quarta-feira, 4 de maio de 2011

TUMBEIRO MALÊ - O MAR (5)

PRÓLOGO (Bônus)

Gritos e vozes. Sons de humanos em deslocamento vertiginoso em meio à vegetação. Um homem negro nu se move desesperadamente em fuga.

Voz em Off
Tangendo! Tangendo! Para a armadilha! Sem ferimento! Sem ferimento! Uma macho sem marca de armas vale mais!

O negro cai na armadilha escondida sob a folhagem e é suspenso em uma rede.

Voz em Off
Mais um Tutsi para a bolsa dos Wunji. Viva o povo Wunji!

Gritos eufóricos e cântico de vitória dos Wunji. Capturado, o negro tutsi debate-se inutilmente e clama por misericórdia.

Negro Fugido
Misericórdia! Povo Tutsi irmão de povo Wunji! Somos irmãos! Irmãos!

Escurecimento lento.







PARTE I – O MAR
PRIMEIRA MOVIMENTAÇÃO DE PERSONAGENS

Som de ondas suaves batendo no cais. O Almirante e capitão-de-assalto Pedro Sá está em pé na proa do galeão São Sebastião olhando o horizonte. Antônio Maria seu contra-almirante enrabadiço aproxima-se.

Antônio Maria
Capitão?!

O Capitão não responde.

Antônio Maria
Admirando o mar de Djibuti?

O capitão não responde.

Antônio Maria
Preocupado meu comandante?

Capitão Pedro Sá
(Suspirando) Um pouco triste...

Antônio Maria
Saudade da vida no continente?

Capitão Pedro Sá
Lembranças do tempo em que não havia naus, nem fragatas; quando os galeões reinavam absolutos nos mares...

Antônio Maria
Mas o senhor não vai assumir brevemente o comando da nau Santiago dos quintos da coroa Portuguesa?

Capitão Pedro Sá
Vou sentir falta do meu velho navio de combate. Este galeão é a minha vida.

Antônio Maria
Teremos vida melhor numa nau. Virar tumbeiro é muito triste para um navio de guerra. E ser Capitão-de-assalto também não faz jus à sua qualificação náutica, almirante.

Capitão Pedro Sá
Esta será nossa derradeira viagem. Chegou a hora de aposentar o velho São Sebastião, o último galeão. Também de encerrar a minha carreira como mercenário e Capitão-de-assalto. Depois da entrega das peças no Rio de Janeiro, voltaremos a Lisboa para ancorar definitivamente o São Sebastião no Porto.

Antônio Maria
Já planejou a rota, capitão?

Capitão Pedro Sá
Será uma longa jornada. Daqui de Djibuti, após o embarque das matrizes malês oriundas de Adizadeba, e da carga da China, seguiremos até Maputo para abastecimento de víveres em Moçambique. Será uma parada rápida. De lá, seguimos para Madagascar para a recolha da rainha negra imaculada – a peça mais preciosa da nossa carga. Dela e de mais duas outras fêmeas boas reprodutoras que ainda estão amamentando.

Antônio Maria
Fêmeas a bordo com crianças de colo serão um problema

Capitão Pedro Sá
Elas não podem ser tocadas, sobretudo a rainha imaculada.

Antônio Maria
Este é o trabalho do contra-mestre enrabadiço: aliviar a tensão dos machos a bordo; zelar pela integridade física das fêmeas embarcadas. O senhor já viu o tamanho das matrizes malês?

Capitão Pedro Sá
(Irônico) Você está preparado para eles, Antônio Maria; afinal são milhas e milhas de atendimento às necessidades da marujada – e as minhas também. (Risos) Há quanto tempo é enrabadiço? 

Antônio Maria
Desde quando entrei neste galeão pela primeira vez... Eu era quase uma criança.


Capitão Pedro Sá
(Sedutor) Gosta da vida de enrabadiço?

Antônio Maria
Se não gostasse já teria deixado de navegar ao fim da primeira viagem.

Capitão Pedro Sá
(Galante e sensual) Está cada vez mais folgada, macia e quente a sua “fenda”.

Antônio Maria
A forma adquire-se com a experiência; e o hábito das penetrações... (Insinuante) Sinto que o meu capitão já está com melhor humor...

Capitão Pedro Sá
Que seria da tripulação de um navio de guerra sem os enrabadiços?!

Antônio Maria
Não haveria sexo consentido sobre as ondas: os estupros se sucederiam; as brigas seriam constantes; a intranqüilidade do sono dos machos pertubaria seu justo e merecido repouso. Não é isso o que justifica a atividade dos contra-almirantes enrabadiços a bordo?

Capitão Pedro Sá
Sim. É isso. Como eu estava a dizer, de Madagascar, seguiremos até O Cabo da Boa Esperança - para o embarque de uma missionária inglesa protestante removida da África do Sul com destino ao Brasil.Do Boa Esperança vamos a Luanda para a subida de três alabês angolanos e seus tambores – peças encomendadas que também nos serão úteis para manutenção do ritmo dos remos quando houver calmaria. De Angola, rumamos para Dacar, no Senegal. Alí será feito abastecimento de água potável. De lá, rumaremos para Cabo Verde onde embarcará um padre designado pároco de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, com uma imagem de São Sebastião em boa madeira e de tamanho natural. Também subirá bacalhau salgado e rum para nosso uso e consumo. Ali recolheremos os preservativos de tripa de porco para a prática do sexo seguro a bordo. Não quero marinheiros com doenças venéreas no meu navio. Ao sairmos de Cabo Verde, apenas quando estivermos em alto mar, desacorrentar apenas os negros malês e atender suas necessidades – um a cada vez, no tombadilho, em sua camarinha. Manter as fêmeas na camarinha das negras todo o tempo. Permitir ao pároco visitar os negros na galé e à missionária inglesa as negras em sua camarinha, mas isso exclusivamente durante o dia, até ancorarmos definitivamente na baia de Guanabara. Antes, temos uma parada na baía de Todos os Santos para a decida das peças malês e dos alabês angolanos. De lá seguiremos sem paradas até o Rio de Janeiro. Ao chegarmos alí passaremos uns três dias desfrutando nossa justa recompensa com as mulheres do cais, tomando cachaça e vinho; e nos fartando de boa comida para só então finalmente retornarmos à Lisboa e aposentar em definitivo o São Sebastião. Mandaremos celebrar uma missa na igreja da misericórdia em louvor à Nossa Senhora da Boa Esperança, agradecendo sua proteção durante toda a nossa longa viagem. 

Antônio Maria
Que assim seja!

Capitão Pedro Sá
Verificou se foram embarcados todo o carregamento de pólvora e seda da China?

Antônio Maria
Sim.

Capitão Pedro Sá
Então está tudo pronto para a subida dos malês e dos outros negros?

Antônio Maria
Já se encontram perfilados acocorados, acorrentados e nus para a triagem. 

Capitão Pedro Sá
Separou os “cortados” dos não circuncidados?

Antônio Maria
Os malês já foram previamente apartados.

Capitão Pedro Sá
Verificou as correntes e cadeados da galé?

Antônio Maria
Sim. 

Capitão Pedro Sá
Muito bem. Vamos embarcá-los!


Descem a prancha até o cais onde estão os dois escravos malês e outros negros perfilados, nus e acorrentados pelos pés. A tripulação a bordo e curiosos no cais assistem com interesse a triagem.

Antônio Maria
Levanta! De pé! (Sinaliza para o primeiro escravo não malê tentando traduzir o que diz para o ioruba) Abre a boca! (Inspeciona os dentes e gengivas) Arregaça o cacete! (Faz gesto demonstrando a ação requerida com o cabo do archote. Risos da tripulação e de curiosos) Vira de costas! Fica de quatro! De quatro! (Examina o ânus do escravo com um rápido exame de toque. Lava a mão em um balde d’água). Vá para ali! Para aquele lado! (Dirige-se ao próximo escravo) Agora você! (Repete os mesmos procedimentos) Vá para onde estão os malês! O próximo!

Durante o exame do terceiro escravo não malê descobre um objeto em seu ânus.

Antônio Maria
Ora, ora, ora... O que temos aqui?! (Lavando o objeto encontrado) Uma barra de ouro meu Capitão! (Para o terceiro escravo) Levanta! Como é seu nome negro?

O terceiro escravo não responde.

Antônio Maria
(Estalando o archote no solo) Fala negro! Fala!

Terceiro Escravo
Zulu.

Marujo
(Off) É o cú de ouro!

Risos e molecagem da tripulação e dos curiosos.

Antônio Maria
Onde conseguiu este ouro?

Terceiro Escravo
É meu!

Antônio Maria
Era seu... (Passa a barra de ouro ao capitão) Agora é do capitão!

Capitão Pedro Sá
(Para o terceiro escravo) Sabe nadar?

Terceiro escravo responde afirmativamente com a cabeça.


Capitão Pedro Sá
Já navegou antes?

Terceiro escravo responde afirmativamente com a cabeça.

Capitão Pedro Sá
(Para Antônio Maria) Tire-lhe as correntes. (Para Zulu) Suba e ajude a tripulação com as velas. (Referindo-se à barra de ouro) Isso fica comigo. (Para Antônio Maria). Embarque os dois malês e os outros negros selecionados levando-os diretamente para a galé.

Antônio Maria conduz os dois negros malês e os outros dois escravos pela rampa.

Antônio Maria
(Para os negros selecionados e os malês) Vamos!

Capitão Pedro Sá
(Para a tripulação subindo a rampa) Recolham a rampa! Abram as velas! Içar âncoras!

Música, agitação e ruído do trabalho a bordo. Vozes da tripulação. Escuro.

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