domingo, 9 de janeiro de 2011

MÍSTICA TUPY-GUARANY

Gostaria de parabenizar Alexandre Timbó e toda a equipe do programa Mosaico Baiano e da TV Bahia por inserir na divulgação do roteiro cultural do estado, veiculado por esta emissora, as expressões espetaculares extracotidianas da cultura popular baiana particularmente no programa do dia 17 de janeiro de 2009. Isso é muito importante para minar os preconceitos e resistência à apreciação da estética não hegemônica das manifestações artísticas espontâneas e ingênuas (naif) que se chocam com os valores usualmente reconhecidos pela lógica e o “bom gosto” ocidental.


Todavia quero ressaltar que apenas o registro do cortejo que antecede a mística guarani em Itaparica não dá conta do esplendor da festa que ocorre, de fato, com a teatralização de episódios que insistem em sobreviver na memória da coletividade guarani desafiando a “contação” de histórias oficiais sobre a Campanha da Bahia e das lutas pela Independência do Brasil, concretizada em 2 de julho de 1823, com a expulsão definitiva dos portugueses da Bahia - que mobilizou intensamente os habitantes da ilha capitaneados pela negra Maria Felipa. Nem o documentário sobre os Guaranis veiculado pela TV Brasil preenche a lacuna da manifestação presentativa do evento, porque embora rico em depoimentos dos autênticos guardiões desta tradição cultural [o documentário da TV Brasil], ocorreu de modo de(s)contextualizado do período da encenação, sem a presença do calor “ao vivo” do público e das representações.



Na noite do dia 06 de janeiro, após o cortejo à tarde que leva o carro com a imagem do caboclo até o panteão da praça municipal - que ali permanece até o dia 09 de janeiro, quando ocorre a recolha do carro – acontece, no interior de uma paliçada (palco) forrada de areia branca, a espetacularização ritualística da participação dos povos da floresta e dos negros nas batalhas pela concretização da Independência do país.



Do dia 06 ao dia 09 de FEVEREIRO, todas as noites, a partir das 20:00h, o ritual se repete apresentando, a cada vez, novos episódios performados de modo improvisado pelos “brincantes” (não atores que fazem uso da linguagem teatral). Personagens como Caciques, Pajé, Capitães-do-Mato, Rainha Imaculada e suas aias são claramente delineados e caracterizados atuando de modo surpreendente a cada “celebração”. As apresentações contam com uma orquestra de percussão ao vivo composta por três alabês jejê (atabaques tocados com mãos) e dois maracás (caxixis a partir de cabaças decoradas com rede de unhas de cabra e sementes).


Trata-se de um espetáculo de rara beleza oferecido gratuitamente a todos que podem assistí-lo em pé, concentrados ao redor da paliçada - um palco aberto (Open Stage) ou Teatro de Arena rústico. Mas que necessita de infraestrutura para conferir maior e melhor visibilidade. Por exemplo: (1) arquibancadas ao redor da paliçada para melhor e confortável visualização dos episódios por parte dos espectadores; (2) sonorização multidirecional do evento; (3) telão para acompanhamento a partir da praça de alimentação no palco erguido para atrações musicais durante a madrugada após a mística. (4) iluminação com projetores de 500 e 1000 wts da arena e do trajeto do cortejo de recolha do carro [que ocorre à noite]; (5) maior número de banheiros químicos; (6) folder com a programação detalhada do evento explicitando os horários das funções, roteiro, elenco e ficha técnica do espetáculo-mística guarani; (7) ampla divulgação pelos orgãos de turismo e midia da Bahia; (8) infraestrutura de transportes coletivos para deslocamento de turistas, curiosos e da população de Salvador, Recôncavo e outras regiões do estado de Bom Despacho até Itaparica.



Tentei registrar em vídeo fragmentos do espisódio mas a iluminação por gambiarras existente é insuficiente para captura de imagens com uma maquina filmadora digital amadora. As fotos, só ficam visíveis com flash – o que interfere na coloração original da maquiagem, das pinturas corporais e dos figurinos – a luz natural, solar, como ocorre no documentário Os Guaranis e na matéria do programa Mosaico Baiano, também.

No dia da última celebração que antecede a recolha do carro do caboclo é servida gratuitamente uma beberragem aos “brincantes” e ao público - a Jurema – acondicionada em moringas. Um preparado com canela e cachaça e outras ervas aromáticas muito saboroso e de alto teor alcoólico.

As cantigas entoadas pelo grupo de brincantes merecem ser registradas em áudio e serem disponibilizadas em CDs para posterior escuta e registro da história oral/musical não oficial da Campanha da Bahia - que sobrevive e se (re)afirma com a manutenção da mística guarani   (o documentário apenas apresenta fragmentos de canções e poucos cânticos; a matéria do progama da TV Bahia também).



 
Vou encerrar o meu faltório aqui transcrevendo fragmento da letra da última cantiga do espetáculo - que registrei em áudio - e é entoada repetidamente ao longo da recolha do carro do caboclo pelos brincantes e pelos seus seguidores ao som de alabês jêje e de uma pequena fanfarra de instrumentos de metal por volta da meia-noite da sexta-feira (dia 09):

Despedida de caboclo!
Vai chorar...
Vai chorar pra soluçar!
Vai Chorar...



Odé n’ilê Odé!


Nenhum comentário:

Postar um comentário