sábado, 21 de maio de 2011

CISNE NEGRO – Protocolo de Recepção

CISNE NEGRO – Protocolo de Recepção

Há muito um filme não me emocionava a ponto de fazer brotar incontíveis lágrimas de reação estética.



O título por si só já me atraiu – era uma espécie de convocatória cifrada  aos iniciados na Poesia cênica dos bailados que desafiam a atração gravitacional e sugerem o triunfo da alma humana sobre os limites impostos pela corporalidade.

Um chamado para a possibilidade de fruir a comunicação não verbal que reúne som e imagem em movimento conduzida pela música de Tchaikoviskii no desenvolvimento de uma argumentação fabulosa e mística da sombra que paira sobre a determinação de todos os seres humanos: a dúvida hamletiana do ser ou não, obscurecida e revelada na passagem da luz à sombra e da sombra à luz, presente na animação do drama intrapsíquico que não encontra resposta jamais... que paira flutuando suave como um cisne sobre o lago mas logo se agita e alça voo desaparecendo como fumaça pelos afazeres cotidianos.

A disputa pela atuação exclusiva do papel da rainha dos cisnes por parte da bailarina Nina serve de pretexto para abordar a dúvida trágica que assombra o psiquismo tipicamente humano fundindo imaginação e percepção na realidade das vivências emocionais: a pergunta que é mistério insondável revelado apenas quando aniquilado ou banido da mente por livre arbítrio. 



No majestoso pas-de-deux que serve de prólogo ao filme encontra-se condensada a exuberância da narrativa audiovisual subsequente - que será apresentada em luxuosa e primorosa técnica de montagem. 



Na apresentação dançada da trama, que segue-se às imagens e sons do deslocamento veloz de um trem, a área de atuação é delimitada apenas por um foco de luz.

Neste instante revela-se todo esplendor e opulência da Poesia alcançada pela linguagem cênica não verbal fundida à captura por travellings, aproximações e afastamentos das lentes cinematográficas: movimentos e gestos interconectados com música instrumental, figurinos e maquiagem que dizem o que não é possível comunicar pelos limites do sistema sígnico alfanumérico – genuíno contágio poético afetivoconativo universal.

Tudo que vem a seguir é uma tentativa de desdobrar os sentidos obscurecidos pelo entorpecimento da razão.

Ali já há comoção, ocorre o choro incontido provocado pela beleza e horror do alcance da perfeição... Algo que se  repete, embora de modo arrefecido pelo uso de recursos a efeitos visuais, na captura cinematográfica do lindíssimo e irretocável solo do cisne negro performado pela bailarina Nina pouco antes dos últimos momentos da película.



Um banquete servido em meio à mitigada alimentação estética oferecida pelos cardápios culturais na contemporaneidade.

3 comentários:

  1. Ricardo, seu texto me fez relembrar as emoções (estéticas) que o filme provocou em mim e em alguns amigos que o assistiram. Eu sai da sala boquiaberto: pela atuação, pela música, pela luz, pela dança. Acho que, para alguém que já interpretou algo, uma realização como essa desperta, novamente, o desejo de interpretar algo bom, de possibilidades, que lhe explore.

    Emocionado, mais uma vez.

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  2. Ricardo, a beleza estética de suas considerações sobre o filme Cisne Negro e o cenário repleto de imagens, luzes e sombras que você criou fizeram jus ao impacto emocional que pude experienciar ao assistir esse filme. A sua apreciação ofereceu-me um banquete estético a parte, regado a sensibilidade, magia e beleza enigmática. E, como não poderia deixar de ser, o retorno às cenas do filme em mim, o retorno à viagem existencial...

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  3. Obrigado muito, Ricardo, por compartilhar comigo suas impressões sobre tão bela obra. Que Deus o bendiga com muitos êxitos. Saudações e bênçãos. Z.A. Feitosa

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