.”

Porém, sustentam os autores, que apesar da valiosa contribuição de Dray e Scriven para o posterior desenvolvimento do pensamento pós-moderno seu excessivo foco no contexto os impediu de problematizar a “contextualização” do contexto – algo que só a Teoria Histórico-Cultural da Atividade, inaugurada por Lev Vigotskii, em sua opinião, ousou corajosamente equacionar.

Passam a efetuar uma breve exposição da biografia de Lev Vigotskii e ressaltam que tanto ele [Vigotskii] quanto Wittgenstein não tiveram oportunidade de cotejar seus respectivos pontos de vista sobre o psiquismo tipicamente humano; que o pensamento de ambos só muito recentemente tornou-se conhecido.

Em sua opinião, Vigotskii e Wittgenstein são ambos os responsáveis pelo “sepultamento” definitivo da Psicologia Hegemônica – viva ou morta; que eles [Wittgenstein e Vigotskii] são os mentores do “atentado” devastador que tomou de assalto a Psicologia Científica - consumado por toda uma legião de “herdeiros” intelectuais, nos quais orgulhosamente se incluem. Afirmam que se há uma fábula pós-moderna a ser contada é a que eles apresentam no seu Psicologia Acientífica.

Concluem a primeira parte do livro resumindo o seu depoimento pós-modernista apresentado ao longo dos primeiros capítulos. Consideram possível que eventualmente a Ciência venha suceder a Filosofia destituindo-a do seu reinado e que a Filosofia, na contemporaneidade, é celebrada como um “monumento” a ser venerado - e uma piada; mas que até mesmo piadas podem ser mercantilizadas na cultura pragmática e monetarista da contemporaneidade porque, como se costuma dizer: “Se algo não serve para fazer dinheiro, não significa nada!” [If it don’t make no Money, it does not mean nothing (p. 53)]

Anunciam que demonstrarão na segunda parte do livro as transações que converteram a Psicologia na fábula mais vendida [best-seller] da contemporaneidade.

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