sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

AO DOIS DE JULHO


AO DOIS DE JULHO
Por Antônio de Castro Alves (1847- 1881)



Poema em louvor ao Dois de Julho escrito com dezessete anos, datado de Recife aos 2/07/1864 [1]

Índio gigante adormecera um dia:
Junto aos Andes por terra era prostrado;
Direis um colosso deslocado
De um pedestal de imensa serrania.

Dos ferros a tinir a voz sombria
Desperta-o... Ruge-lhe o trovão um brado.
Roçam-lhe a fronte as nuvens... sopesado
À destra o fulvo raio lhe alumia.

Foi luta de titães, luta tremenda!
Enfim aos pés do Atlante americano
S’estorce Portugal n’agústia horrenda.

E hoje o dedo de Deus escreve ufano:
Tremei, tiranos, desta triste lenda;
Livres, erguei o colo soberano!




[1] SENA, Consuelo Pondé de. (2000). Castro Alves e o Dois de Julho. Revista da Bahia. Salvador: Egba, v. 32, n. 32, Dez., pp 62-71, p. 68.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

MÍSTICA GUARANI



MÍSTICA GUARANI
Relato de resultados parciais obtidos com OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE em desenvolvimento pelo GEPADEa sob a responsabilidade do Prof.Dr. Ricardo Ottoni Vaz Japiassu




Índio gigante adormecera um dia:
Junto aos Andes por terra era prostrado;
Direis um colosso deslocado
De um pedestal de imensa serrania.

Pesquisador ao lado de brincante da mística Guarani/Jan 2009

Pesquisador cingido por cocar guarani

Gostaria de parabenizar Alexandre Timbó e toda a equipe do programa Mosaico Baiano e da TV Bahia por inserir na divulgação do roteiro cultural do estado, veiculado por esta emissora, as expressões espetaculares extracotidianas da cultura popular baiana particularmente no programa do dia 17 de janeiro de 2009. Isso é muito importante para minar os preconceitos e resistênciaa à apreciação da estética não hegemônica das manifestações artísticas espontâneas e ingênuas (naif), que se chocam com os valores usualmente reconhecidos pela lógica e o “bom gosto” ocidental.

Apenas o registro do cortejo que antecede a mística guarani não dá conta do esplendor da festa que ocorre, de fato, com a teatralização de episódios que insistem em sobreviver na memória da coletividade “guarani” desafiando as narrativas históricas oficiais sobre a Campanha da Bahia e das lutas pela Independência do Brasil, concretizada em 2 de julho de 1823, com a expulsão definitiva dos portugueses da Bahia - que mobilizou intensamente os habitantes da ilha capitaneados pela negra Maria Felipa. Tampouco o documentário sobre os “Guaranis”, veiculado pela TV Brasil, embora rico em depoimentos dos autênticos guardiões desta tradição ancestral, ocorreu de modo de(s)contextualizado do período das práticas espetaculares do grupo, e sem a presença do “calor” do público e do frescor das apresentações.

Na noite do dia 06 de janeiro, após o cortejo que leva o carro com a imagem do caboclo até o panteão da praça municipal - onde ali permanece até o dia 09 de janeiro – acontece, no interior de uma paliçada (palco), forrada de areia branca, a espetacularização ritualística da participação dos povos da floresta e dos negros nas batalhas pela concretização da Independência do país.

Do dia 06 ao dia 09, todas as noites, a partir das 20:00h, o ritual ocorre, e a cada vez, novos episódios das lutas dos independentistas são performados de modo improvisado pelos “brincantes” (não atores que fazem uso da linguagem teatral). Personagens como Caciques, Pajé, Capitães-do-Mato, Rainha Imaculada e suas aias são claramente delineados e caracterizados atuando de modo surpreendente a cada celebração. 

Cacique Guarani/2009
Rainha Imaculada/2009





As apresentações contam com uma orquestra de percussão ao vivo composta por três alabês jejê (atabaques tocados com mãos) e dois maracás (caxixis a partir de cabaças decoradas com rede de unhas de cabra e sementes).
Trata-se de uma prática espetacular extracotidiana de rara beleza, oferecida gratuitamente a todos que podem assistí-la, em pé, concentrados ao redor da paliçada - um palco aberto (Open Stage) ou Teatro de Arena rústico.
É necessária uma infraestrutura para conferir maior e melhor visibilidade aoa evento. Por exemplo: (1) arquibancadas ao redor da paliçada para melhor e confortável visualização dos episódios por parte dos espectadores; (2) sonorização multidirecional do evento; (3) telão para acompanhamento a partir da praça de alimentação, por exemplo, no palco erguido para atrações musicais durante as madrugadas após a mística. (4) iluminação com projetores de 500 e 1000 wts da arena e ao longo do trajeto do cortejo de recolha do carro [que ocorre à noite]; (5) maior número de banheiros químicos; (6) folder com a programação detalhada do evento explicitando os horários das funções e dados sobre o espetáculo e a mística guarani; (7) ampla divulgação pelos orgãos de turismo e midia da Bahia; (8) transporte coletivo para deslocamento de turistas, curiosos e da população de Salvador, Recôncavo e outras regiões do estado de Bom Despacho até Itaparica.

Tentei registrar em vídeo fragmentos do espisódio mas a iluminação por gambiarras existente é insuficiente para captura de imagens com uma maquina filmadora digital amadora e ordinária que usei (uma mirage trend 5M/2G). As fotos, só ficam visíveis com flash – o que interfere na coloração original da maquiagem, das pinturas corporais e dos figurinos – a luz natural, solar, aaproveitada pelo documentário Os Guaranis da TV Brasil e pelo programa Mosaico Baiano, também.

Xiré no interior da paliçada


No dia da última celebração que antecede a recolha do carro do caboclo é servida gratuitamente uma beberragem aos “brincantes” e ao público - a Jurema – acondicionada em moringas. Um preparado com canela e cachaça e outras ervas aromáticas muito saboroso e de alto teor alcoólico.

As cantigas entoadas pelo grupo de brincantes merecem ser registradas em áudio e serem disponibilizadas em CDs para posterior escuta e registro da história oral/musical não oficial da Campanha da Bahia - que sobrevive e se (re)afirma com a manutenção da mística guarani   (o documentário da TV Brasil apresenta fragmentos de canções e poucos cânticos; o progama da TV Bahia também).


Pesquisador em frente ao Panteão que guarda a imagem do Caboclo






Vou encerrar o meu faltório aqui transcrevendo a letra da última cantiga do espetáculo - que registrei em áudio - e é entoada repetidamente ao longo da recolha do carro do caboclo pelos brincantes e pelos seus seguidores ao som de alabês jêje e de uma pequena fanfarra de instrumentos de metal por volta da meia-noite da sexta-feira (dia 09):
Imagem do Caboclo da Ilha
Despedida de caboclo!
Vai chorar...
Vai chorar pra soluçar!
Vai Chorar...

Odé n’ilê Odé!

Caros amigos da Liberdade e da Igualdade,

a Prefeitura Municipal de Itaparica e Paparotti Concertos
Convidam você para

Independências!
Espetáculo histórico-musical
7 de janeiro de 2012 às 19h30
Forte São Lourenço – Itaparica

O espetáculo histórico-musical Independências! pretende utilizar a arte para o fortalecimento da consciência democrática e cívica dos cidadãos através de um espetáculo de dança, de teatro, de música erudita e popular evocando as lutas para a liberdade e a independência dos povos que participaram e participam da construção da nação brasileira e comemorar assim o aniversário dos 189 anos da Independência da Ilha de Itaparica.

Este espetáculo é dedicado a todas as pessoas que lutaram e ainda lutam para conquistar a liberdade, independência e dignidade.

Com 200 artistas

Canto lírico
Adalgisa Rosa, mezzo-soprano
Cyrene Paparotti, soprano e regente
Lício Bruno, baixo-barítono
Michele Tripon-Starita, contralto
Sandro Machado, tenor

Coros
Coro das Crianças da Fundação Sociocultural Alasiã
Coro Infanto-Juvenil da Ilha
Coro Intermezzo

Dança
Companhia Caras de Bocas
Denys Silva Companhia de Dança
Grupo Nativo do Samba
Grupo Hip Hop The Gangsters
     Grupo Hip Hop Unidade Negra
     Júnior
     Ivanaldo dos Reis Souza
     

Instrumentistas
Camerata da OSBA (Orquestra Sinfônica da Bahia)
Débora Limeira, piano
Grupo de percussão da Fundação Sociocultural Alasiã
Marc Forde, piano
Orquestra de Berimbaus da Capoeira União, regente Omara Silvia da Conceição Santos

Teatro
Ana Claudia Santana Souza, Maria Felipa de Oliveira
Eudice Moreira, Juscelino Kubitschek
Antônio Carlos Pereira, locutor
Dedea
Companhia de Teatro Dreams
Grupo Cristo Libertador
Grupo Jovem Kerigma
Grupo Jovem Primeira Igreja Batista em Itaparica
Grupo Indígena Os Guaranis
Grupo Tupinambá de Itaparica


Realização
Prefeitura Municipal de Itaparica
Paparotti Concertos

Corealização
Fundação Pedro Calmon – Biblioteca Juracy Magalhães Júnior Itaparica

Direção artística
Cyrene Paparotti

Roteiro, direção cênica, coordenação geral
François Starita

Palco, Luz, Som
Rsom

Agradecimentos especiais
Senhor Vicente Gonçalves da Silva, prefeito do Município de Itaparica
Senhor Cosme Jorge Patrício Queiroz, secretaria de Turismo, Meio Ambiente e Cultura do Município de Itaparica
Senhor Adenilson Barbosa da Cruz, secretaria de Obras do Município de Itaparica
Senhor Emanoel Pitta de Brito, Presidente da Associação Cultural Grupo Indígena Os Guaranis
Senhora Cassimélia Pedreira Barbosa da Costa, memória viva da ilha
Senhor Edson Rodrigues Saldanha Filho
Senhor Paulo Sergio Pytta

Parceiro do Coro Infanto Juvenil da Ilha
Prefeitura Municipal de Vera Cruz

Parceiros
Jornal Variedades
Marinha do Brasil
Teatro Castro Alves

Patrocínio da Denys Silva Companhia de Dança
Michèle Tripon-Starita, cantora, professore de literatura, militante pela Paz e Amizade entre os Povos

Patrocínio dos fogos de artifício
Brasilgás
Distribuidora de bebidas Itaparica
Farmácia Cavalcante e Supermercado Comercial G.A.
Lyder da Construção
Marlúcio Pereira Corretor de Imóveis
Padaria São Gerônimo
Restaurante Sabores da Noite
Ricardo Caldas Imóveis

Patrocínio das camisas do espetáculo
DEMOCRATAS
PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA
PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO
PARTIDO DA MOBILIZAÇÃO NACIONAL
PARTIDO PROGRESSISTA
PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA
PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO
PARTIDO SOCIAL CRISTÃO
PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO
PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA
PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA CRISTÃO
PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE
PARTIDO DOS TRABALHADORES
PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO
PARTIDO TRABALHISTA DO BRASIL
PARTIDO TRABALHISTA NACIONAL
PARTIDO VERDE

Patrocínio dos transportes
Nova Ilha
Politur

Apoio
Academia Itaparica N`ativa
Barraca Pare
Bom Preço
CTL
D’Gust Floricultura
Infohouse
Itaparica Marina - Conder
Kitanda
Mondo Imaginarium
Panificadora e Delicatessen Gameleira
Paróquia Santíssimo Sacramento de Itaparica
Portal da Ilha
Pousada Arco-Íris
Pousada Muito Mais
Pousada Vista Mar

Programa, músicas, fotos no website do espetáculo

             

Contato produção
François: 87 40 44 87

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YEMANJÁ ( IV )




Remendeiras

Ceição
É verdade?
Toninha
O que menina?
Ceição
Que ele nasceu no mar?
Toninha
Seu Pedrão?

        Ceição confirma com a cabeça.
Toninha
Foi sim. Na meia travessa. Em cima do saveiro de Silvano; o lua bonita. A finadaJulinha de Oxum vinha de Mar Grande pra cá, pra ter menino. Dona Oxum não quis, ele nasceu em cima das água dela. No saveiro mermo. O’zumbigo dele foi jogado no mar...

Praia
        Arruaça vem buscar o balde de gelo e verifica que o gelo derreteu. Faz gesto de raiva incontida. As remendeiras riem. Ele faz que nem percebeu e sai.

Boteco

Pé-Molhado
E você acha, Pedrão, que no mar é melhor de se viver?
Pedrão
Acho! A gente sabe que vai e não sabe se volta. Agora sou morador do mar. O mar é a minha terra. Aqui, to de estrangeiro!
Pé-Molhado
Turista?! “Ispique inglix?” É americano. Aprendi a falar no porto. “Ça vá?” Francês. “Que bela ragassa, capite?” Italiano. É... grinco comigo não fica mudo não. A gente se entende!
Raimundão
(Para Pedrão) E tuas obrigações para a Santa? Tu já fez?

Pedrão
É vem ôces cum essas cunversa... Ces sabem qu’eu num credito!
Raimundão
Se cuida Pedrão! Tu brinca com que tu quiser, mas deixa a Dona Moça em paz. Isso é coisa séria e muito fina...

        A Yaô ronda o boteco.

Pedrão
Ignorança! Isso sim. Credito mermo é nesses dois braço. Isso de candomblé é negócio para enxer o bolso dos pai-de-santo!

        Arruaça chega ao boteco meio sem graça com o balde na mão.

Raimundão
Tu ta falano demais Pedrão!
Pedrão
Tu já viu religião que se preza ser atração pra turista? Agora então virou moda! Religião é religião!
Sete-Mola
Então tu acha que tudo é mentira?
Pedrão
Já falei. Se essa tal Dona das água existe que me apareça. Taí: no dia qu’eu vê ela eu credito!
Raimundão
Cuidado Pedrão, ela pode lhe castigar...
Pedrão
Sai dessa seu Raimundão! Eu só queria ver pra crê. Só isso... Não diz que é tão bonita? Então por que se esconde dos home?

        Um silêncio constrangedor. Os olhos de Pedrão se deparam com os da Yaô. Pedão se volta e vê Arruaça.

Pedrão
Que é que há rapaz? Tá com cara de cachorro que quebrou prato!
Arruaça
Pai, olha... eu...
Pedrão
Perdeu a língua? Desembucha. Cadê o gelo?
Arruaça
Bença Pai?!
Pedrão
Deus te abençoe. Mas, ‘donde ta o gelo? Já levou pra casa? Fala menino!
Arruaça
Negócio seguinte: Eu vinha andano com o balde de gelo na cabeça, aí esses baiacu inchado ficaro me gozano. Num guentei! Puxei o canivete e eles saíram correno. Eu fui atrás. Deixei o balde na praia, depois... quando fui ver, o balde, o gelo tinha derretido. Só tinha água...
Pé-Molhado
(Grargalhando) O sol levou o gelo e mijou no lugar! (Risos. Arruaça se enfeza. Duzinha percebe e o contem com um leve carinho. Arruaça engole a raiva)
Pedrão
E agora?
Arruaça
Olha Pai, não precisa bronquear não. Eu tenho dinheiro pra comprar mais gelo!
Pedrão
Sem essa de bronca, rapaz! Quero fio meu levano desaforo pra casa não! Ô Seu Cazuza, dá gelo aí pro Arruaça (Arruaça vai pegar o gelo)
Pé-Molhado
Tu devia deixar o menino pescar...
Pedrão
Quero não! Ele ta bem na escola. Analfa na família basta eu. Seno igual a mim na valentia, na macheza, basta; e isso ele é!
Raimundão
É de valentão mermo que Ela gosta!
Pedrão
Pois que venha. Mulé bonita é comigo mermo que se acerta!
Raimundão
Tá falano besteira Pedrão! Deixa de desafiar a Moça. Ela é sestrosa e cheia de capricho. Basta ouvir o canto...
Pedrão
Pois eu já gosto de uma cantora!

Remendeiras (Cantam)

        A Mãe d’água quando canta
        Pros lado do pescador
        Sua voz fica tão doce
        Qu’ele esquece seu amor

Casa de Pedrão
       
        Arruaça chega com o balde de gelo.

Dulce
Domingos, pega os jornal pra botar o gelo em cima. Tá aí em cima da mesa. O martelo ta na gaveta. Onde ta teu pai?
Arruaça
Na barraca do Seu Cazuza tomano uma.
Dulce
Disse se vai demorar?
Arruaça
Falou nada não. Mas deve vir pra bóia. (Pausa) Mãe?!
Dulce
Que é?
Arruaça
Nada não...
Dulce
Oxente menino? Tá feito doido? Começa a dizer uma coisa e depois não é nada?
Arruaça
(Depois de um breve silêncio) É que Pai tava falano besteira de novo. Disse que não acredita em Dona Yemanjá; que só acredita no dia que ver...
Dulce
Não se avexe não, meu filho. Não vai acontecer nada não. Minha mãe Oxum não vai permitir. Eu faço minhas obrigação pra Dona Yemanjá  por mim e por ele. Faço tudo nos conforme.