No item A Nova Ontologia [The New Ontology] os autores defendem que a existência humana particularmente a partir do século XX passou a conviver cada vez mais com artefatos mentais de um tipo muito particular – os artefatos psicológicos; que tais artefatos vieram a ser “popularizados” na linguagem cotidiana das pessoas chegando ao ponto de serem banalizados em nosso dia a dia; e que invenções de laboratórios de pesquisa em psicologia clínica tais como “inteligência”, “comportamento”,“personalidade”, “neurose”, “depressão”, “pânico”, “desordem”, “transtorno”, “estatísticas e medições de capacidades”, “ego”, “id”, “estágios de desenvolvimento” e “dificuldades para aprender”, por exemplo, se tornaram tão “verdadeiros” para todos como são as árvores e as estrelas. E se perguntam estarrecidos como isso pode consumar-se.
Holzman&Newman explicam que a Ciência Moderna e o desenvolvimento tecnológico ganhou força com a emergência do mercantilismo e da industrialização capitalista. Consideram que os resultados práticos obtidos com a aplicação do modelo das ciências naturais na investigação da realidade material do mundo teria concorrido para o “transplante” do paradigma científico para os estudos do modo sócioculturalmente informado de pensar e ser dos seres humanos.
Lamentam profundamente que apesar de numerosos pensadores já a partir do século XVIII e XIX advertirem que as investigações em ciências humanas exigem um modelo distinto do que se aplica nas investigações de fenômenos naturais, o paradigma cientifico permanece trágica e incorretamente sendo hegemonicamente usado para o entendimento do psiquismo tipicamente humano.
Revelam que eles [os autores] não são os únicos a acreditarem que com o final do século XX isso passou a ser inaceitável. Consideram a avalanche de críticas pós-moderna à Ciência testemunho de que a problemática humana tem sido ainda terrível e incorretamente abordada.
Passam a expor as raízes do pensamento pós-moderno na Psicologia localizando-as nas proposições da teoria histórico-sóciocultural inaugurada por Vigotskii. Julgam ter sido Vigotskii, embora comprometido com o Marxismo, o primeiro psicólogo a sinalizar a necessidade de estabelecer uma ponte entre a tradição marxista modernista e o ideário pós-moderno; e que demonstrarão isso detidamente no capítulo nono do livro.
Destacam como sustentação deste seu ponto de vista a opinião de Vigotskii citada por Levitan no livro Não se nasce uma Personalidade: O Perfil de Psicólogos da Educação Soviética [One is not Born a Personality: Profiles of Soviet Education Psychologists] de 1982 a qual transcrevo em parte aqui: “Uma revolução resolve apenas aquelas tarefas que são solicitadas pela história; isso é verdadeiro tanto para a revolução em geral como para ascpectos da vida social e cultural” [A revolution solves only those tasks which have been raised by history; this proposition holds true equally for revolution in general and for aspects of social and cultural life (Vigotskii Apud Levitan segundo Holzman&Newman, p. 66)].
Para os autores, Vigotskii ao caracterizar a revolução como social e culturalmente contextualizada (seja ela política, econômica ou científica) está propondo o entendimento de que a revolução não é apenas um capricho nem se dá unicamente em defesa de uma moral particular; que as revoluções não produzem necessariamente melhores sistemas nem podem ser encaradas como conquistas “definitivas” (consolidadas ou estáticas).
Agumentam a seguir que a História sempre aposta em respostas para questões que intrigam o ser humano como, por exemplo, “O que é adoecer?” “Como curar esta enfermidade?” e que quando há ausência de uma resposta adequada à essas questões as pessoas se apegam ao que já se sabe a respeito do assunto; que é esta a razão para que uma revolução do conhecimento já sedimentado inevitavelmente ocorra: a falência do aparato de respostas existentes para desafios propostos pelo fluxo contínuo do desenvolvimento humano.
Passam a expor o relevante papel da busca por outros paradigmas, por modos de pensar que possam tentar equacionar problemas emergentes anteriormente não existentes invocando, em defesa de seu ponto de vista, o clássico de Thomas Kuhn A Estrutura das Revoluções Cientificas e as teses de filósofos contemporâneos da Ciência como Feyerabend e outros - que também, como Kuhn, buscaram abordar as mudanças paradigmáticas ao longo dos séculos em diferentes áreas do conhecimento.
Para eles [os autores] as críticas pós-modernistas à Psicologia sugerem a existência de condições históricas na contemporaneidade para uma mundança paradigmática. Insistem que muitos pensadores e praticantes da psicoterapia não acreditam mais em conceitos da Psicologia edificados sobre o pensamento modernista como, por exemplo, os de “Desenvolvimento”, “Indivíduo”, “Eu”, “Estágios” “Prova”, “Quantificação” “Níveis” etc
Em resumo, Holzman&Newman acreditam que suas críticas pós-modernistas à Psicologia têm em vista a necessidade de serem focalizadas com maior interesse as implicações metodológicas de abordagens psicológicas depuradas do arsenal ideológico modernista. Justificam isso levando em conta o fato de as denúncias em número crescente, a partir dos anos 60-70, dos vieses ideológicos do pensamento modernista (Eurocentrismo, Racismo, Sexismo, Classismo, Homofobia etc) serem suficientes para qualquer pessoa admitir a falência das “certezas” da Psicologia Científica, de sua irrelevância e malefício ao bem-estar de todos os povos do mundo.
Insistem no clamor de que por sermos humanos - portanto sócio-historicamente formados - tudo o que produzimos vem a ser contaminado por nossa natureza cultural; que isso leva a considerarmos inadequada a aplicação do modelo das ciências naturais para entendimento de nosso psiquismo; que eles [os autores] estão interessados não simplesmente em denunciar a inaplicabilidade do paradigma modernista ao estudo do psiquismo humano – o que é óbvio - mas em afrontar destemidamente seu erro enquanto arsenal ideológico e suas implicações metodológicas; que seu objetivo com o livro é contribuir para a colaboração de metodologias alternativas não paradigmáticas, relacionais ou processuais.
Explicam que irão retomar a exposição dos desdobramentos ao longo dos séculos do que qualificam como “conto”, “fábula” ou “mito” da Psicologia focalizando os fundamentos ideológicos do “aparato de geração de dados” [data-generating apparatus (p.69)] forjado deliberadamente para justificá-la como Ciência; e que isso será necessário para demonstrar a insuficiência desse aparato idealista no atendimento às bases tanto da “matematização” como do “empiricismo” científicos.
Seguem expondo como a Psicologia converteu-se no mais poderoso produtor e disseminador da ideologia modernista dominante no mundo no Item A Hegemonia do Conhecimento [The Hegemony of Knowing]
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