quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

ISABEL (5)

O Caboclo-Boto surge de uma oca sob um manto de palhas secas de bananeira que lhe cobre todo o corpo. Dança investindo seu arco e flecha na direção de todos os segmentos do circulo formado pelos tribalistas.


Caboclo-Boto
[Pronuncia sons incompreensíveis]


Pajé Aymoré
(Traduzindo os sons do Caboclo-Boto) Caboclo diz pra esperar chegada de talismã!
Antônio Bento
(Para Caboclo Manuel Galdino) Pede ao Pajé pra perguntar pro Caboclo-Boto se vai demorar a chegada do talismã...
Caboclo Manuel Galdino
(Para Pajé Aymoré) Fio quer saber se demora chegada talismã...
Pajé Aymoré
[Pronuncia sons incompreensíveis traduzindo a pergunta para a linguagem do Caboclo-Boto]

        Caboclo-Boto dá um grito de guerra e estremece o corpo. Ouve-se um galope veloz de cavalo aproximando-se ao som de cipós quebrados e batidas de folhas . Um guerreiro Aymoré entra ofegante com uma caixa na mão.

Guerreiro Aymoré
(Atirando-se aos pés do Caboclo-Boto) Os Aymoré tomou de assalto cavalo de ferro! Traz tesouro pra tribo... (Deposita fruto do assalto aos pés do Caboclo-Boto)
Caboclo-Boto
[Movendo-se vitorioso bate no peito enquanto pronuncia sons ininteligíveis]
Pajé Aymoré
(Para Antônio Bento) Caboclo diz pra Mané Galdino pegar tesouro e levar pra vender e trocar por comida pra grupo de guerreiro negro durante viagem. Diz pra guerreiros negro confiar em Mane Galdino e não aparecer em aldeia de home branco. Que só Mané Galdino pode ser visto em terra de home branco. Que guerreiros negro deve ficar entocado na mata até chegar em destino.

        O caboclo Manuel Galdino pega a caixa com o conjunto de jóias em esmeralda, ouro e brilhantes abre a tampa e mostra o tesouro para os tribalistas. As jóias circulam de mão em mão pelo grupo. Os tribalistas fazem uso lúdico das jóias. Caboclo-Boto dá novo grito de guerra e pede ao Pajé Aymoré para ser guiado de volta para a oca no que é atendido prontamente. Mudança de luz. Som de paus de chuva.

Coro Aymoré
Salve Caboclo-Boto!
Salve Caboclo! Salve! [Soam maracás, caxixis e cabuletês]
Salve Peixe encantado do Rio Uma!
Salve Caboclo! Salve!
        Salve boto sagrado Aymoré!
Que vive na água doce das matas... [Soam paus de chuva]
Que vira caboclo em noite de lua
Que guarda os mistérios das folhas sagradas
Salve protetor dos guerreiros Aymoré!
Que orienta os justiceiros de pele vermelha
Tingida pelo urucum em suas ações guerrilheiras
Salve tora-torão pau grande da mata atlântica!
        Salve o mentor do banditismo por necessidade!
        O que luta contra a crueldade do homem branco...
        Salve o ladrão que rouba os ladrões dos tesouros da mata!
        Salve o espírito filho das águas virgens da floresta!
Salve Caboclo-Boto!
Salve Caboclo! Salve!
Salve Peixe encantado do Rio Uma!
Salve Caboclo! Salve!
(Entoam Nozani Na de Villa-Lobos e Roquete Pinto) [1]
Nozani na Órekuà kuà
Kaza êtê êtê
Nozani na Órekuà kuà
Nozani na terahan rahan
Oloniti niti
Noterahan kozetozá tozá
Noterá terá
Kenakiá Kia
Ne-ê ená
Uálalô lalô
Giranhalo halo
Caboclo Manuel Galdino
(Para Antônio Bento) Agora podemos ir!
Antônio Bento
(Para os seus caifazes) Chegou a hora de partir pessoal!

        Caifazes celebram animadamente a permissão para a partida em direção ao quilombo ao som instrumental de Nozani Na. Escurecimento lento. Luz sobre a sala de audiência do Gabinete Caxias. A Princesa Isabel está reunida com José de Patrocínio.

José do Patrocínio
Como estava dizendo Princesa, Joaquim Nabuco, eu e outros pretendemos fundar a Sociedade Brasileira contra a Escravidão.

Princesa Isabel
Acho boa a idéia, mas penso ser mais prudente aguardarmos um pouco mais. Não terei tempo durante a segunda regência para promover todos os acordos políticos que se fazem necessários tendo em vista a abolição do escravismo... Quero crer que seja melhor aguardar a formação do novo Gabinete captaneado por conservadores menos intolerantes. De todo modo meu pai vai se licenciar por um longo período – uma década, você sabe. As pressões dos setores conservadores se intensificam e será necessário um intenso combate ideológico nos jornais, nas artes e no Parlamento. E um Gabinete mais simpático ao abolicionismo.
José do Patrocínio
A fuga de negros das fazendas se sucedem e atrocidades inaceitáveis são cometidas contra os rebelados...
Princesa Isabel
O fim do escravismo é uma exigência dos novos modos de organização econômica do trabalho. Será inevitável. Mas muitos representantes da elite ainda insistem em agarrar-se ao velho modo de produção e não conseguem enxergar com clareza o que está acontecendo em todo o mundo. Falta-lhes instrução e coragem para mudar. Lamentável tudo isso. Vejamos o que será possível fazer ao longo da próxima regência. Durante a vigência do Gabinete Caxias muito pouco poderemos fazer em defesa de nossa tese.
José do Patrocínio
Ao menos nos consola saber que as cartas de alforria se multiplicam e que parte da verba oriunda das doações dos simpatizantes do abolicionismo tem financiado também o jornalismo combatente e o levante de negros por todo o território nacional.

        Escuro lento.


[1] Música de Heitor Villa-Lobos e Roquete Pinto In NASCIMENTO, Milton (s/d) TXAI CD-Áudio/Faixa 14. Aliança dos Povos da Floresta-UNI-CNS-Columbia.

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