domingo, 6 de fevereiro de 2011

ERA UMA VEZ A PSICOLOGIA CIENTÍFICA... (26)

Em O Indivíduo Isolado [The Isolated Individual] Holzman&Newman explicam que para uma adequado entendimento do seu ponto de vista é fundamental examinar mais detidamente o conceito psicológico de “Indivíduo.” Denunciam que as informações manipuladas pelos “agentes sociais de controle” (Indústria, Forças Armadas e Escolarização) não dizem respeito a indivíduos porém antes buscam referir tipos de pessoas; que estes agentes não se interessam pela experiência única e insubstituível de cada pessoa mas, antes, por atributos que podem sugerir sua adequação à normatividade. Perguntas do tipo “Quem podem ser os melhores militares?” “Quais as características de um bom vendedor de seguros?” “Quais os melhores procedimentos pedagógicos para que escolares preencham as expectativas dos professores e observem as normas do ensino obrigatório?” são respondidas, sem nenhum pudor, pela Psicologia - em atendimento aos objetivos da Sociedade Administrada para selecionar e recomendar os considerados “aptos,” “bons” ou “normais.”

Recorrem ao pensamento de Danzinger e Quetelet (pioneiro nos estudos da estatística aplicada às ciências sociais) para demonstrar que inferências realizadas sobre indivíduos a partir de regularidades estatísticas identificadas em determinados grupos de pessoas solicitam um modo prévio de qualificar como as totalidades e as particularidades se relacionam e que este tipo de procedimento considerado “científico”, quando examinado rigorosamente, não consegue atender aos critérios do paradigma das investigações em ciências naturais; que a aparente cientificidade das tabelas com estatísticas dependem de regularidades numéricas identificadas na agregação de dados de conduta de amplos grupos de pessoas - interpretadas como “normalidade” pelo modo hegemônico de ser e pensar; que este viés interpretativo teria dividido a comunidade científica quanto ao valor da generalização das conclusões obtidas, ocasionando o desdobramento da Pesquisa em Psicologia em duas modalidades de práticas investigativas: a experimental e a estatística.

Mais adiante relatam que o acompanhamento de grupos experimentais logrou inicialmente preencher as lacunas das abordagens estatísticas mas que logo também passaram a ser objeto de críticas por serem os resultados desse tipo de estudo obtidos a partir de categorizações extraculturais e abstratas criadas pela Psicologia estando portanto desconectados dos aspectos singulares de imersão dos “indivíduos” nas suas práticas socioculturais. Isso equivale dizer que tais práticas produziam conhecimento completamente determinados por elas mesmas, como é o caso dos famigerados testes de inteligência - já desqualificados por rigorosas pesquisas em Educação Comparada de amplitude intercultural mas que, curiosamente, continuam sendo comercializados (vendidos e comprados) na contemporaneidade como procedimento psicométrico “confiável” ou de natureza “científica.”

Denunciam, amparados nos estudos de Garfinkel e Russel, que a Psicologia Científica armou-se de um arsenal gerador de dados contaminado por uma visão eivada de vícios típica do modelo cognitivista de entendimento dos modos de ser tipicamente humanos. Que esta é uma “pegadinha”, um “golpe,” pelo qual as pessoas se permitem serem iludidas.

Concluem o item afirmando corajosamente que, para eles [os autores], essas “leis”, com centenas de categorizações para classificação das pessoas (como, por exemplo, o conteúdo do Manual para Diagnóstico e Estatística de Desordem Mental-DSM-IV da APA), constituem lamentavelmente o objeto da Psicologia hegemônica.

Anunciam o próximo item do capítulo intitulado A Crítica: O Indivíduo Socialmente Contextualizado [The Critique: The Socially-Situated Individual]



NOTA EM RODAPÉ


A contestação da validade e generalização dos testes de inteligência remonta ao início do século XX. Um excelente argumento que contraria a lógica “míope” deste tipo de empreendimento psicométrico é a formulação de sua antítese: a ZDP = Zona de Desenvolvimento Proximal – Metáfora forjada originalmente por Vigotskii para referir a região entre o “nível de desenvolvimento potencial” e o “nivel de desenvolvimento real” que lhe serviu de fundamento para contestar veêmentemente as crenças no método supostamente “científico” de mensuração da inteligência de Binet&Simon que inspiraram os famigerados “vestibulares” ou testes para medir o QI (quociente de inteligência): “A deficiência comum a esse tipo de pesquisas experimentais consiste em que se coloca como fundamento uma noção completamente errônea sobre certos dons de inteligência gerais... esses sistemas representam apenas a pesquisa do intelecto, mas não das esferas emocional e volitiva dos alunos.” Cf. VIGOTSKI, L. S. (2003) “O método de Binet-Simon” As formas fundamentais do estudo da personalidade da criança. Psicologia Pedagógica – Edição comentada por Guillermo Blanck. P. 297-306.  

Um excelente relato dos problemas enfrentados pelas pesquisas em Educação Comparada pode ser encontrado nos capítulos 2, 3 e 4 de COLE, Michael (1998) Cultural Psychology -  a once and future discipline. [Psicologia Cultural: A vez de uma Futura Disciplina] Cambridge-Massachusetts and London-England: Harward Univesity Press. Na opinião de Cole “...parece que estamos vivendo um período em que ortodoxias não mais possuem poder para rechaçar novas possibilidades:... a possibilidade de... rever nossa caminhada e tomar outro rumo, o caminho não trilhado em que a cultura é pensada como tão relevante quanto a biologia e a sociedade para a formação da natureza humana dos indivíduos.” [... we seem to be living in a period when orthodoxies no longer retain their holding power and new possibilities abound: … the possibility of … starting out on the road not taken, the road along which culture is placed on a level with biology and society in shaping individual human natures.(p.101)]



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