quarta-feira, 18 de maio de 2011

COMENTÁRIOS E DIGRESSÕES A PARTIR DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO


COMENTÁRIOS E DIGRESSÕES


Comentários e impressões gerais do texto


(1) Elogiar a clareza na exposição escrita do pensamento, o que demonstra excelente manejo do aparato teórico em sustentação do ponto de vista;

(2) Destacar a relevância dos “boxes” com transcrições de resultados parciais obtidos a partir de observação participante em escolas da rede municipal de São Bernardo do Campo como complementação da argumentação;

(3) Ressaltar a contribuição da dimensão poética dos textos de autoria da mestranda, que sinalizam o aproveitamento de perspectivas não cognitivistas para o entendimento da problemática discutida;

(4) Criticar a normatização que gera o “engessamento” da forma prescrita para apresentação de relatórios de pesquisa (dissertações e teses) por parte da FEUSP sinalizando a necessidade de flexibilização que permita a inovação e valorização da experimentação permanente do potencial artístico criador dos cursistas, quer dizer, a “aceitação pela USP e Unicamp das teses de mestrado e doutorado em linguagem artística, isto é, uma exposição de pintura, um concerto, uma obra dramática” como pertinentemente defendeu Ana Mae Barbosa na introdução do seu clássico O ensino das Artes nas Universidades, publicado pela EDUSP, à página 15;

(4.1) Demonstrar a inconveniência do modelo que obriga o apontamento de referências em parênteses, provocando um efeito enfadonho nos leitores pelo ir e vir ao final do texto, quando se faz necessário examinar as fontes referidas;

(4.2) Propor que se discuta o aproveitamento de um modelo “hipertextual” nos formatos das versões escritas de relatos de pesquisa, que permita uma consulta mais veloz às fontes das referências por parte dos leitores (no rodapé da página em que estas constam, por exemplo);

(4.3) Exortar os presentes a meditarem com a autora a respeito do que ela afirma na página 184, ao fim do texto:

“... outros atos podem emoldurar novos quadros no âmbito de nossa atividade profissional. No entanto, em meu entendimento, esses atos somente podem ser edificados pelo entrelaçamento de concepções e atitudes;”

Digressões a partir do sequenciamento narrativo apresentado pela autora na dissertação


(A) A problemática dos elos entre PERCEPÇÕES, IMITAÇÃO, IMAGINAÇÃO, EXPRESSÃO VERBAL E NÃO VERBAL DO PENSAMENTO:

Ciente dos limites e do “recorte” (foco) eleito para discutir a interconexão entre processos de escolarização e constituição da ipseidade, e encorajado pela palavras da autora quando ela mesma reconhece que “esta relação precisa ainda ser mais discutida” (p.177) me peguei pensando sobre a lei da realidade dos sentimentos formulada e apresenta por Vigotskii à página 264 do seu Psicologia da Arte editado pela Martins Fontes com tradução do Paulo Bezerra:

       “Se confundo com pessoa um casaco que passou a noite pendurado no meu quarto, o meu equívoco é patente porque a minha vivência é falsa e a ela não corresponde nenhum conteúdo real. Entretanto, é absolutamente real o sentimento de pavor que experimento neste ato. Assim, todas as nossas vivências fantásticas e irreais transcorrem, no fundo, numa base emocional absolutamente real. Deste modo vemos que o sentimento e a fantasia não são dois processos separados entre si mas, essencialmente, o mesmo processo, e estamos autorizados a considerar a fantasia como expressão central da reação emocional”

       Cogito a possibilidade de eventual futuro aproveitamento desta “lei” na discussão dos processos singulares de colaboração de conceitos cotidianos e sociais, de sua utilidade para transcender uma abordagem exclusivamente cognitivista, isto é, que nos levasse a considerar relevantes também as configurações imprevisíveis e variáveis do contexto da atividade relacional e performática (atualizada) de sujeitos enredados por jogos de significação e não unicamente pelo prisma da linguagem verbal.
Evidentemente a lei da realidade dos sentimentos é apresentada como útil na demonstração da natureza anímica da reação estética – dos sentimentos vinculados à contemplação de obras de arte, para caracterizar o que diferencia a reação estética de outros tipos de conduta informadas pela emocionalidade: “o traço distintivo da emoção estética é precisamente a retenção de sua manifestação externa, enquanto conserva ao mesmo tempo uma força excepcional” (p. 267).
Este traço distintivo da reação estética (a contensão da descarga emocional, o esforço intelectual para manter sua expressão sob controle) é algo muito facilmente identificado  no faz de conta com personificação no qual o sujeito esbofetea o parceiro de jogo de modo “contido” (a bofetada e a ira que eventualmente a justificaria encontram-se sob controle anímico do esbofeteador e não atinge o esbofeteado como ocorreria numa agressão no plano da realidade)
       A reação estética, seu traço distintivo, sua natureza anímica, pode ser encontrado em todas as manifestações das funções culturais fazendo dela uma metáfora para referir a atividade psíquica tipicamente humana impactada pelo social e que repercute como autocontrole da conduta do sujeito: “a peculiaridade essencialíssima do homem, diferentemente do animal, consiste em que ele introduz e separa do seu corpo tanto o dispositivo da técnica quanto o dispositivo do conhecimento científico, que se tornam instrumentos da sociedade através do qual incorpora ao ciclo da vida social os aspectos mais íntimos e pessoais do nosso ser.” (p. 315)

(C) A problemática intrapsíquica do pensamento por palavras: O ASPECTO PREDICATIVO E SOLIPSISTA DA FALA INTERIOR  ORALIZADA e AS CONFIGURAÇÕES HÍBRIDAS CONGREGANDO OS SIGNOS VERBAIS E AUDIOVISUAIS NO MONÓLOGO INTERIOR

Pouco se sabe sobre o que Vigotskii, Luria e Eisenstein conseguiram apurar com a pesquisa acerca da formação de conceitos sociais a partir dos procedimentos da “montagem” audiovisual na ortografia da linguagem cinematográfica - que foram  interrompidas pelo dogmatismo marxista-histórico-dialético sob o “credo” stalinista.
Eisestein afirma na p. 102 de A forma do filme que a montagem cinematográfica “é uma reconstrução das leis do processo do pensamento” e mais adiante, na página 124, que nela se usa “uma construção de um tipo de pensamento sensorial e, como resultado, em vez de um efeito ‘lógico-informativo’, recebemos da construção, na verdade, um efeito emocional-sensorial”.
Já nas páginas 91-92 de O sentido do filme, Eisenstein menciona o interesse em comum com Luria e Vigotskii na investigação da “correspondência de sons e sensações não apenas com emoções, mas também um com o outro” (A “lei da realidade dos sentimentos” à qual me referi)
Afinal, como ocorrem as ágeis interconexões semasiológicas entre palavras, sons e imagens no “influxo de sentido” por subjetivação constatado nos aspectos fásicos da “fala abreviada” que articulam percepção, imaginação e memória eidética?
Esta digressão me foi oportunizada pela referência a este tipo de linguagem como “linguagem egocêntrica” particularmente no momento do texto em que a autora se propõe atravessar “a ponte que conduz à linguagem interior: a linguagem egocêntrica” (p. 145). Também pelo uso da belíssima metáfora da zoomificação (out e in)


(3) A ideia da personalidade como Drama
Vigotskii afirma no Manuscrito de 29 denominado por Puzirei Psicologia Concreta do Homem, publicado pela Revista CEDES n. 71/2000 à p. 35 : “O Drama realmente está repleto de luta interna impossível nos sistemas orgânicos: a dinâmica da personalidade é o Drama.
Para além da descrição dramatizada do percurso que se origina no “em si”, passa pelo “para outros” e conclui-se no “para si” obrigatoriamente aplicado a qualquer processo de desenvolvimento cultural na perspectiva materialista-histórico-dialética: “a personalidade torna-se para si aquilo que ela é em si, através daquilo que ela antes manifesta como seu em si para os outros” (p. 24 do texto supramencinado) cogito a aplicação do “modelo dramático” nos processos intrapsíquicos relacionados à formação de conceitos sociais a partir de um zoom-in focalizando a busca semântica pessoal do sentido a ser atribuído aos enunciados verbais e extraverbais de outros a partir de uma ressignificação da clássica dúvida expressa no famigerado monólogo interior oralizado por Hamlet-Shakespeare: - Ser ou não ser? (Fulano quis dizer isto ou aquilo? Será que entendi genuinamente o que fulano diz? É o que me parece ser?). Tenho em mente a dúvida compartilhada por Hamlet-Shakespeare com a encenação (metateatro) do assassinato do pai para o seu tio então feito Rei, considerado por ele suspeito em potencial do homicídio com conivência da Rainha sua mãe.
Penso que posteriores investigações da inter-relação entre escolarização e ipseidade poderiam ousar uma cartografia do drama intrapsíquico nos processos de subjetivação focalizando as zonas de desenvolvimento proximais oportunizadas pela organização pedagógica de desafios semânticos, por exemplo, reunindo grupos de sujeitos com diferentes idades e experiências socioculturais na educação infantil - como vem ocorrendo na Russia contemporânea sob iniciativa da pedagoga Elena Kavtsova, neta da irmã do Vigotskii, com a proposta Chave de Ouro (Golden Key) para educação de crianças entre 3 e 6 anos como alternativa ao sistema seriado na organização da educação escolar.
ARGUIÇÃO
        Agora passarei a me ater apenas ao que foi oferecido pela belíssima narrativa da problemática apresentada pela mestranda e farei os questionamentos para que nos ofereça desfrutar da exposição oral de seu pensamento.
Devo esclarecer que a minha expectativa enquanto membro da banca durante a arguição não é a de que sejam dadas respostas consideradas adequadas a uma suposta opinião hegemônica sobre os saberes já consolidados sobre a problemática abordada pelo trabalho.

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