quarta-feira, 18 de maio de 2011

PSICOLOGIA DA ATUAÇÃO TEATRAL (8)


O primeiro relato da vivência afetiva na atuação teatral é o de Stanislaskii que a entende como possuindo um caráter espontâneo: “o sentimento não se comanda” ele afirma “não falamos de algum poder direto sobre a evocação de um sentimento deste tipo, como ocorre no processo associativo. E se o sentimento não pode ser estimulado forçadamente e diretamente, ele pode ser suscitado a partir de nossa vontade, pode ser representado”. Mas toda a pesquisa da psicologia da atuação na atualidade sobre as emoções do atuante demonstra que a ela pode ser provocada intencional e artificialmente mas não para gerar um tipo de sentimento como ocorre na vida real, como se fosse um processo associativo como o quer a reflexologia. O sentimento artísticoestético durante a atuação teatral é forjado voluntariamente, ainda que seja “estimulado” ao provocar-se uma reação “direta” do sistema nervoso central. Ele é antes fruto do pensamento sobre as próprias ações corporais, nisso resume-se a sua natureza teatral.

É através dessa via tortuosa, e como sabiamente dizia Stanislavskii, que se estimula uma excitação; a partir da sutileza com que um sentimento é provocado. Só através de algum “desvio” ou “mediação” se pode convocar um sentimento como o que ocorre na atuação teatral. Estes sentimentos, continua Stanislavskii, “não são os mesmos que o sujeito vivencia na vida real. Eles são sentimentos que foram despojados de tudo que é supérfluo, os quais são generalizados e limpos de sua falta de conteúdo específico.”

De acordo com a correta expressão de L. Ya Gureviev eles são filtrados pela realização artística, por toda uma série de novas características se distingue das emoções às quais correspondem na vida real. E concordamos em parte com a tese de Gureviev de que “a solução da questão não se resolve optando pelos contrapontos extremos com que tem sido fartamente abordado o problema, mas de um novo ponto de vista em que o fenômeno possa ser elevado a um outro plano. Deste novo ponto de vista se poderá unificar tudo que vem sendo dito sobre a atuação e criação teatral, desde o testemunho dos atuantes/criadores às contribuições da psicologia científica da última década.”

Mas isso é apenas parte do problema. A outra parte consiste em que o paradoxo do ator, como já se disse, não apenas se transfere à psicologia concreta, mas elimina toda uma série de questões tidas como insolúveis; ele trata da constituição mesma do conteúdo da atuação teatral e, ao fazer isso, promove toda uma série de novos questionamentos refazendo a trajetória histórica desses estudos e sinalizando sua solução.

Do ponto de vista que nos interessa, ao invés de um único sistema explicador e universalizante para a compreensão da psicologia da atuação teatral será necessária sua explicação para além da biologia e estética, em modo de espiral - que dá uma volta a cada salto qualitativo - ou seja, uma explicação psicológica concreta e historicamente movimentada, e flexível, portanto relacionada aos estilos ou formas teatrais diferenciadas de todas as épocas e povos. Só desse modo se poderá compreender a historicidade implicada no paradoxo: conforme a atuação do atuante em um determinado empreendimento cênicoestético de acordo com os estilos de atuação e sua natureza cultural e sóciohistórica.

Desse modo o paradoxo do ator se transforma em uma indagação histórica da expressão estética da emoção e seu impacto ou repercussão concreta nas diversas instâncias da vida social.

A psicologia ensina que a emoção durante a atuação teatral não constitue uma exceção em relação a todas as outras manifestações da vida cultural. Como todas as outras funções psicológicas “superiores”, as emoções estéticoartísticas não podem ser investigadas em sua forma natural ou bruta, mas conforme a organização da biologia efetuada pelo psiquismo tipicamente humano.

No curso da vida social os sentimentos se desenvolvem e as conexões diretas ou “primitivas” (biológicas) se reorganizam e adquirem nova forma, novas combinações, imprimem características outras ao funcionamento mental que possuem regras próprias e interrelações muito particulares que envolvem as conexões com os movimentos corporais.

Estudar o modo como se organizam e se desenvolvem estas novas conexões dos afetos é o objeto da psicologia científica, e não as emoções tomadas isoladamente ( estéticamente), como se existissem a parte da vida mental (artísticamente).

Esse é o caminho para a solução do problema da psicologia da atuação. Toda forma teatral do atuante, as emoções que são expressas cenicamente resultam não como oriundas exclusivamente de suas vivências estéticas pessoais, mas como um fenômeno artístico que tem sentido e significados sociais concretos e que se encontram no limiar instável entre a psicologia e a ideologia.

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