O capitão Pedro Sá se retira para seu camarote. Um marujo permanece em pé aparentemente ainda urinando. Antônio Maria aproxima-se dele.
Ainda não acabou com isso, Galego?
Marujo Manuel Galego
Olha só o meu estado...
Antônio Maria
Atendimento só à noite. Você sabe.
Marujo Manuel Galego
Pois se a minha vez foi a da vigília durante a tormenta?
Antônio Maria
Não dá para esperar até escurecer?
Marujo Manuel Galego
Não depende de mim. É mais forte do que eu. Não consigo urinar. Meu cacete está travado de tanta tesão... Vai Maria, me ajuda. Tá todo mundo dormindo... (Afagando-lhe as nádegas) Deixa eu encontrar alívio neste seu traseiro fogoso...
Antônio Maria não responde.
Marujo Manuel Galego
(Beijando-lhe a nuca) Vai, dá pra mim... Dá?! Ham?!... Do jeito que eu “tô” vou derramar logo, não vou demorar... (Masturbando-se) Sou ou não o seu preferido?
Antônio Maria
Está bem. Mas tem de ser rápido. E em silêncio. Estou de sentinela. Vem, vamos acabar logo com essa agonia!
Antônio Maria e o marujo Manuel Galego se dirigem à sua camarinha. Despem-se e entram no tonel de banho, beijam-se e trocam carícias apaixonadas. Ouve-se o som da gaita de um marujo soando melancólica. Galego num arroubo toma o preservativo das mãos de Maria e atirá-o ao mar impedindo-o de protestar com um longo beijo. Os dois se amam voluptuosamente dispensando o preservativo e atingem o orgasmo simultaneamente vibrando em silêncio. Permanecem relaxados e abraçados um ao outro no tonel de banho, refazendo-se da transa flamejante. Um forte estrondo é ouvido e a embarcação estremece. Antônio Maria e o marujo Manuel Galego saltam do tonel e vestem-se às pressas. A imagem de São Sebastião desaba na superfície do convés.
Antônio Maria
O que foi isso?
Marujo Manuel Galego
Parece que fomos atingidos!
Antônio Maria
(Dando pressa ao marujo) Vá rápido Galego! Verifique a proa. Vou checar a popa.
O capitão Pedro Sá sai do camarote apressado.
Capitão Pedro Sá
Maria?!
Antônio Maria
(Terminando de vestir-se) Aqui capitão!
Marujo Manuel Galego
Fomos atingidos! Fomos atingidos! Na proa... Um rombo a estibordo... na galé. Bala de canhão!
Capitão Pedro Sá
Maria, toque o gongo! Reúna a tripulação! (Para o marujo) Galego, desça ao convés inferior e convoque a tripulação para ir drenando a água!
Maria faz soar repetidamente o gongo. Agitação a bordo. O capitão Pedro Sá sobe à torre de observação com uma luneta. A protestante usando um chambre com touca de dormir e o pároco com sua indefectível batina negra deixam suas camarinhas assustados. O capitão desce da torre.
Capitão Pedro Sá
Maria!
Pe. Medeiros
O que está acontecendo?
O capitão não lhe dá resposta e ignora-o por estar atarefado com as providências a serem tomadas. A protestante agarra-se à bíblia sagrada.
Capitão Pedro Sá
O tiro veio da canhoneira do forte de Santa Maria! (Para Antônio Maria) Mude o rumo da embarcação para a ilha de Itaparica e afaste-se da costa de Salvador. Vamos tentar chegar em terra firme do outro lado da baía. Rápido!
Pe. Medeiros
Fomos atingidos?! (Percebendo a imagem caída) Meu santinho!
Capitão Pedro Sá
Reze padre, reze por nós. Vamos tentar chegar próximo à terra antes de naufragar. (Para Antônio Maria) Providencie tudo para o embarque da protestante, dos malês e dos alabês angolanos no bote salva-vidas sob o timão do guarda-marinha Galego. Pode ser que não dê tempo de chegarmos ao outro lado da baia. Solte os outros negros das correntes. O pároco, a rainha imaculada e suas aias permanecem conosco abordo até a chegada de socorro. Diga ao Galego para vir falar comigo!
Correria e agitação a bordo. O marujo Manoel Galego aproxima-se do capitão Pedro Sá seguido por Antônio Maria.
Marujo Manuel Galego
Capitão?!
Capitão Pedro Sá
Galego, você vai assumir o bote salva-vidas e conduzir as peças malês, os alabês angolanos e a missionária inglesa até terra firme. Ao desembarcar na ilha, providencie o translado em segurança, por terra, da missionária com destino ao Rio de Janeiro; e siga com os malês e angolanos para Salvador – a travessia da ilha para o continente é bem curta na contra-costa. Faça os três chegarem a seus destinos a partir de Cachoeira, no recôncavo baiano. Alugue montaria e leve os malês pessoalmente ao Senhor José da Silva, mercador de escravos da estrada das boiadas. Após a campina de Pirajá, logo depois da entrada da capital da Província, na parte baixa da ladeira do pelourinho, no sentido praia continente; e receba o pagamento combinado na entrega das peças. Aqui estão os papéis dos negros e a nota de compra e venda dos dois. Os alabês angolanos devem ser entregues em seguida a Pai João do Calabar – no quilombo situado a nordeste da fortaleza de Santa Maria (Entegando-lhe a barra de ouro confiscada de Zulu) Leve esta barra de ouro para pagamento das despesas com transporte e alimentação dos passageiros. Encontro com você depois em Salvador, no cais em frente ao forte de São Marcelo no bordel de Maria das Cobras. Entendido guarda-marinha Manuel Galego?
Marujo Manuel Galego
Sim, Capitão.
Galego se retira. Os alabês chegam ao convés superior com seus atabaques acompanhados pelos negros malês, a missionária e Antônio Maria.
Capitão Pedro Sá
(Para Antônio Maria) Maria, dê embarque à missionária, aos angolanos e às peças malês no bote salva-vidas. Galego está providenciando a aproximação para o emparelhamento do bote. Diga a Miss Doroty que a bagagem dela seguirá depois.
A imagem de São Sebastião tombada com o impacto do bombardeio revela um tesouro nela escondido. O Pe Medeiros ocupa-se em ajuntar as jóias em meio à agitação da tripulação. Desaparece carregando o tesouro em um saco de viagem. O Marujo Manuel Galego retorna apressado tentando localizar o capitão. A rainha imaculada, suas aias, os alabês e a missionária com capa de viagem estão reunidos no convés aguardando o embarque.
Marujo Manuel Galego
Capitão, O Pe Fugiu. Levou com ele o bote!
Capitão Pedro Sá
Fugiu?
Antônio Maria
(Verificando o estado da imagem de São Sebastião) Capitão, a imagem de São Sebastião é “santo do pau oco”...
Capitão Pedro Sá
Ratazana de batina filho de uma égua! Nos enganou a todos!
Antônio Maria
E ainda rezou missa!?
Capitão Pedro Sá
Onde está Zulu?! Traga ele aqui, rápido, Maria!
O capitão tenta visualizar o deslocamento do falso padre no bote roubado. Maria sai rapidamente e retorna com Zulu.
Capitão Pedro Sá
Zulu. Vc sabe nadar bem e rápido, não é isso que me disse?
Zulu
Sim.
Capitão Pedro Sá
Consegue alcançar a nado o bote roubado pelo falso padre?
Zulu
Posso tentar.
Capitão Pedro Sá
(Entregando-lhe uma faca) Então vai, e traga a ratazana de batina e o bote de volta. Será bem recompensado quando retornar.
Zulu coloca a faca entre os dentes e lança-se ao mar. A rainha imaculada entra em transe. Uma das aias sacode o sinete sobre a sua cabeça e entoa uma cantiga sagrada para Yemanjá; os alabês angolanos tocam o ijexá de Oxum. Yemanjá fala através da rainha. Uma das aias traduz o que ela diz.
Negra Escrava/Aia-Ekede
Odô Yá quer o tesouro... Se não lhe derem não haverá salvação... Ela pergunta se vão lhe dar o tesouro? Diz que deve ser devolvido ao fundo do mar o que dela foi tirado...
Antônio Maria
Capitão, diga que sim!
Capitão Pedro Sá
(Para a negra/escrava aia-ekede) Diga que lhe daremos o tesouro e toda a prataria que houver a bordo se Zulu voltar com o bote e capturar o falso padre...
A negra escrava traduz para o iorubá a promessa do Capitão.
Marujo Manuel Galego
(Em pé na torre de observação) Ele conseguiu! Zulu conseguiu! Está trazendo o bote e o padre fujão!
Cessam os atabaques. A rainha imaculada sai do transe. A missionária cai de joelhos em oração a Deus.
Miss Doroty
(Recita o salmo 121)
Elevo os olhos para os montes:
De onde me virá o socorro?
O meu socorro vem do Senhor,
Que fez o céu e a terra
Ele não permitirá que os seus pés vacilem;
Não dormitará aquele que te guarda.
É certo que não dormita nem dorme o guarda de Israel.
O Senhor é quem te guarda;
O Senhor é a tua sombra á tua direita.
De dia não te molestará o sol,
Nem de noite, a lua.
O Senhor te guardará de todo o mal;
Guardará a tua alma.
O Senhor guardará a tua saída e a tua entrada,
Desde agora e para sempre... [1]
Escurecimento lento.
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