sábado, 19 de março de 2011

ERA UMA VEZ A PSICOLOGIA CIENTÍFICA (38)

O nono e últlimo capítulo intitula-se Wittgenstein, Vigotskii e o Entendimento Performáticocultural da Vida Humana [Wittgenstein, Vygotsky, and a Cultural-Performatory Understanding of Human Life]
subdivindo-se em três grandes itens Wittgenstein, Vigotskii [Vygotsky] e Formas de Vida e Formas de Alienação [Forms of Life and Forms of Alienation].

Os autores iniciam o capítulo relembrando que tanto Wittgenstein quanto Vigotskii estiveram empenhados na revisão crítica dos paradigmas científicos disponíveis no tempo em que viveram buscando expressar seu descontentamento com os procedimentos metodológicos, instrumental epistemológico e vieses dos métodos empregados para o conhecimento da atividade tipicamente humana. Afirmam que o descontentamento de ambos (Wittgenstein e Vigotskii) com os modos de pensar a colaboração de conhecimentos acerca da vida humana é o que os aproximou (os autores) da concepção vigotskiana do desenvolvimento e da filosofia da linguagem wittgensteiniana.

No item Wittgenstein Holzman&Newman mencionam o artigo que publicaram em Prática - Revista de Psicologia e Economia Política intitulado Um Novo Método para Nossa Loucura [A New Method to Our Madness] como exposição inaugural de suas opiniões críticas acerca das práticas hegemônicas da clínica terapêutica.

Reiteram que os escritos de Wittgenstein publicados entre 1919 e 1950 viraram a filosofia ocidental de ponta cabeça e expõem uma breve biografia deste pensador austríaco destacando sua aproximação inicial do pensamento antisemita, protonazista e homofóbico de Otto Weininger posteriormente revista autocriticamente pelo próprio Wittgenstein.

Revelam que o Wittgenstein maduro expressou sem temor seus tormentos por sua homossexualidade, origem judaica e a rigidez moral infligida pela vida profissional acadêmica em Cambridge, Inglaterra - onde atuou como notável representante dos interesses da burguesia e aristocracia intelectual européia.

Esclarecem que logo após a publicação de seu Tratado Lógico-Filosófico (discutido no capítulo terceiro) o próprio Wittgenstein teria sido o primeiro a reconhecer seu dogmatismo e equívocos conceituais tendo repudiado suas ideias ali divulgadas – algo que pode ser constatado, por exemplo, ao se conferir o prefácio à sua obra póstuma Investigações Psicológicas [Psychological Investigations] ou a biografia dele elaborada por Monk intitulada O Preço do Gênio [The Duty of Genius], publicada em 1990.

Informam que a filosofia antifilosófica de Wittgenstein da fase tardia lhes forneceram importantes subsídios para formularem sua abordagem clínica performáticocultural à vida emocional das pessoas. Revelam que a denúncia de Wittgenstein de que somos todos pessoas doentes e de que grande parte do que nos faz doentes é o modo como pensamos teria repercutido intensamente neles impactando seus modos de conceber a clínica.

Isso teria oportunizado a emergência de ânimo renovado na busca por novos ângulos para o olhar autocrítico-reflexivo a respeito de suas próprias práticas clínicas e os conduziu a libertarem-se da sobredeterminação de representações sociais ou semblantes (cadeias de significados aos quais nos apegamos de modo muitas vezes não consciente) desconectando o pensamento do processo histórico e cultural de fetichização (naturalização) das concepções mais cotidianas e predominantes da linguagem - que absolutamente descartam a problematização ideológica de sua dimensão signitiva ao reforçarem sua função comunicativa ou referencial, denotativa.

Wittgenstein e seu pensamento revolucionário, afirmam os autores, os auxiliaram a conceber a linguagem - o processo de produção da linguagem - como fenômeno que não se submete a nenhuma regra “oficialmente” deliberada – embora isso seja em geral aceito sem objeção pelas pessoas.

Encerram o subitem reafirmando seu compromisso com a de(s)construção da sobredeterminação fetichista (naturalizante) da linguagem e da linguagem científica em particular para revelar a extensão de submissão do pensamento das pessoas comuns a noções, assertivas e pressuposições ideologicamente contaminadas por relações assimétricas de poder tendo em vista o controle social massificado de seus modos de ser e pensar.

Com este objetivo de(s)construtivo instituíram a abordagem clínica performáticocultural como útil à uma prática terapêutica pós-modernista que ambiciona a retomada do fluxo do desenvolvimento humano, paralizado pela estática aristotélica (pré-condição do pensamento científico modernista).

No subitem Vigotskii [Vygotsky] expõem de modo abreviado a biografia do eminente psicólogo judeu bielo-russo destacando seu papel decisivo na fundamentação do pensamento filosófico marxistamodernista. Porém, conseguem identificar a gênese das abordagens contemporâneas ao psiquismo humano em suas ideias de inspiração marxiana particularmente quando este propõe o entendimento do método marxistamodernista (instrumento-para-resultado) como ferramenta e produto do estudo permanentemente atualizado (instrumento-e-resultado) lançando as bases teórico-práticas para a posterior colaboração de uma genuina epistemologia pós-modernista.

Revelam que o denso estudo do pensamento vigotskiano os levou a compreender a metáfora da zona de desenvolvimento proximal – que refere a epistemologia pós-modernista – como o lugar da vida sendo vivida inseparavelmente dos modos de ser e pensar das pessoas. Consideram que a permente atualização das práticas no instante em que são vividas produzem o ambiente sócio-históricocultural no qual os seres humanos colaboram, organizam e reorganizam suas relações uns com os outros e com o mundo natural, ou seja: a vida humana propriamente dita tomada simultaneamente “em si” e “para si.”

Reafirmam que as ideias de Vigotskii e Wittgenstein se fortalecem ao serem reunidas na síntese que propõem e passam a detalhar, nos subitens subsequentes, como ocorre seu aproveitamento na abordagem clínica performáticocultural criada por eles.

No subitem Cultural Não Cognitivo [Cultural Not Cognitional] ressaltam que tanto Wittgenstein quanto Vigotskii revelam as pressuposições e assertivas ideológicas que caracterizam a metafísica subjacente à filosofia e ciência hegemônicas ocidentais mas que Wittgenstein é mais enfático ao caracterizar a “metafisicalização” como “doença”, e o papel que a linguagem reificada tem no processo de mascaramento das relações assimétricas de poder nos mecanismos para controle cognitivo ou “paralização” do pensamento.

Segue-se a problematização de resultados de pesquisas pós-vigostianas que, do ponto de vista dos autores, permanecem fiéis ao “credo” cognitivista (racionalista-modernista) por não conseguirem ir além do “interpretativismo” dos jogos de linguagem em interações entre sujeitos com diferentes níveis de imersão cultural.

Seguem dando maior visibilidade aos fundamentos de sua abordagem provocativa no próximo subitem intitulado Visões acerca do Vocabulário da Mente [Views on the Vocabulary of the Mind].

Neste trecho do capítulo os autores distinguem dois tipos de visão nos descritores verbais da mente: a visão pictórica e a pragmática. A pictórica sendo fundamentalmente referencial sustentatia a clínica psicoterápica na qual o terapeuta apóia o sujeito na descrição de seus estados mentais internos procurando possibilitar uma descrição convincente, coerente e o mais honesta possível de seus estados emocionais. Neste tipo de clínica o terapeuta atribui a condutas não normativas rótulos padronizadores que “tranquilizam” o sujeito e seus familiares numa espécie de transcrição para o vocabulário especializado oficial da área de saúde mental.

Esclarecem que este tipo de clínica diagnóstica tem sido alvo de severas críticas embora seja o modo predominante dos tratamentos terapêuticos baseados na escuta dos depoimentos verbais do sujeito. Destacam o pioneirismo de Wittgenstein na objeção a este tipo de “preenchimento signitivo” da fala dos sujeitos por parte dos terapeutas e a apropriam-se de sua promissora noção de jogo de linguagem por parte de adeptos da visão pragmática – que destacam o uso instrumental de palavras em circunstâncias sociais específicas para o alcance do sentido “verdadeiro” do que é dito.

Em resumo, tanto a visão pictórica – uso signitivo referencial de palavras  - quanto a visão pragmática ou metapiscológica - usos sociais específicos de palavras – seriam, na opinião dos autores, insuficientes para revelar a impregnação ideológica reificadora ou naturalizante da linguagem. Para eles, apenas a vida sendo vivida de modo relacional atualizado (performático) é capaz de movimentar os processos de colaboração de significação nos usos da linguagem. Relembram-nos a atualidade da assertiva vigotskiana de que o pensamento não pode ser totalmente expresso em palavras; que elas (as palavras) apenas o completam.

Finalizam o subitem destacando o posicionamento vigostkiano-wittgensteiniano radicalmente contrário à visão cartesiana de adesão do referente (signo) à realidade objetal referida (objeto).

No subitem Performando a Diagnose [Performing Diagnosis] revelam que a Psicologia amparada na adesão do referente ao referido tornou-se o “paraíso” para a alienação (separação do produto do seu processo de produção) e que a Diagnose Clínica e seus artefatos para classificação padronizada “oficial” converteu-se no “trono celestial” sob o qual assenta-se a terapêutica tradicional.

Explicam que a escuta nos grupos de terapia social não tomam os enunciados como verdadeiros ou falsos; que eles são considerados falas de um roteiro improvisado (à moda da commedia dell’arte) colaborado poeticamente por todos; que não existem respostas a serem encontradas; que os terapeutas e demais membros do grupo não se encontram em busca de conhecimento; que o diagnóstico é performado colaborativamente de modo provisório não punitivo, não estigmatizante, não constrangedor, não autoritário.

Finalizam o subitem esclarecendo que estão convencidos de que, para eles, não é o diagnóstico que faz mal, mas é a sua suposta “verdade” alienada, autoritária, privada - advogada pela padronização classificadora da Psicologia Hegemônica - que gera grande sofrimento e dor.

Passam a expor o último item do capítulo intitulado Formas de Vida e Formas de Alienação [Forms of Life and Forms of Alienation] no qual definem a Psicologia Científica como o processo de mercantilização da subjetividade humana denunciando a “bruxaria” modernista como responsável por seu encantamento e exortação à adesão “alienada” aos valores capitalistas.

Denunciam que as supostas abordagens clínicas “científicas” ao tratamento da saúde mental desumanizam o sujeito por convertê-lo em um repositório bioquímico e um joguete para se obter remuneração com base na classificação de sua “enfermidade” conforme a padronização medicalizante para as “desordens” de comportamento (formas de ser não normativas).

Consideram indecente a aplicação grosseira do modelo epistêmico científico para entendimento da dimensão relacional da vida humana sendo vivida.

Retomam a noção wittgensteiniana de “formas de vida” para referir a dimensão paradoxal e dialética do ser humano capturado por formas de alienação no mundo capitalista para em seguida propor um programa de alerta para as armadilhas da alienação no mundo contemporâneo:

(1) Apoiar a organização e reorganização continuada da atividade relacional;

(2) Encorajar toda e qualquer atuação (performance) em favor da democratização não coercitiva, não opressora;

(3) Persistir na conversão das formas de alienação em formas de vida.

Finalizam o livro e sua exortação à prática de abordagens performáticoculturais na clínica psicoterápica advertindo que a criação de condições para emergência de formas de vida não suprime as formas de alienação porém altera radicalmente a relação das pessoas no mundo em que estas últimas são encontradas.

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