quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

ERA UMA VEZ A PSICOLOGIA CIENTÍFICA (13)

O primeiro item do terceiro capítulo da primeira parte do livro intitula-se De Kant a Marx: O Crescimento do Modernismo Filosófico e as Sementes do Pós-Modernismo [From Kant to Marx: The Height of Philosophical Modernism to the Barest Beginnings of Postmodernism] e inicia-se com uma extensa transcrição de um fragmento de Crítica da Razão Pura de Kant onde este expõe seu ponto de vista de que todo o conhecimento tem origem com a experiência e que não há conhecimento que possa atecedê-la [“We have no knowledge antecedent to experience, and with experience all knowledge begins.” (pp. 35-36)]

Esclarecem que a experiência para Kant é o motor para o conhecimento mas que ela (a experiência do mundo), em si mesma, não é “neutra” ou “bruta” como sugeria Hume e outros empiristas mas, antes, filtrada pelo processo de pensamento. Esta teria sido a grande contribuição de Kant para alimentar a colaboração de mitos por parte da Psicologia do século XX particularmente das fábulas sobre o conhecimento.

A opinião dos autores é a de que Kant não resolve satisfatoriamente o dualismo da lógica aristotélica por manter-se igualmente apegado à uma dimensão “estática”, “mentalista” e “metafísica” – o que se pode constatar facilmente ao examinar a taxonomia que ele utiliza para validação da experiência e distinção dos graus de “certeza” do pensamento: analiticidade, sinteticidade, a priorismo e posteriorismo.

Afirmam que tanto a Filosofia como a Ciência e a Psicologia Modernas sustentam-se na “Crítica” de Kant e que só com Marx este paradigma modernista começará a ruir abalado pela apresentação da tese materialista histórico-dialética de que o pensamento tem origem na atividade laboral – o que questiona desassombradamente o mentalismo apriorista kantiano (racionalismo) e sua lógica aristotélica idealista.

O que Marx quer dizer, esclarecem os autores, é que o ponto de partida para o conhecimento (Ciência e História) é a vida sendo vivida e não abstrações idealistas “fora” da vida; que as premissas necessárias para a epistemologia (conhecimento do mundo) são as “pessoas reais” em seu processo de desenvolvimento sob determinadas condições.

Explicam que toda a trajetória da filosofia ocidental através dos tempos, desde Platão e Aristóteles, amparou-se em uma abordagem dualista a-histórica na qual as premissas estão “abstraídas” (separadas ou alienadas) do impacto que produzem nos modos de pensar a vida humana ao longo dos séculos. Consideram que o método formulado por Marx é uma das mais relevantes contribuições para o que se denomina na contemporaneidade epistemologia teórico-prática Pós-Moderna.

Para eles, Marx ao propor o conceito de Atividade como unidade “revolucionária prático-crítica” para análise da vida humana, pressupondo-a histórico-culturalmente posicionada, realiza uma síntese genuína entre sujeito cognoscente (epistemologia) e realidade do mundo (ontologia) que o leva para além da tentativa de solução da problemática das origens do conhecimento experimentalista-modernista.

Marx teria, com sua original proposição, conseguido converter a síntese racionalista-experimentalista de Kant em uma radical e promissora renovada visão de mundo. Ao contrário de Kant, Marx insiste que o ser humano não deve ser tomado primeiro como um sujeito cognoscente alienado (separado ou abstraído) do mundo real mas como produtor interativo do mundo, engajado no processo de transformação da Natureza “para si”.

Todavia, advertem: o método formulado por Marx deixa de questionar a existência de premissas. Nele, a premissa são as “pessoas reais” em atividade, ao contrário da premissa do pensar abstraído do viver kantiano-aristotélico.

O que os autores problematizam em Marx são os critérios para definição do que seriam “pessoas reais” e se ele teria se perguntado isso; criticam-no por ter permanecido refém da crença cartesiana-modernista na verdade e na certeza.

Esclarecem que, amparando-se em Vigotskii, pode-se ir além do paradigma modernista-racionalista em Marx e alcançar a epistemologia pós-moderna. Informam que farão uma demonstração mais detalhada da epistemologia pós-moderna e do método que a caracteriza no capítulo nono do livro. Que, para eles [os autores], a experiência é a ocasião para o surgimento de todo conhecimento e não pode ser plenamente entendida seja pela perspectiva abstrata e racionalista de Kant nem tampouco tomando como premissa “pessoas reais” à moda de Marx.

O entendimento dos autores é o de que na atividade contínua do experimentar emergem de modo permanente novas descobertas sobre o que se sabe a respeito das suas pré-condições sócio-históricas.

A experiência é concebida por eles como oportunidade para a atividade colaborativa do conhecer e do crescer solidário em infinito desenvolvimento. A experiência não é portanto abordada a partir do “congelamento” prévio de abstrações, categorizações e conceptualizações. A experiência gera, do seu ponto de vista [dos autores], a atualização contínua do aprendizado e a descoberta de pré-condições sempre provisórias do experimentar a atividade social sendo vivida.

Em resumo, esclarecem que o que propõem com seu posicionamento radical-ativista pós-moderno de(s)construcionista-(re)construcionista histórico-socialmente contextualizado é negar o que em Kant e Marx lhes parece particularidade em diferentes aspectos: pontos de partida, individuação, categorização, experienciação, origens, premissas, pressuposições, afirmações, teleologia (causa-efeito) etc.

Do ponto de vista radical de Holzman&Newman deve-se conceber a flexibilidade e provisoriedade de pontos de vista e valorizar sua dimensão relacional em continuada busca por novas descobertas. Para eles só este modo de ver o mundo permitirá superar o medo e o pânico de viver o eclipse das certezas que assombram o século XXI.

Anunciam que o próximo item do capítulo tratará do Esforço Científico para Padronizar e Universalizar que caracterizou o final do século XIX e início do século XX.


NOTA EM RODAPÉ

Julguei interessante e oportuno transcrever aqui o que diz Hegel em Preleções sobre a História da Filosofia a respeito de Kant quando busca comparar o kantismo com o pensamento da escola eleática pré-socrática:

“Ele [Kant] afirma: Voltando-se para o mundo, quando o pensamento se dirige para o mundo exterior (para o pensamento o mundo dado no interior é algo exterior), voltando-se para ele, fazemos dele um fenômeno; é a atividade de nosso pensamento que atribui ao exterior tantas determinações: o sensível, determinações de reflexão etc. Só nosso conhecimento é fenômeno, o mundo é em si absolutamente verdadeiro; só nossa aplicação, nosso acréscimo o arruína para nós ... ” (p. 156)

Citado por Ernildo Stein em SOUZA, José C. de [Org] (2005) Zenão de Eléia Os Pré-Socráticos – Fragmentos, Doxografia e Comentários. São Paulo: Nova Cultural, pp. 139-156.

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