terça-feira, 28 de setembro de 2010

SODOMA Cabaré Narguilé [fragmento 7]

Gritos de zombaria aterrorizante. Escurecimento lento. Música. Lily Trousse sobre o queijão iluminado performa uma nova canção com um vestido negro ao lado dos dois go-go-boys usando coquilhas e botas negras que a acompanham.
FEVER FOGO 

You give me
Me dá
You give me fever
Me dá fogo

Never know how much I love you
Não importa s’eu te amo
Never know how much I care
Nem o quanto eu te dou
When you put your arms around me
Quando sinto seu abraço
I get a fever, that’s hard to bear
Me dá aquele fogaréu
Listen to me, baby,
Me escute meu bem
Hear every word I say
Ouça bem o que te digo
No one can love you the way I do
Ninguem faz gostoso como eu
‘Cause they don’t know how to
Porque ninguem sabe


Love you my way
Fazer como eu
You give me fever, when you kiss me
Me dá fogo seu beijo
Fever when you hold me tight
Um verdadeiro fogaréu
Fever in the morning
Fogo de manhã
Fever all through the night
Fogaréu a noite toda
Sun lights up the daytime
Raia o sol de dia
Moon lights up the night
A lua ainda tá no céu
My eyes light up when you
Adoro o que você
Call my name
Me diz meu bem
‘Cause I know your’re gonna
Porque você sabe
Treat me right
Fazer como ninguem

Bless my soul I love you
Em segredo eu te amo
Take this heart away
Me roube o coração
Take these arms I’ll never use
Fique com os meus anéis
And just believe in what my lips
Mas me faça bem feliz
Have to say
E só


You give me fever
Me dá fogo
When you kiss me
Seu beijo
Fever when you hold me tight
Um verdadeiro fogareu
Fever in the morning
Fogo de manhã
Fever all through the night
Fogaréu a noite toda

Everybody’s got the fever
Todo mundo sente fogo
That is something you should know
Sabe o quanto Fogo é bom
Fever isn’t such a new scene
Fogo não é nada novo
Fever starts long ago
Fogo sempre rolou

You give me fever
Me dá fogo
Fever
Fogo
You give me, You give me… fever
Dá, dá, dá, dá dá… Fogo
You give me… fever
Dá seu fogo pra mim
When you kiss me
No chupa-chupa
Fever when you hold me tight
Fogo no seu amaço
Fever in the morning
Fogo de manhã
Fever all through the night
Fogaréu a noite toda

Romeo loved Juliet
Romeu comeu Julieta
Juliet, she felt the same
Julieta comeu Romeu
When he put his arms around her
Quando ele dava pressão
He said Julie baby you’re my flame
Dizia: Juju cê é o meu chuchu
He gaves her fever
Nunca lhe negava fogo

Sun lights up the daytime
Raia o sol de dia
Moon lights up the the night
A lua ainda tá no céu
My eyes light up when you
Adoro o que você


Call my name
Me diz meu bem
‘Cause I know you’re gonna
Porque sei que
Treat me right
Vou gozar

You give me fever
Me dá Fogo
When you kiss me
Seu beijo
Fever when you hold me tight
Fogo até eu gozar
Fever in the morning
Fogo de manhã
Fogo
Fogo
Fever all through the night
Fogaréu a noite toda
Fever
Fogo
With his kisses
Seu beijo
Fever when he holds me tight
Fogo até eu gozar

Everybody’s got the fever
Todo mundo pega fogo
That is something you should know
Sabe que o fogo é bom
Fever isn’t such a new scene
Fogo
Fever started long ago
Fogo já lhe pegou

Fever
Fogo

Captain Smith and Pocahontas
Garanhão e a donzela
Had a very mad affair
Arderam na transação

Fever
Fogo

When her daddy tried to kill him
Quando ele gozou
She said, daddy, oh, don’t you dare
Ela disse querer mais
He gives me fever
Deu-lhe fogo
With his kisses
Com seu beijo
Fever when he holds me tight
Fogo até ela gozar
Fever, I’m his mrs
Fogo na cadela
Daddy, won’t you treat him right
Fogo até ela gozar


Fever
Fogo

Fever, when you kiss them
Fogo no beijaço
Fever, if you live and learn
Muito fogo vai rolar
Fever, ‘till you sizzle
Fogo até molhar
What a lovely way to burn
Que gostoso isso
What a lovely way to burn
Gostoso demais gozar
What a lovely way to burn
Gostoso queimar



Lily Trousse
Obrigada! Os rapazes são ótimos, não? Eles me dão fogo... Penso que eu deva dar fogo neles também... afinal, as tias têm lá suas brazas escondidas sob as cinzas... É só fazer o fogo subir (Para algum homem da platéia) Você gosta de uma tia que oferece braza pra você fazer fogo?! Confesse... Aprecia um fogaréu, né?! Mas, por falar em fogueira lembrei que tenho que chamar mais uma vez ao queijão as bruxinhas da troupe GayClowns... (Para alguém) Calma, criatura... a strip dos bofe não é agora não... Apressada... A bofaiada tem que aquecer a musculatura antes, me entende? Com vocês mais uma vez, as palhaças do curral tabacaria Sodoma!



Primeira Palhaça/Criada 1
Uma bela noite esta, não Madame Gigi?
Segunda Palhaça/Criada 2
O que a senhora diz da noite Madame?
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Não acho bonita.

        Silencio. Criadas 1 e 2 se entreolham cúmplices.

Primeira Palhaça/Criada 1
A senhora não quer se sentar, Madame?
Segunda Palhaça/Criada 2
Aqui está uma cadeira Madame Gigi... Madame, a cadeira!
Primeira Palhaça/Criada 1
Você não está vendo que a Madame quer ficar de pé olhando a lua?
Segunda Palhaça/Criada 2
Puxa saco! Isso incomoda a Madame, você não percebe?
Primeira Palhaça/Criada 1
É que Madame é muito poderosa, por isso que eu fico bajulando ela...
Segunda Palhaça/Criada 2
Eu também.


Primeira Palhaça/Criada 1
Peça a Madame pra sentar...
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Ah... Não me sinto muito bem hoje...
Segunda Palhaça/Criada 2
A senhora quer se divertir Madame?
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Acho que não consigo mais me divertir... (Para a Criada 1) Como está minha maquiagem?
Primeira Palhaça/Criada 1
Linda! Perfeita como sempre...
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Tenho impressão de que está borrada...
Primeira Palhaça/Criada 1
Pensando bem, agora que Madame falou, tem um borrãozinho mesmo aqui...
Segunda Palhaça/Criada 2
Se eu fosse a senhora eu me sentava... pra fazer um “ossé” na maquiagem...
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Eu não quero me sentar.
Primeira Palhaça/Criada 1
Não, não sente. É melhor ficar de pé...
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Por que você acha que eu devo permanecer de pé?
Segunda Palhaça/Criada 2
Ela não pode se sentar porque senão ela não será capaz de se levantar nunca mais...
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Meu Deus!
Primeira Palhaça/Criada 1
(Para Criada 2) Viu?! Ela prefere ficar de pé
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Meu pé esquerdo está doendo muito! Acho que é o sapato de salto alto...
Primeira Palhaça/Criada 1
Dói muito?
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Sim... Muito!
Segunda Palhaça/Criada 2
É de ficar em pé!
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Será que devo me sentar?
Primeira Palhaça/Criada 1
Não! De jeito nenhum. Temos que evitar isso...
Segunda Palhaça/Criada 2
Se o seu pé esquerdo está doendo, só tem um remédio: tirar o sapato do pé esquerdo!
Primeira Palhaça/Criada 1
Sim. E quanto mais rápido, melhor...


Terceira Palhaça/Madame Gigi
Acham mesmo que devo tirar o sapato?
Segunda Palhaça/Criada 2
Claro!
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Bem, se vocês acham...
Primeira Palhaça/Criada 1
É pra já!

        As criadas tiram-lhe o sapato do pé esquerdo. A Madame Gigi se move claudicante. As criadas disputam a posse do sapato da patroa.

Terceira Palhaça/Madame Gigi
Minha bengala! A bengala, já!

        A criada 2 entrega-lhe a bengala após batê-la na cabeça da criada 1 que tem a posse do sapato.

Primeira Palhaça/Criada 1
E agora? Está se equilibrando melhor?
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Sim. Mas eu quero meu sapato. Não quero ficar sem o meu scarpin...
Segunda Palhaça/Criada 2
Pronto. (Entregando-lhe revoltada o sapato) Aqui está o scarpin...

        Madame Gigi coloca o sapato sobre o braço direito.

Primeira Palhaça/Criada 1
(Para a Criada 2) A gente já podia ir para o bailão...

        As criadas esboçam deixar a Madame sozinha.

Terceira Palhaça/Madame Gigi
Esperem. Quero que tirem também o sapato do pé direito!

        As criadas a atendem prontamente e lhe entregam o segundo sapato. A Madame tenta colocar o segundo sapato debaixo do braço sob o qual se encontra empunhando a bengala. A bengala cai ao chão.

Segunda Palhaça/Criada 2
Agora, a gente tem que ir!
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Não! Agora não! A bengala caiu...
Primeira Palhaça/Criada 1
Em compensação, a senhora já tem os seus sapatos de volta Madame...
Terceira Palhaça/Madame Gigi
A cadeira, a cadeira... Não consigo mais ficar de pé sem os meus sapatos... Nem andar com a bengala e carregá-los ao mesmo tempo.


Segunda Palhaça/Criada 2
(Ajudando-a a sentar-se na cadeira) Pronto.
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Agora não consigo mais ficar de pé nem andar...
Primeira Palhaça/Criada 1
Eu avisei que a senhora não deveria sentar! Era o que eu estava tentando evitar... (Para a Criada 2) Mas essa daí...
Segunda Palhaça/Criada 2
(Sádica) Agora a senhora não pode mais se levantar nem andar!
Terceria Palhaça/Madame Gigi
Por favor, não me diga isso!
Segunda Palhaça/Criada 2
O que não devo dizer?
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Isso...
Segunda Palhaça/Criada 2
Que a senhora não pode mais se levantar?
Terceria Palhaça/Madame Gigi
Você não pode fechar a matraca?
Segunda Palhaça/Criada 2
Não Madame! Mas eu posso tirar seus brincos para aliviar suas orelhas do peso das minhas palavras
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Está bem. Tire apenas o brinco da orelha deste lado, assim eu posso continuar ouvindo ela (Referindo-se à criada 1)
Primeira Palhaça/Criada 1
(Arrancando-lhe o outro brinco) Talvez seja melhor tirar o outro brinco também!

        As criadas se divertem com o desespero da Madame gargalhando irreverentemente. A Madame furiosa atira sobre elas seus pertences.


Terceira Palhaça/Madame Gigi
(Autoritária e arrependida) Devolvam-me agora todos os meus pertences!

        As criadas entregam a bengala, os sapatos e os brincos à Madame Gigi e coxicham entre si.

Terceira Palhaça/Madame Gigi
Vocês pretendem fazer pouco caso de mim? (Sentindo dor no braço esquerdo) Ai! Ai! O que está acontecendo com meu braço esquerdo?
Segunda Palhaça/Criada 2
Deve ser porque a senhora está de luva carregando toda essa tralha aí!
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Claro! Deve ser a luva... Vocês podem tirar a luva do meu braço esquerdo?
Primeira Palhaça/Criada 1
A gente podia era tirar logo as duas luvas?! Seria bem melhor...


Terceira Palhaça/Madame Gigi
(Consentindo) Se vocês acham...

        As criadas sacam-lhe as luvas e as entregam à Madame Gigi.

Terceira Palhaça/Madame Gigi
Vocês estão se incomodando muito comigo...
Primeira Palhaça/Criada 1
Bem, Madame Gigi, ai está tudo que lhe pertence. Ninguem mais lhe tira...
Terceira Palhaça/Madame Gigi
É estranho... Estou com uns pensamentos tão desagradáveis... Diga-me alguma coisa agradável.
Segunda Palhaça/Criada 2
Eu sei de uma história engraçada. A senhora quer ouvir?
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Sim. Por favor...
Segunda Palhaça/Criada 2
Era uma vez uma Madame francesa que resolveu fazer uma viagem às Américas. E durante a viagem afeiçoou-se de uma nativa e a levou consigo para Paris, onde residia. Como a nativa era iletrada ela a fez de criada para limpeza dos banheiros e da casa logo no primeiro dia da chegada à Europa. A Madame teve que sair para ir ao banco fazer uma retirada e pediu à selvagem que fizesse uma boa limpeza na casa. A coitada empenhou-se em tirar todo o pó da tapeçaria e ao se deparar com um gigantesco vaso de cristal repleto de cinzas resolveu jogar as cinzas no lixo para limpá-lo até resplandecer. Ao retornar da rua a Madame começa elogiando o trabalho da criada mas ao se deparar com o vaso onde estavam as cinzas vazio e limpo lhe pergunta desesperada: “Onde está o meu marido? O que você fez com as cinzas do meu marido?!”

        A Criada 1 gargalha exageradamente.

Primeira Palhaça/Criada 1
A selvagem jogou o marido da veia no lixo!
Segunda Palahaça/Criada 2
(Gargalhando também) Foi!
Terceria Palhaça/Madame Gigi
Está não é uma história bonita. Você não poderia me contar alguma coisa mais alegre? Como disse, estou com uns pensamentos muito desagradáveis na cabeça...
Segunda Palhaça/Criada 2
(Refazendo-se da crise de riso) Não, Madame. Fora esta história não sei contar mais nenhuma...
Primeira Palhaça/Criada 1
A gente podia tirar-lhe o perucão... Para aliviar sua cabeça!
Terceira Palhaça/Madame Gigi
É... Talvez isso ajude.

        As criadas sacam-lhe a peruca e a colocam-na no colo da Madame.

Primeira Palhaça/Criada 1
Como está se sentindo agora, Madame?
Segunda Palhaça/criada 2
Está mais aliviada?
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Sim. Muito mais aliviada! Só que... sinto agora frio na cabeça.
Primeira Palhaça/Criada 1
Porque não coloca a peruca de volta?
Terceira Palhaça/Madame Gigi
Não consigo. Estou com as mãos ocupadas com os meus pertences...
Segunda Palhaça/Criada 2
Faça-me o favor, Madame... Não se pode ter tudo! Fui! (Para a Criada 1) Vamos?!
Primeira Palhaça/Criada 1
Adeus Madame. Faça bom proveito dos seus pertences!
Terceria Palhaça/Madame Gigi
Esperem! Uma de você precisa ficar e me ajudar! Tô pagando...

        As palhaças gargalham e se desfazem das suas caracterizações.

Primeira Palhaça
(Para a platéia) Certamente vocês já observaram a ajuda em algum lugar...
Segunda Palhaça
Sob diferentes formas...
Terceira Palhaça
Qualquer ajuda é gerada por um estado de coisas que ainda não se conseguiu abolir...
Primeira Palhaça
A violência!
Segunda Palhaça
Recusar ajuda supõe a violência
Terceira Palhaça
Obtê-la também.
Todas as três palhaças
Quando não houver mais violência, a ajuda não mais será necessária!

        Escuro súbito. Foco sobre um dispositivo cênico no qual um repórter acompanhado de um cinegrafista entrevista um senhor que teve a residência derrubada pela queda de uma barreira.

sábado, 18 de setembro de 2010

RESENHA DISTINGUE-SE DE NOTA DE LEITURA

Ricardo,
segue abaixo o parecer do Conselho Editorial da Revista Urdimento.
Att,
Eder Sumariva

PARECER

Observo erros de concordância verbal, falta do uso de vírgulas em frases extensas e compostas de várias orações, e pequenos erros de digitação.
Noto adjetivações e elogios à obra que, sem exemplificação ou argumentação, não esclarecem o leitor.
Nas citações, o autor substitui o sinal “(...)” por reticências sem parêntesis, o que pode deixar em dúvida se são reticências da obra citada.
Mas o maior problema, me parece, está na falta de clareza na descrição da obra de referência – o que contraria o propósito de uma resenha. O contraste entre o sintético título da dissertação e o analítico título da resenha sugere o enquadramento que o autor da segunda quis empreender sobre a primeira, como que para corrigi-la e ao mesmo tempo lhe dar o devido destaque. Mas não encontro, no corpo do texto, informação sobre os procedimentos do autor da dissertação: como ele opera sua análise da sintaxe e da semântica da cena teatral e da imagem cinematográfica? De que modo a teoria de Vigotski o auxilia nesta operação?
Sem estas informações, a resenha necessita da leitura da dissertação para ser compreendida.

O lenhador
Malevich


Não poderia silenciar diante do “parecer” de Urdimento acerca da resenha da dissertação de mestrado do Marcelo Grimm Cabral de minha autoria.

O que mais impressiona no texto do “parecerista” é o jeito despudorado e deselegante de silenciar a proposta de publicação apresentada, apoiando-se não desinteressadamente na reificação da normatização para apresentação de resenhas – aliás, é bom que se diga, não explicitada na convocatória aos colaboradores que me foi insistentemente enviada por e-mail.

A avaliação do parecerista é executada do ponto de vista antidialógico de uma pedagogia excludente e intolerante. Consegue-se verificar as implicações de semblantes do que seja uma resenha propriamente dita na doxa (opinião) – de natureza “definitiva” ou “modernista” - do autor do parecer.

Embora falte-me ânimo para redigir uma antítese ao pensamento da autoridade conferida por Urdimento ao responsável pelo parecer, pareceu-me necessário sinalizar alguns aspectos “reveladores” de sua “avaliação” que demonstram a falta de interesse em aprofundamento de uma discussão de eventuais ajustes necessários à publicação do material.

Inicialmente penso ser relevante e pedagógico destacar as distinções entre Resenha e Nota de Leitura. O que caracteriza uma nota de leitura é constituir uma espécie de resumo acrítico do material examinado sem pretensão de aprofundamento ou discussão das idéias do(s) autor(es). Este tipo de atividade é bem diferente do que vem a ser uma resenha. Pode-se dizer, grosso modo, que o que confere especificidade às resenhas é sua natureza crítica – facilmente indentificável pela presença obrigatória de pelo menos uma referência bibliográfica ausente da relação de fontes do material examinado.

Talvez seja oportuno transcrever aqui um trecho de Pensamento e Linguagem de Lev Vigotskii (1996, p.110) para “rebater” os reclames de concordância, lapsos de digitação e inadequação de pontuação do texto de minha autoria:

No prólogo de sua peça O Duque Ernest Von Schwaben, Uhland diz: “cenas horríveis passar-se-ão diante de seus olhos.” Psicologicamente, “passar-se-ão” é o sujeito. O espectador sabe que assistirá ao desenrolar de alguns acontecimentos: a ideia adicional, o predicado é “cenas horríveis”. O que Uhrland quis dizer foi: “O que se passará diante dos seus olhos é uma tragédia.” Qualquer parte de uma frase pode tornar-se o predicado psicológico, a parte que carrega a ênfase temática; por outro lado, significados totalmente diferentes podem ocultar-se por trás de uma estrutura gramatical

E mais adiante,

Um enunciado espontâneo, errado do ponto de vista gramatical pode ter seu encanto e valor estético. [1]


Parece-me útil reproduzir aqui, à guisa de ilustração pedagógica, um roteiro com parecer de minha autoria sobre artigo encaminhado a um respeitável periódico nacional especializado em Psicologia:

Parecer do consultor externo
Titulo do Artigo: Vigotski contra James-Lange: crítica para uma teoria histórico-cultural das emoções
Código do Artigo:
Data de envio do material ao Consultor Externo:
Devolver o material à Comissão Executiva até:
Parecer recebido em: Recebido por correio eletrônico em 05.08.2010

Prezado Consultor,
Solicitamos que preencha este formulário, devolvendo-o à Comissão Executiva, no prazo máximo de 30 dias.

Parecer Final do Consultor Externo (“ad hoc”):

(    ) Aceito                  (X  ) Aceito com reformulações                     (    ) Recusado.

Justificativa do parecer


1.      Avaliação do CONTEÚDO
A)  O trabalho não pode ser publicado, pelo(s) seguinte(s) motivo(s):

(  ) Não traz contribuição original
(  ) Trata o assunto de forma elementar
(  ) Apresenta falhas metodológicas graves
(  ) Não fundamenta suas propostas de modo consistente
(  ) Outras (explicitar)


          
  B) O trabalho pode ser publicado com alterações relativas à:

(  ) Fundamentação dos pontos de vista
(  ) Inclusão de outros pontos de vista
(  ) Exclusão de repetições
(  ) Desenvolvimento de tópicos/trechos
(X) Outras razões (explicitar)

2.      Avaliação dos ASPECTOS FORMAIS
A)    Em relação às normas de publicação da revista
(X) está adequado
(  ) não está adequado (esclarecer)

B)     Em relação à redação
(  ) não requer alterações
(X) requer alterações pequenas
(  ) requer alterações médias

3.      PARECER DISCURSIVO: explicite e complemente as observações acima assinaladas

O artigo apresenta a crítica de Vigotskii da assim cognominada “Teoria das emoções de James-Lange” revelando sinceros esforços do articulista em efetuar uma revisão bibliográfica rigorosa dos escritos do eminente psicólogo bielo-russo disponíveis na contemporaneidade nos quais ele assinala os pontos positivos e as fragilidades das concepções de W. James e Carl G. Lange e de outros na perspectiva da psicologia histórico-sociocultural sobre o importante papel desempenhado pelas emoções no funcionamento psíquico tipicamente humano - apesar dos limites impostos pela lacuna ainda não suficientemente preenchida por todas as publicações ou versões de notas estenografadas de Lev Vigotskii sobre o impacto dos afetos no desenvolvimento cultural e na constituição dos modos de ser, pensar, sentir e de se comunicar dos seres humanos. Cf. Notas de rodapé 1,2,3 e 5 de Guillermo Blanck em VIGOTSKI, L. S. (2003) Psicologia Pedagógica Edição Comentada. Cap. 6: A Educação do comportamento emocional ( pp. 113-124) ( p. 123.). Porto Alegre: Artmed,

O texto é suficientemente límpido na explicitação das conquistas já consolidadas pelo pensamento do(a) articulista sobre o modo como a problemática dos afetos necessita ser abordada na perspectiva histórico-sociocultural para o entendimento do funcionamento da mente constituindo relevante contribuição para a colaboração de uma promissora  Teoria Histórico-sociocultural da Afetividade e

deve ser publicado na íntegra.

Apesar da importância do material submetido ao filtro editorial de Revista Psicologia da USP alguns ajustes devem ser efetuados objetivando agregar valor ao documento encaminhado a este Coletivo, abaixo explicitados:

            (1)  Ajustes ortográficos objetivando adequação da redação do texto ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa seguindo as recomendações do VOLP. Cf. /Academia Brasileira de Letras [5ª Ed.] Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. São Paulo: Global.
Uma revisão rigorosa da ortografia faz-se necessária neste sentido embora o prazo máximo para adequação ao VOLP seja 31 de janeiro de 2012 Cf. Decreto Presidencial nº  6.583/2008. No sentido de adequação ao VOLP seguirão assinaladas apenas algumas retificações como contribuição para agilizar esta cuidadosa tarefa desde já:
                              (1.1)  Na p.6 (Linha 10, parágrafo 2º) onde se lê “ monista-materialista” leia-se “monistamaterialista” e na p. 17 ( linha 13, parágrafo.2º) onde se lê “em-si” leia-se “em si” - sem hífem; [ Base XV,XVI, XVII];
                              (1.2) Na p. 7 (Linha 15, parágrafo 2º) onde se lê “freqüência”  e na p. 15 (Linha 14, parágrafo 1º ) “lingüística” – ambas grafadas com trema – leia-se: “frequência” e “linguística” – sem o trema [Base XIV];
                              (1.3) Na p. 7 e p. 20 (Linha 16 e 13, parágrafos 2º e 3º respectivamente) onde se lê “ idéia” - com acento agudo - leia-se “ideia” – sem acento;

              (2) Correção de equívocos de digitação
(2.1) Na p. 21, parágrafo 1º lê-se “...descrever e explicar o objeto envolve-e  [Sic] em atos de pensamento que visam a conhecê-lo no processo de sua constituição singular como um todo. “
(2.2) Suprimir a expressão “idem” no parágrafo 3º , linha 23 da p. 4/ no parágrafo último, linha 20 na p. 6/ no parágrafo 1º, linha 5 e 9 da p. 14 e “ibid” na nota de rodapé n. 1 à p. 10 também “id” na linha 5 da p. 14 no parágrafo 1º / na p. 15, parágrafo 1º, linha 5/na p. 19, parágrafo 2º, linha 6 e na p.23, parágrafo 1º, linha 3. Excluir a expressão “in” entre parênteses na ref. a texto de Vigotskii, linha 17, último parágrafo, p. 14 além de marcar com itálicas o título da publicação na qual foi veiculado o texto de Dilthey em Referências Bibliográficas, p. 25,  atendendo às normas nº 6 “Texto” e nº 7 “Referências” para apresentação de manuscritos à Revista;
P.S. Embora as normas sejam omissas quanto ao uso do traço corrido em substituição à repetição do sobrenome e nome de um mesmo autor nas referências julgo mais adequado os REPETIR - como é hábito nas publicações da APA.



              (3) Sinalizar o aprofundamento posterior de questões conceituais ao longo do texto e não apenas de modo geral na “nota introdutória” à p. 3:
                              (3.1) No sentido de contribuir para blindagem da fundamentação teórica do material deve-se alertar o(a) articulista para o perigo do apressamento de conclusões quanto à concepção vigotskiana do papel da afetividade na orientação dos modos de agir do sujeito e o julgamento, sem provas coligidas do testemunho de Vigotskii, de que ele “oscila” entre considerar as emoções como orientadoras dos modos de agir do sujeito quando convertidas em sentimentos (subjugadas por processos psíquicos “culturais”) ou como expressão mais “biológica” do psiquismo humano (p. 10). Ele, Vigotskii, concebia as “emoções” como mecanismos genéticos de natureza biológica filtrados pela experiência cultural dos seres humanos a partir de uma abordagem monistamateristadialética-histórica. Algo que tentou representar pela metáfora da REAÇÃO ESTÉTICA como emblemática do psiquismo tipicamente humano. (em Psicologia da Arte – estudo elaborado por Vigotskii anterior à sua Psicologia Pedagógica) Cf. VIGOTSKII, L. S. (1996) O Significado histórico da crise da psicologia – uma investigação metodológica (pp. 203-417) In Teoria e Método em Psicologia. São Paulo: Martins Fontes.

Tentei introduzir a aplicação deste método pessoalmente na psicologia consciente [Psicologia das Artes], buscando deduzir as leis da psicologia da arte mediante a análise de uma fábula, um romance e uma tragédia... Não estudei as fábulas nem as tragédias e menos ainda uma dada fábula ou uma dada tragédia. Estudei nelas o que constitui a base de toda a arte: a natureza e o mecanismo da reação estética... não digo nada sobre a fábula enquanto tal. E o próprio subtítulo: “Análise da reação estética” indica que a finalidade da investigação não consiste na exposição sistemática da doutrina psicológica da arte em todo seu volume e amplitude... mas na análise dos processos em sua essência... sua importância vai além do que inclui seu campo de observação... os princípios que explicam a arte nos falam de uma reação que de fato nunca ocorreu de forma pura, que sempre se produziu com seu “coeficiente de especificação”... a reação estética é assim; mas uma outra coisa é encontrar os limites e o significado da própria reação estética dentro da arte. (p. 371-372)

                              (3.2) É preciso ter-se em mente, a bem da verdade, que Psicologia Pedagógica é um compêndio dos saberes até então (anos 20 do século XX)  historicamente acumulados sobre a Psicologia que foi competentemente elaborado, em regime de urgência pós-revolucionário, para balizar a prática pedagógica de jovens educadores e não uma exposição deliberada e detalhada da teoria histórico-sociocultural da atividade psíquica humana (em processo de elaboração pela “troika” sob a orientação de Vigotskii na ocasião) e tampouco a publicação em referência aqui propõe-se a focalizar de modo privilegiado o papel da afetividade nos processos psicológicos sócio-históricos não cabendo  afirmar categoricamente que ocorra uma “disparidade conceitual e metodológica” do pensamento do autor em Psicologia Pedagógica ainda que amparando-se em estudiosos da obra de Lev Vigotskii – todavia ainda insuficientemente conhecida (p.11).

P. S. Talvez seja mais prudente o(a) articulista informar que pretende polemizar e argumentar exaustivamente em defesa do seu ponto de vista quanto à suposta “disparidade conceitual” em Psicologia Pedagógica ao longo da tese de doutoramento.

                       (3.3) Os limites de laudas de um artigo para aprofundamento das complexas questões a serem abordadas na tese de doutoramento do(a) articulista merecem ser denunciados eximindo-o(a) também do trabalho de detalhamento do papel basilar da teoria dos reflexos condicionados de Pavlov para a sustentação da Teoria Histórico-Sociocultural da Mente inaugurada por Vigotskii e seus colaboradores. Sabe-se que a concepção do segundo sistema de sinais e a estrutura do sistema explicativo do comportamento com base no binômio estímulo-resposta pavloviano é o ponto de partida para a elaboração da psicologia concreta e da Teoria Histórico-Sociocultural que lhe dá sustentação quando Vigotskii genialmente, ao revelar a mudança qualitativa da atuação dos seres humanos através da interposição na interrelação supostamente “direta” (conforme o “condicionamento” clássico de natureza biológicoassociacionista) de um terceiro elemento referido como “mediação cultural”, explicita a especificidade do psiquismo tipicamente humano e portanto o “salto” qualitativo da sua atividade mental - incomparável à dos demais seres vivos. Cf. PAVLOV, Ivan Petrovich (2005) Pavlov - Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural:

Na fase humana da evolução do mundo animal, um elemento notável acrescentou-se aos mecanismos da atividade nervosa. No animal, a realidade é sinalizada, quase que exclusivamente, por excitações e por seus vestígios nos grandes hemisférios... É o que em nós, corresponde às impressões... É o primeiro sistema de sinalização da realidade, sistema que é comum a nós e aos animais. Mas a linguagem constitue nosso segundo sistema de sinalização da realidade, especialmente nossa... A linguagem é que fez de nós o que somos, homens, fato que é preciso discutir aqui. (p.91)

           
(4) Uniformizar a tradução do título do artigo. Note-se que em inglês o título recebe diferente redação. Observe os termos sublinhados adiante: .Vigotski contra James-Lange: crítica para uma teoria histórico-cultural das emoções com Vigotski against [the] James-Lange [theory]: criticism for a historical-cultural perspective [theory of emotions] e com Vigotski contre James-Lange: critique pour une théorie historique-culturel des émotions.



[1] VYGOTSKY, L. S. (1996) Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes.