sexta-feira, 20 de maio de 2011

TUMBEIRO MALÊ - O MAR (10)


SÉTIMA MOVIMENTAÇÃO DE PERSONAGENS

        O falso pároco está amarrado ao mastro principal completamente desnudo semelhante à imagem de São Sebastião embarcada. Um cesto com as jóias do tesouro escondido no “santo” e mais toda a prataria reunida a bordo é embarcado pelos malês no bote salva-vidas ao som do ijexá dos atabaques dos alabês angolanos que já estão dentro da pequena embarcação. Manuel Galego a postos no timão do bote sinaliza para que Miss Doroty desça até o barco.


Miss Doroty
(Resoluta e nervosamente) Eu não vai. Eu fica! Vai esperar socorro. (Senta-se sobre seu baú abraçada á bíblia)

O Capitão ordena que o bote siga para a costa de Itaparica. A rainha negra imaculada toca o sinete repetida e insistentemente saudando Yemanjá em ioruba acompanhada em cântico antifonal pelas vozes das aias-ekedes assistindo reverenciosamente à saída do presente no convés superior do galeão. O bote afasta-se em direção á ilha de Itaparica. A missionária inglesa assiste a tudo em silêncio respeitoso.

Capitão Pedro Sá
(Para o falso padre) Safado! (Esbofeteia-o) Moleque!
Antônio Maria
(Açoitando-o com o archote) Seu “coisa ruim”! “Cê” merece ter o mesmo fim do Santo cuja memória profanou... (Dando-lhe nova chicotada) Cão dos infernos!
Capitão Pedro Sá
Chega Maria! Deixe esse bandido esturricar ao sol sem água nem comida até virar presunto defumado e afundar junto com o galeão...

Zulu
(Descendo eufórico da torre de observação) Capitão! Capitão! O socorro está a caminho... Veja! Lá, uma vela! (Passando-lhe a luneta).

O capitão sobe rapidamente na torre de observação.

Capitão Pedro Sá
Valei-nos Nossa Senhora da Boa Esperança! São as armas do Marques do Maranhão, é a bandeira de Lord Cochrane. (Para Maria) O velho Lobo do mar está vindo em nosso socorro!

        Gritos e comemorações eufóricas a bordo.

Antônio Maria
(Subindo na torre de observação) Tem certeza capitão?
Capitão Pedro Sá
Sim. Veja vc mesmo: os três lôbos na flâmula branca... as listas vermelhas formando um vértice...
Antônio Maria
É ele!
Capitão Pedro Sá
A salvação veio a nós!
Antônio Maria
A senhora dos cabelos de alga aceitou nossa oferenda... Odô Ya!

        As escravas negras/Ekedes cantam para Yemanjá. A rainha negra imaculada mira-se em seu espelho de mão, manipula-o intencionamente de modo a sinalizar para a vela de Lord Cochran

Capitão Pedro Sá
Muito bem rainha! Continue sinalizando para eles com o espelho...

        Uma chuva de flechas atinge o galeão.

Zulu
Arqueiros à bombordo!
Capitão Pedro Sá
Deitem-se! Deitem-se todos!

 
Todos procuram proteger-se do ataque dos arqueiros aborígenes. O capitão busca, escondido atrás de um caixote, observar os autores do ataque com a luneta. Antônio Maria junta-se a ele. O falso padre tem o corpo crivado de setas e agoniza amarrado ao mastro principal.

Antônio Maria
Quem são os arqueiros?
Capitão Pedro Sá
(Atirando com sua garruncha) nativos com penas vermelhas e azuis... Mesma cor dos uniformes de campanha da coroa portuguesa.

        Nova chuva de setas vindas do lado contrário.

Zulu
Arqueiros a estibordo!

        O capitão move a luneta na direção contrária.
 
Capitão Pedro Sá
Nativos com penas brancas e negras! Devem ser aliados dos independentistas e de Lord Cochrane! (Volta a atirar na direção dos índios que atacam a bombordo)
Antônio Maria
O falso padre foi atingido... Está morto e crivado de setas!
Capitão Pedro Sá
Teve o fim merecido.
Antônio Maria
Semelhante ao de São Sebastião. Que ironia...

        Gritos de guerra de guerreiros nativos em batalha naval. Tiros de garruncha disparados pelo capitão na direção dos arqueiros à bombordo... Um selvagem guerreiro com penas vermelhas e azuis adentra o galeão com lança em punho e dirige-se ao capitão para alvejá-lo mas é desarmado pelo archote certeiro de Antônio Maria. Guerreiros com penas brancas e pretas adentram a embarcação que naufraga e dizimam quase toda a tripulação do galeão poupando o capitão, Antônio Maria, Zulu, Miss Doroty e alguns poucos marujos que se renderam.
        Escuro.

OITAVA MOVIMENTAÇÃO DE PERSONAGENS
       
        Diante do mastro com o corpo do falso padre crivado de setas, o embaixador dos Guaranis, enrolado na flâmula do Império brasileiro e usando o chapéu do capitão, coordena as ações de saque ao carregamento de pólvora, seda, gêneros alimentícios e rum do galeão. O capitão Pedro Sá está amarrado isoladamente, separado dos outros marujos junto aos quais se encontram Antônio Maria e Zulu. Vê-se a estibordo tremulando, parte da gigantesca vela com as armas de Lord Cochrane.

Embaixador Guarani
(Para alguns guerreiros guarani, de posse do espelho de mão da rainha negra) Leva capitão-de-assalto para tribo junto com mulheres negras e totem de madeira.  Alguns guerreiros guaranis conduzem o capitão Pedro Sá, a rainha negra e suas aias para embarque em uma das canoas. Outros guerreiros seguem transportando a imagem de São Sebastião.

Embaixador Guarani
(Para últimos guerreiros guarani a bordo, referindo-se aos marujos) Esses leva para nau do Lobo junto com mulher branca.
Zulu
(Para Antônio Maria sussurrando) Para onde vão nos levar?
Antônio Maria
(Sussurrando) Para trabalharmos na nau de Lord Cochrane provavelmente.
Embaixador Guarani
(Para Antônio Maria) Fica boca fechada senão eu corta língua sua. (Para guerreiros guarani) Leva pólvora e arma de fogo para nau do Lobo! (Referindo-se à maior parte das armas) Leva essas aí pra aldeia junto com bacalhau e pano (Empunhando a guarruncha do Capitão Pedro Sá e fazendo disparos para o alto) Vitória de povo Guarani! Viva povo Guarani!

Guerreiros Guarani gritam e uivam de alegria cantando vitória ao deixar a embarcação. As canoas dos guaranis deixam o galeão em direção à nau de Lord Cochrane. A vela de Lord Cochrane se afasta lentamente. Os gritos dos guaranis vão se tornando distantes. Sob um foco de luz verde, o galeão submerge com o falso pároco amarrado ao mastro tendo o corpo crivado de setas ao som de La Martyre de Saint Sébastien da obra O Mistério de Gabriele d’Annunzio de Claude Debussy. Um arco-íris se delineia pouco a pouco no horizonte. Escurecimento lento.
                              

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