sábado, 28 de maio de 2011

TUMBEIRO MALÊ - a ilha (12)

SEGUNDA MOVIMENTAÇÃO DE PERSONAGENS

        O Cacique ao lado do Pajé recebe uma embaixada de encourados na entrada da aldeia em frente à paliçada com crânios humanos posicionada nas extremidades do palco/arena forrado de areia branca. Entre os crânios a cabeça encarniçada do capitão Pedro Sá.

Embaixador Encourado
Salve grande Cacique Guarani!
Cacique Guarani
Salve! (Pausa) Fala a que veio.

Embaixador Encourado
Viemos anunciar a visita de Dona Maria Felipa.
Cacique Guarani
Ela ser bemvinda por povo guarani.

        O embaixador sinaliza para que alguns encourados retornem para avisar a Maria Felipa que ela será recebida amistosamente.

Embaixador Encourado
Dona Maria está vindo de Cachoeira onde está funcionando o Governo Provisório da Província, que foi autorizado por ordem de D. Pedro I, em carta assinada em 12 de abril próximo passado!
Cacique Guarani
Portugues ainda toma conta de Bahia?
Embaixador Encourado
Sim. Interceptam navios com comida para povo do Recôncavo e da ilha. Santo Amaro está em situação de calamidade pública. Faltam remédios e alimentos. Dona Maria vem pedir seu apoio para o “mata-maroto” em Salvador...
Cacique Guarani
Mata-quê?!


Embaixador Encourado
Mata-maroto. Ações terroristas. Ataques isolados a membros do exército e marinha portuguesa em Salvador a partir do mar...
Cacique Guarani
Vem pedir apoio canoeiros guarani. É isso?
Embaixador Encourado
Sim.
Cacique Guarani
Mas nós já ajudou Lobo do Mar com saque galeão naufragado! Deu pólvora a ele, comida, bebida e prisioneiro de guerra no mar. Ela vem no barco de Lobo do Mar?
Embaixador Encourado
Não. Lord Cochrane seguiu com uma legião de voluntários, marujos e prisioneiros mercenários para praia de Inema onde encontrará com as legiões do comodoro francês Pedro Labatut, conforme orientação do general Lima e Silva que está na capital da Província. De lá seguem para a campina de Pirajá onde vão se juntar às tropas de Dona Maria Quitéria – que seguirão por terra. Despachou uma velha senhora inglesa para o Rio de Janeiro em Cachoeira e entregou um marujo bom no uso do chicote para treinar guerreiros tupi-cariri e pataxós - que estão vindo com Dona Maria e a carroça. Ela vai lhe explicar do que precisa.

       

A tribo aos poucos cerca o embaixador encourado e participa curiosa da conversação com o cacique. Um guerreiro Guarani/Sentinela adentra a taba correndo.

Guerreiro Guarani Sentinela
Está vindo! Lá... Carro com grande caçador!

        Rumor e movimentação dos guaranis.

Embaixador Encourado
Dona Maria é zeladora do grande caçador! Vai levar a imagem do “dono da terra” para dar proteção e celebrar a vitória sobre os portugueses. A imagem é um presente do comodoro mercenário francês, encomendada ao artista plástico Manoel Inácio da Costa.

        Soam fanfarras e adentra o carro com a imagem do caboclo seguida de parte da tropa de encourados e negros liderada por Maria Felipa posicionando-se na extrema direita do palco. Adé-Cunhatã bate cabeça aos pés da imagem do caboclo. Maria Felipa adentra a cena marchando destemida usando traje encourado[1] e portando garruncha, bornal e cartucheiras trançadas sobre o peitoral à moda de cangaceiros.
 

Ô boa noite!
Venha ligeiro...
Ver a chegada do caboclo negro
(Bis)

Cacique Guarani
Salve Dona Maria!
Maria Felipa
Salve cacique Matalauê, grande guerreiro guarani!
Cacique Guarani
O que Dona Maria quer?!
Maria Felipa
Vou ser breve porque não temos tempo a perder. Vim pessoalmente pedir o seu apoio para o mata-maroto na capital da Província. Sei que os canoeiros guarani conhecem bem as correntes marítimas e sabem como chegar em segurança ao Porto da Barra em Salvador. Trouxe alguns nadadores-velocistas pataxós e tupis-cariris da Casa do Visconde de Cairu que farão a travessia a nado de Mar Grande a Salvador, guiados por uma canoa guarani.
Sinaliza para trazerem os velocistas pataxós e tupis-cariris. Os pataxós e tupis-cariris adentram o espaço cênico. Os pataxós usam pintura de guerra e penas vermelhas e pretas; os tupis-cariris usam


penas de gavião preto e branca espetadas nas orelhas e maquiagem de guerra nos olhos e corpo.

Maria Felipa
Para todos os efeitos, a canoa guarani estará em atividade pesqueira e imagino que não levantará nenhuma suspeita - por se tratar de uma embarcação isolada. Sugestão do general mercenário Pedro Labatut, que também luta ao nosso lado.
Cacique Guarani
Guarani sabe chegar de canoa até Porto da Barra. Mas depende de maré. Tem que esperar lua certa.
Maria Felipa
Quando for possível, conduza-os até Salvador. Os velocistas pataxós e tupis-cariris ficarão sob sua liderança cacique! (Para os pataxó) Entenderam? (Para o cacique Matalauê) Os tupis-cariris lutam liderados pelo Visconde de Cairu do Castelo da Torre da Casa de Garcia D’Ávila a partir do litoral norte de Salvador e são excelentes lanceiros e arqueiros. Os pataxós resistem em Coroa Vermelha e Monte Pascoal e são ótimos nadadores.

        Velocistas pataxós e tupis sinalizam afirmativamente com a cabeça.



Maria Felipa
Tenho outro pedido. Há um chalaça que servia no galeão naufragado e que me foi recomendado por Lord Cochrane para fazer treinamento dos velocistas pataxós e tupis-cariris para o uso certeiro do archote. Ele deve ser conduzido na canoa e desembarcar em segurança no Porto da Barra para acompanhar os velocistas em suas ações terroristas silenciosas, sem disparo de arma de fogo, na calada da noite, em toda a capital da Província. Isso será fundamental para dispersar a atenção dos portugueses e facilitar a entrada das tropas lideradas por Maria Quitéria pela estrada das boiadas a partir da campina de Pirajá. Vou providenciar a condução dos encourados para o continente a partir da contra-costa, porque o forte de Itaparica já está dominado e sob nosso poder; também porque a travessia marítima é o caminho mais rápido e seguro até Pirajá.
Cacique Guarani
Onde está “chassala”?
Maria Felipa
(Para o cacique com bom humor) Cha-la-ça! (Para alguns guerreiros encourados) Tragam o chalaça!

        Encourados deixam a cena e retornam com Antônio Maria.




Maria Felipa
Veja cacique! (Para um encourado entregando-lhe uma garruncha) Tente alvejar o chalaça! (Para Antônio Maria) Antônio, mostre o que sabe fazer com o chicote!

        Antônio Maria exibe sua grande habilidade no uso do archote desarmando o encourado facilmente. Faz estalar o chicote no chão após obter êxito em sua ação. Murmúrio, espanto e admiração da tribo. Maria Felipa e sua tropa se retira com o carro do caboclo negro entoando cantiga ritual.

Despedida de caboclo!
Vai chorar...
Vai chorar pra soluçar!
Vai Chorar...
[Bis]

Escurecimento lento ao som dos estalos do chicote de Antônio Maria no solo. Ouve-se o aguerê de Oxossi cada vez mais alto. Escuro.




TERCEIRA MOVIMENTAÇÃO DE PERSONAGENS

        Antônio Maria está com o crânio do capitão nas mãos em frente à paliçada. É observado por Adé-Cunhatã que se encontra escondido na mata.

Antônio Maria
O que fizeram com o senhor, meu capitão?!

        Aperta o crânio do capitão contra o peito acariciando a caveira enquanto chora baixinho. Adé-Cunhatã aproxima-se comovido.

Adé-Cunhatã
Era seu amigo?
Antônio Maria
(Refazendo-se do choro) Meu comandante.
Adé-Cunhatã
Por que tirou cabeça da vara?
Antônio Maria
Para enterrá-la...


Adé-Cunhatã
Cacique não vai gostar. Tem que botar cabeça de volta lá!
Antônio Maria
Vai me denunciar?
Adé-Cunhatã
Se você coloca cabeça de volta na vara, não.
Antônio Maria
Tá. (Recolocando o crânio na vara) Eu coloco ela de volta...
Adé-Cunhatã
Tenho parte do corpo do seu capitão comigo... (Pausa) O resto tribo comeu.
Antônio Maria
Comeu?! Que horror, meu Deus! Que horror... Ele não merecia isso.
Adé-Cunhatã
(Posicionando-se atrás e muito próximo a Maria. Fala sedutor ao seu ouvido) Come guerreiro branco pra ter força do inimigo!

        Antônio Maria volta o rosto até ficar cara-a-cara com Adé-Cunhatã e olha-o profundamente.



Adé-Cunhatã
Quer ver parte dele que cunhatã defumou?
Antônio Maria
Sim.

        Adé-Cunhatã tira de seu manto de penas o pênis defumado do capitão Pedro Sá e exibe-o com prazer mórbido a Maria.

Antônio Maria
(Tocando o pênis defumado e beijando-o) Meu capitão... Quanta saudade de lhe sentir quente...
Adé-Cunhatã
Quer piroca defumada do seu capitão?
Antônio Maria
(Responde afirmativamente com a cabeça, suplicando-lhe por gestos para dar-lhe o pênis defumado do capitão) Deixa eu enterrar ele, por favor?!
Adé-Cunhatã
(Com malícia sensual) Onde?
Antônio Maria
Na terra...

Adé-Cunhatã
Toma! (Entrega-lhe sedutoramente o pênis defumado)

        Antônio Maria cai de joelhos e rapidamente, de quatro, começa a cavar um buraco na areia. Adé-Cunhatã aproveita-lhe a posição e desce-lhe as calças com vigor e cobre-o com seu corpo, penetrando-o violenta e surpreendentemente. Maria indiferente finaliza o enterro do pênis do capitão. Escurecimento. Um bando de araras sobrevoa a cena com gritos estridentes.



[1] Traje de vaqueiro.

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