domingo, 8 de maio de 2011

TUMBEIRO MALÊ - O MAR (7)

TERCEIRA MOVIMENTAÇÃO DE PERSONAGENS

Grande movimentação a bordo do galeão ancorado agora no cais de Cabo Verde, para a subida da pesada imagem de São Sebastião. O pároco acompanha com alguma aflição o embarque da imagem.

Pe. Medeiros
Tenham cuidado! Podem danificar a escultura. É arte sacra!
Antônio Maria
Acalme-se padre. Conhecemos o nosso ofício.

Pe. Medeiros
Assim espero.

Ouve-se os atabaques angolanos soando um aguerê de Oxossi.

Pe. Medeiros
(Referindo-se ao toque dos atabaques) O que significa isso? (Incomodado) Não se trata de festa!
Antônio Maria
São alabês angolanos que animam com música a atividade laboral extenuante da tripulação.
Pe. Medeiros
Não sabia que permitiam música profana a bordo.
Antônio Maria
A atividade física rende mais e melhor quando o ritmo é cadenciado por música.
Pe. Medeiros
(Para Antônio Maria, impaciente) Está bem, está bem. (Aos marujos enredados no transporte da imagem) Cuidado aí! Está balançando muito. Não deixem a escultura se chocar com as paredes da embarcação!


O pároco sobe a rampa e adentra a nave. Continua prescrevendo procedimentos de segurança aos marujos encarregados do carregamento do objeto sacro. O Capitão aproxima-se de Antônio Maria.

Capitão Pedro Sá
(Entregando a Antônio Maria uma pequena bolsa de couro) Aqui estão os preservativos! Corre tudo bem com o embarque da imagem?
Antônio Maria
(Guardando os preservativos) Sim. Já está praticamente finalizada a operação. A carga de bacalhau e rum encontra-se adequadamente acondicionada a bordo. O baú do pároco também já foi levado para a camarinha que ele ocupará.
Capitão Pedro Sá
Então podemos iniciar os procedimentos de partida?
Antônio Maria
Vou perguntar ao padre se ele está pronto para invocar Nossa Senhora da Boa Esperança.
Capitão Pedro Sá
Sim. Reuna toda a tripulação no convés superior para a missa. Diga-me: como está o estoque de água potável embarcada em Dacar?

Antônio Maria
Temos água suficiente para a travessia do atlântico. E uma reserva para mais uma semana além do tempo previsto de viagem.
Capitão Pedro Sá
Tem certeza que não precisaremos de mais água além da que subiu a bordo no Senegal?
Antônio Maria
Sim.
Capitão Pedro Sá
Eu vou convidar pessoalmente Miss Doroty para acompanhar o ofício. Penso que ela não vai se recusar a rezar conosco. Faça o hasteamento da bandeira do Império do Brasil no mastro principal para a travessia.
Antônio Maria
(Para a tripulação através de amplificação da voz com as mãos) Marujos: ao convés superior, para a missa! Marinheiros, ao convés para missa!

Antônio Maria finaliza o hasteamento da bandeira do Império brasileiro e junta-se à tripulação que se reúne pouco a pouco no convés já preparado para a missa. Burburinho e conversas animadas. Antônio Maria veste bata para servir de coroinha e começa a incensar o convés. O Capitão acompanha Miss Doroty oferecendo-lhe o braço
até o balcão onde tomarão assento para acompanhar o santo ofício.

Capitão Pedro Sá
Está satisfeita com as acomodações Miss Doroty? São modestas mas limpas - e seguras. Está lhe faltando alguma coisa?
Miss Doroty
(Com forte sotaque britânico) No. Nada. Tudo muito boa!
Capitão Pedro Sá
Agradeço-lhe atender ao meu convite para comparecer a missa em louvor a Nossa Senhora da Boa Esperança. Somos católicos mas, assim como os protestantes, cultuamos o mesmo Deus de Davi.
Miss Doroty
Sim. I know. (Com forte sotaque, abraçada á bíblia sagrada) Eu concorda.
Capitão Pedro Sá
(Oferecendo-lhe assento na cadeira reservada para ela) Sente-se, por favor.
Miss Doroty
Obrigada. O senhor ser gentleman!
Capitão Pedro Sá
Com sua licença. Volto já. I Will come back in a while.

Miss Doroty
You are welcome.

O capitão dirige-se ao pároco e o autoriza a iniciar o ofício. O padre termina de vestir a estola sagrada e segue para o altar improvisado diante da imagem embarcada de São Sebastião. O capitão retorna ao balcão e toma assento ao lado de Miss Doroty.

Miss Doroty
A jovem virgem noivo negra no vai acompanhar missa?
Capitão Pedro Sá
A tradição islâmica prescreve recolhimento absoluto das virgens prometidas em casamento Mrs. Doroty.
Miss Doroty
Oh, of course. Yes!
Pe. Medeiros
Irmãos, antes de rezarmos juntos a invocação e súplica a Nossa Senhora da Boa Esperança, padroeira da tripulação, considero oportuno falar um pouco do Santo que dá nome a este galeão: São Sebastião. Não vou me alongar atendo-me apenas a um breve relato de sua escorreita conduta cristã... Sebastião foi oficial do exército romano e viveu no terceiro século da era Cristã, na época em que reinava Diocleciano. Por ter se convertido ao cristianismo e divulgar a
palavra de Cristo foi denunciado e preso. O imperador tentou fazê-lo abjurar da sua fé em vão e o condenou à morte, cuja sentença foi cumprida por arqueiros. Mas, crivado de flexas, o corpo de Sebastião foi retirado do tronco no qual se encontrava agonizante e levado por Santa Irene à sua residência, onde se restabeleceu milagrosamente em poucos dias. Restaurada sua integridade física voltou a apresentar-se ao Imperador que desta vez o condenou a ser açoitado até a morte no ano de 225 da Era Cristã - tendo ordenado que o seu corpo fosse lançado, para horror dos cristãos, na fossa de Roma. Desde então sucederam-se milagres testemunhados por seus adoradores. Tornou-se patrono dos soldados e guerreiros, e seu protetor - particularmente por livrá-los da peste. (Rumor junto à tripulação. Marujos fazem seguidamente o pelo-sinal) Não por acaso este galeão recebeu o nome de São Sebastião. Sua tripulação jamais foi alcançada pela peste – infortúnio que condenou muitas embarcações a vagarem a esmo fantasmagoricamente com vela negra pelos mares. (Levantando a cruz do terço de madeira que serve de cinturão à sua batina acima da cabeça) Louvado seja São Sebastião, guerreiro de Cristo!
Fieis
Louvado seja!
Pe. Medeiros
Rezemos, a pedido do Almirante Pedro Sá, em uníssono, à Nossa Senhora protetora dos navegantes:

Ó Maria, volvei a nós vosso olhar maternal.
Acudi em socorro d’estes filhos de Eva, que assaltados pelo furor das ondas no mar proceloso da vida,
Se veem cercados de horríveis monstros que tentam submergi-los e devorá-los.
Mãe amantíssima; sentimos a firme confiança de que não nos abandonareis nunca,
De que nos sustentareis na luta,
De que aplacareis a tempestade e refreareis os inimigos de nossas almas;
E viremos a ser felizes podendo entrar em porto seguro, após a arriscada viagem,
Sem ter ofendido ao nosso dulcíssimo Jesus,
Nós arrependidos e perdoados de todas as nossas culpas.
Sim, nós amamos, e infinitamente, esse Jesus que vós nos apresentais como nosso Salvador, nosso Pai, nosso Tudo.
Jesus será, agora e sempre, o objeto dos nossos suspiros, dos nossos pensamentos e do nosso amor.
Não tememos, por isso, nada mais.
Jesus e Maria – Maria e Jesus, serão no encapelado mar de nossas vidas, nosso conforto, nossa guia, nossa luz, nossa estrela, e um dia a nossa felicidade na glória inefável do Paraiso.

No irado mar, entre a procela,
É a ti que invocamos, benigna estrela!

Fiéis
Amém!
Capitão Pedro Sá
(Para Miss Doroty) Com sua licença, senhora. (Para a tripulação) Levantar âncoras, desatracar a nave!

O Capitão conduz Miss Doroty de volta à sua camarinha. Antônio Maria recolhe os apetrechos usados na missa e acompanha o pároco. Movimentação e rumor dos marujos em procedimentos para a partida do barco.

Antônio Maria
Galé: movimentar remos!

Soam os atabaques em “adarrum”. Escuro.


QUARTA MOVIMENTAÇÃO DE PERSONAGENS

Entardecer. A bizarra tripulação do galeão passa o tempo ociosamente. Ao som dos atabaques dos alabês angolanos Alguns se tatuam, uns jogam cartas, outros duelam exercitando-se no uso das espadas e no lançamento de facas; pescam, sobem nos mastros para costura das velas dando shows de acrobacias, bebem rum, gargalham, dançam e brincam com seus animais de estimação: um macaco e um papagaio. Tudo lembra um circo. O Capitão Pedro Sá refresca-se com um abanico chinês de forma elíptica, em papiro, com cabo de madeira na companhia de uma garrafa de rum. Antônio Maria está terminando de fazer a barba com sua faca e utiliza uma vasilha com água como espelho. Realça a maquiagem negra nos olhos com carvão, substitui o lenço que usa sob o chapéu e ajusta as argolas de prata que carrega nas orelhas. Tira e repõe os longos coturnos sacudindo a poeira deles um a um. A tripulação aos poucos se recolhe. A noite chega. Maria conclui o asseio do rosto, pega a garrafa de rum ao seu lado, toma um longo trago, e dirige-se ao convés inferior levando uma lanterna portátil iluminada a óleo de baleia que acaba de acender. Os dois negros malês, de joelhos, na galé, rezam contritos a Alá em seu compartimento exclusivo, posicionados com a fronte em direção à Meca.

Antônio Maria
(Para os malês, levemente alcoolizado) Terminaram?


Respondem afirmativamente com a cabeça. Antônio Maria se dirije a um deles.

Antônio Maria
Você! Vem comigo.

Os malês se entreolham. Antônio Maria conduz o negro malê até a sua camarinha iluminando o caminho com a lanterna. Fecha a porta e solicita-lhe que entre no tonel para banhar-se. Apenas a luz bruxuleante da lanterna ilumina a cena. Oferece-lhe rum encorajando-o a beber. O negro toma todo o líquido de um só trago e despe-se entrando em seguida no tonel. Soam os atabaques. Maria auxilia o negro malê a lavar-se, bolinando-o.

Antônio Maria
Vou fazer você relaxar a tensão. Levante-se.

O negro obedece-lhe e permanece com as nádegas e pênis fora das bordas do tonel. Maria percorre com o cabo do archote toda a superfície da exuberante musculatura do escravo malê, provocante.


Antônio Maria
(Susurrando) Você quer?! Está necessitado é?

O negro permanece calado. Antônio Maria pratica-lhe felação. O negro finalmente segura com as duas mãos a cabeça de Antônio Maria imprimindo ritmo acelerado a sua ação erótica.

Antônio Maria
(Interrompendo a felação, baixinho) Calma negão! Isso é só o começo...

Antônio Maria mostra-lhe o preservativo.

Antônio Maria
(Provocante) Já usou?

O negro malê diz que não com a cabeça.

Antônio Maria
É assim... (Desenrolando o preservativo sobre o pênis erecto do negro malê) Tem que dar... Aguenta firme! (Referindo-se à dificuldade de vestir o preservativo no pênis do male) Incomoda?


O negro mais uma vez diz que não com a cabeça. Antônio Maria entra no tonel, abaixa as calças e se posiciona de costas para o escravo. O negro malê abraça-lhe por trás e penetra-o animalescamente com avidez. Luz desce em resistência. Música.

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