segunda-feira, 7 de março de 2011

ERA UMA VEZ A PSICOLOGIA CIENTÍFICA... (34)

O sétimo capítulo intitulado Psicologia e Desenvolvimento Humano: O casamento ideal(ista) [Psychology and Human Development: The Ideal(ist) Marriage] encontra-se organizado em três grandes itens: O Imperativo Evolucionista [The Evolutionary Imperative], Psicologia do Desenvolvimento e a Construção da Criança [Developmental Psychology and the Construction of the Child] e O que Desenvolve? [What Develops?]


Neste capítulo os autores reiteram que a Psicometria, a Psicologia Organizacional, a Psicologia Educacional e a Psicologia Clínica foram moldadas pela demanda por seus produtos por parte do Mercado; que estes, consideradas mitos ou não, são ramos da Psicologia desenvolvidos utilitariamente para serem campos de aplicação de artefatos psicológicos tendo em vista a comercialização.

Explicam que suas origens se encontram na Psicologia do Desenvolvimento (nascimento, crescimento, maturidade, envelhecimento e morte dos seres humanos) – um tema que sempre despertou interesse e curiosidade muito antes da emergência do capitalismo industrial; acrescentam que, do mesmo modo como a construção do consumidor no final do século XIX e início do século XX solicitou uma psicologia “adequada”  à nova organização político-econômica das forças produtivas, o pensamento modernista demandou a “rotulação”,  “testagem de inteligência” , “mensuração” do desempenho em tarefas específicas e “estratégias” para o treinamento de trabalhadores objetivando o alcance de maior produtividade possível a menor custo e consequentemente incrementar a sua mercantilização.

A seguir relatam como a Psicologia Hegemônica construiu o mito do desenvolvimento e o mito da infância e de que maneira estes mitos foram úteis na consolidação do “conto” da sua natureza “científica.”

Destacam que os estudos modernistas do desenvolvimento humano estão embebidos em concepções filosóficas a respeito de como se pensa a criança e a infância através dos séculos -  o que implica uma epistemologia coerente com determinado ponto de vista; que a questão inaugural da Psicologia do Desenvolvimento retoma pressupostos filosóficos ancestrais sobre o psiquismo tipicamente humano [Developmental Psychology’s own epistemology... is in fact a restatement of philosophy’s fundamental pressupositions about the mind (p.134)]: Como e o quê os adultos sabem, pensam e sentem  poderia ser compreendido a partir da observação do processo de crescimento físico e intelectual das crianças?

Constatam que os resultados obtidos através dos vinte séculos de estudos e discussões sobre a humanidade são ironicamente inúteis para qualquer descoberta historicamente significativa – tanto da do pensamento filosófico antigo quanto da ciência “modernista”.

No item O Imperativo Evolucionista Holzman&Newman esclarecem que pretendem abordar criticamente aspectos da Psicologia Evolucionista de David Buss a partir do olhar pós-modernista contemporâneo comprometido com a colaboração de um novo paradigma ou modelo epistemológico que sirva para reunir abordagens teóricas fragmentadas no intuito de despir a Psicologia de sua “crise identitária”, agravada ao longo do século XX.

Revelam que Buss chega à conclusão em seu livro Investigação Psicológica [Psychological Inquiry] publicado na década de noventa do século passado (sec. XX) de que as muitas questões sobre as origens da natureza humana que sempre despertaram paixão e interesse ao longo dos séculos podem ser agrupadas em apenas três grandes tendências: (1) O Criacionismo – criação divina do ser humano, (2) A Transplantação [Seeding theory] - seres humanos teriam origem extraterrestre e (3) Darwinismo [Seleção Natural]   - seres humanos evoluíram de formas de vida animadas, sem sistema nervoso, através de sucessivas mutações genéticas e ambientais.

Explicam que Buss desqualifica as teorias do Criacionismo e da Transplantação agumentando que elas não fornecem uma explicação satisfatória à curiosidade intelectual “científica” e que resta aos psicólogos e as pessaoa escolarizadas a crença de que o sofisticado funcionamento psíquico da humanidade desenvolveu-se à moda evolucionista através da “seleção natural.” Segundo os autores, Buss sugere que o “duro” confronto entre causas biológicas e ambientais para justificarem o funcionamento mental humano poderia ser aniquilado por seu conceito (ingênuo, na opinião dos autores) de “Mecanismo Psicológico Desenvolvido” [Evolved Psychological Mechanism]; que Buss chega a propor uma dezena rizível de mecanismos “fossilizados” que teriam sido “ativados” ao longo do processo de “adaptação” à moda de Darwin.

Para enfatizar o ridículo da teoria bussiana e de seu “novo” paradigma que sustenta sua análise grotesca e pseudocientífica (Mecanismo Psicológico Desenvolvido)  recorrem a Morss citando fragmentos de seu livro intitulado A Biologização da Infância: Psicologia do Desenvolvimento e o Mito Darwinista [The Biologising of Childhood: Developmental Psychology and the Darwinian Myth] em que Morss alerta para o perigo da psicologia do desenvolvimento render-se à lógica evolucionista e se tornar um caminho “com viseiras” que despreza os saberes colaborados pelas ciências sociais a respeito da vida humana. [... A blind alley in the upward progress of the social and life siciences. (p.136)]

Os autores concordam com Morss de que Buss, ao pretender ser darwinista termina por reafirmar concepções lamarkianas pré-darwinistas particularmente quando propõe a “repetição” de  momentos da trajetória evolutiva da mente através do que denomina “mecanismos fossilizados.”

Lembram-nos que Darwin distinguiu-se de seus antecessores por ter formulado o conceito de SELEÇÃO NATURAL como processo contínuo de mudanças não teleológicamente orientado ou sem um determinado fim.

Acrescentam que o aspecto revolucionário da teoria de Darwin, ao contrário do que se constuma enfatizar, não é a noção de hereditariedade mas a ideia de MUDANÇA.

Explicam que Morss e o pensamento pós-moderno defendem o Pós-Darwinismo e não a ressureição do Darwinismo, em outros termos: que a pós-modernidade pressupõe o aproveitamento crítico das contribuições do pensamento modernista.

Discutem como o conceito de Seleção Natural passou a ser usado para a manutenção e fortalecimento dos mitos da Psicologia “científica” no próximo item intitulado Psicologia do Desenvolvimento e a Construção da Criança [Developmental Psychology and the Construction of the Child].

Iniciam este item com o subitem O Que São As Crianças e Para Que Servem? [What Are Children and What Are They For?]

Sustentam que a Psicologia do Desenvolvimento originou-se como um ramo dos estudos sobre a criança e que teria sido o mesmo Darwin da Teoria da Seleção Natural quem dera início ao acompanhamento sistemático do crescimento e formação de competências ao longo da infância baseando-se na observação longitudinal dos modos de agir de seu próprio filho. Esclarecem que o interesse de Darwin dirigia-se para evidências da “passagem” dos humanos do mundo animal para o mundo da cultura ao longo da filogênese, e que a descoberta das leis da hereditariedade acabaram por serem generalizadas vindo a influenciar os estudos subsequentes dos modos de ser durante a infância elaborados por psicólogos do desenvolvimento dos quais Piaget tornou-se o mais amplamente conhecido.

Lembram-nos a importante contribuição de Philippe Ariès quando este destaca as origens histórico-culturais das diferentes concepções sobre a infância ao longo dos séculos baseando-se na comparação das crônicas sobre a criança e dos modos como estas eram retratadas pelas obras de arte. Esclarecem que Ariès auxilia-nos compreender como a Criança foi concebida inicialmente como um adulto em miniatura e as razões da “descoberta” da infância durante o século XVII enquanto exigência de várias mudanças econômico-culturais e morais da sociedade européia; que ela (a criança), inicialmente foi pensada de modo “romântico” como organismo biologicamente imaturo mais próximo do “mundo natural” e que chegou até mesmo ser comparadas com o “homem primitivo” e com pessoas insanas ao longo do século XIX.

Revelam que, para os norte-americanos, G. Stanley Hall é considerado o “pai” da Psicologia do Desenvolvimento e que seu pensamento contribuiu muito para a consolidação dos mitos contemporâneos da Psicologia sobretudo por basear-se em uma abordagem “estática” do conhecimento e da “alma” humana; que Hall, fervoroso adepto da Teoria da Recapitulação, acreditava e defendia que o ser humano ao longo da infância repetia de modo abreviado a trajetória evolutiva da civilização ocidental e que teria sido seu pensamento o responsável por popularizar o “censo psicométrico” na avaliação em larga escala de escolares como procedimento “científico” para coleta de dados sobre a distribuição de suas características mentais “naturais.”

Afirmam que os estudos sobre a Criança foram fortemente impactados logo a seguir pelos sofisticados mecanismos estatísticos da época em que a Psicologia viu-se ocupada com a obsessão pelas diferenças individuais conforme o exposto no capítulo quinto do livro.

Ao fazer equivaler a idade mental à idade cronológica dos  indivíduos - “medidos” pelos artefatos psicológicos artificialmente criados - propagou-se a crença de que estes eram procedimentos “confiáveis” para detectar desvios de conduta de uma “normalidade” biológica e universalmente idealizada.

Argumentam que este modo “modernista” de pensar implica em considerar natural e normal a evolução descartando qualquer possibilidade genuína de alteração do curso do desenvolvimento. Enfatizam o questionamento vigotskiiano desta visão “míope” citando-o longamente quando ele enfatiza a necessidade de se compreender o desenvolvimento não como uma linha contínua mas como trajetória em saltos qualitativos provocados por rupturas em modos de agir ao longo de sua imersão cultural. Nesta concepção histórico-dialética do desenvolvimento de Vigotskii os autores vislumbram a antecipação do pensamento e insistência pós-moderna na relevância dos fatores sócio-econômicos na colaboração de visões de mundo.

Defendem que o reducionismo biológico e behaviorista são lados de uma mesma moeda e que, ao lado do racionalismo filosófico, sedimentaram-se nas práticas hegemônicas acadêmicas de pesquisa em Psicologia.

Denunciam que a concepção de Criança que sustenta estas práticas pressupõe que ela (a Criança) seja um organismo fundamentalmente passivo capaz de ser modelado e treinado para satisfazer anseios de sua atuação adequada conforme costumes socialmente valorizados- que se encontram absolutamente desconectados dos seus genuínos fundamentos políticos, econômicos e histórico-culturais.

Relembram que as crianças sempre foram consideradas como possuindo algum valor econômico para o trabalho na atividade agrícola dos tempos pré-industriais e, na era industrial, como mão de obra barata, em minas e fábricas, ressaltando que apenas a partir do ativismo político - tendo em vista o combate ao trabalho e exploração infantil - emergiu a necessidade da infância ser reconceptualizada.

Referem-se aos “desconcertantes” estudos sociológicos de Viviana Zelizer para elucidar as mudanças de atitude em relação à Criança por parte da sociedade norte-americana particularmente no livro Dando Preço à Criança sem Preço [Pricing the Priceless Child] no qual é exposta a sobreposição do valor sentimental dos cuidados com a infância ao seu valor “econômico” como exigência posta pela complexificação da organização das forças produtivas no capitalismo, sem satanizar este modelo econômico. [Her data are disconcerting (p. 142)].

Afirmam que os estudos de Zelizer são úteis em socorro ao ponto de vista pós-modernista de que o desenvolvimento – a atividade relacional e social humana – não pode ser pensado como “abstração” dissociada dos modos de organização sócio-econômica e histórico-cultural da humanidade ou como um processo “linear” desconectado dos produtos que cria e dos mecanismos que os tornam “naturalizados”.

Reiteram que o desenvolvimento deve ser concebido como continuidade não pragmática, como algo permanentemente em movimento ou em emergência.

No subitem Desenvolvimento como Auto-Construção [Development as Self-Construction] destacam o importante papel de Piaget e de sua Teoria do Desenvolvimento Cognitivo Infantil (Epistemologia Genética) para a consolidação do prestígio da Psicologia do Desenvolvimento e o entendimento de que a Criança é ativa na construção de conhecimentos e que pensa de modo diferente dos adultos.

Consideram que o modelo cognitivista piagetiano contribuiu bastante para a manutenção do “conto” da Psicologia Hegemônica por propor uma Criança abstrata e singular em conformidade com os pressupostos do pensamento cartesiano-kantiano-freudiano; que, na contemporaneidade, os estudos críticos da obra de Piaget subdividem-se em duas grandes tendências: o neopiagetianismo (que toma a Criança como hereditariamente “genial”) e o coconstrutivismo ou socioconstrucionismo pós-modernista (que enfatiza sua interatividade destacando o papel dos fatores histórico-culturais em seu processo de desenvolvimento cognitivo sob influência do pensamento de Vigotskii e da Teoria Histórico-Cultural da Atividade).

Dividem este subitem em dois títulos: (1) A neta de Kant: A Psicologização do Conhecimento [Kant’s Grandchild: The Psychologizing of Knowledge] e (2) A neta de Freud: A intelectualização do Ego [Freud’s Grandchild: The Intelectualizing of the Ego] que têm por objetivo uma crítica mais pormenorizada do conceito de sujeito epistêmico piagetiano destacando seus fundamentos kantianos e da crença de Piaget no egocentrismo infantil (baseada na dicotomia dos mundos interno-externo/privado-social) revelando sua natureza essencialmente psicanalítica.

Recorrem à pertinente objeção vigotskianas à interpretação piagetiana para a “fala egocêntrica” (fala interior não oralizada) transcrevendo-a em duas citações “clássicas” que lançam por terra o edifício da epistemologia genética.

Apresentam o subitem  A Construção do Eu Deconstruida [Self-Construction Deconstructed] no qual são apresentados resultados de pesquisas contemporâneas comprometidas com a perspectiva pós-modernista de entendimento do desenvolvimento do psiquismo tipicamente humano na infância particularmente os obtidos por James Wertsch e Daniel Stern nos quais são ressaltados análises não interpretativas das falas em interações verbais entre mãe e filho levando em conta a dimensão lúdica e criativa de significações colaboradas entre adultos e crianças.

Embora considerem os estudos de Wertsch e Stern um avanço no sentido de ultrapassar os vieses congnitivistas comprometidos com uma ontologia “individual” julgam que ambos acabam reforçando a crença no “conto” da Psicologia Hegemônica conforme denuncia Cushman em Ideologia Obscurecida: Os Usos Políticos da Criança de Daniel Stern [Ideology Obscured: The Political Uses of Daniel Stern’s Infant].

Para os autores o pressuposto filosófico do Eu é o núcleo duro da construção do mito da Psicologia Hegemônica o que os leva a defender a de(s)construção do Eu “modernista” para revelar o processo de “naturalização” ou “apagamento” de sua dimensão política e ideológica amparando-se na relevante argumentação críticofeminista de Burman.

Reafirmam seu compromisso com a crítica pós-modernista na investigação dos vieses filosóficos e metodológicos que impregnam o pensamento modernista e a necessidade de ser ressaltado como ideologias de classe e gênero culturamente colaboradas interferem em suas interpretações, explicações e afirmativas contribuindo para a manutenção da crença em seus mitos hegemônicos.

No item O Que Desenvolve? [What Develops?] expõem a relevância de serem denunciados os processos de construção dos mitos da Psicologia Hegemônica e a derrubada da argumentação de seus principais defensores (Lamarck, Darwin, Hall, Piaget, Freud, Stern, Wertsch, Kaye) por parte dos principais advogados do pensamento pós-moderno  (Morss, Cushman, Burman) ao formularem o questionamento mais desafiador da contemporaneidade: O que desenvolve?

Para os autores, só a partir de uma abordagem corajosa será possível discutir quais sejam as fronteiras da pessoa ultrapassando o entendimento do corpo como única resposta.

Encerram o capítulo e a segunda parte do livro indagando retórica e retumbantemente se haveria na perspectiva de uma psicologia acientífica e não filosófica uma unidade de análise ou mesmo a necessidade de qualquer consenso sobre o que venha a ser o desenvolvimento humano e até em buscar saber se a manutenção dos mitos da Psicologia Hegemônica dependem ou não do desenvolvimento das pessoas.

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