segunda-feira, 7 de março de 2011

ERA UMA VEZ A PSICOLOGIA CIENTÍFICA... (32)

Em O Tema da Psicologia Revisto [The Subject Matter of Psychology Revisited] os autores explicam que após a breve apresentação que fizeram da “freudinização” da cultura de massa norte-americana irão retomar o tema da Psicologia, reafirmando a necessidade de se compreender o papel decisivo da cultura de massa para o processo de normatização da anormalidade e hegemonização da crença no “conto” do indivíduo isolado.

Apresentam um histórico do expansionismo da demanda por tratamento da Saúde-Mental focalizando o crescimento e fortalecimento da autoridade da APA e a feminização da profissão de psicólogo antes de abordarem os problemas da Classificação e sua dimensão interpretativa na elaboração das narrativas de interesse da Psicologia Hegemônica no subitem intitulado A Confecção do Mito Classificatório, Interpretativo e Explicativo [Classificatory, Interpretive, and Explanatory Myth Making].

Argumentam que, embora as conexões da Psicologia com a Indústria e Educação sejam os melhores exemplos de sua tentativa esperta de conquistar um lugar entre as formas mais vulgares e pragmáticas para a comercialização de seus “produtos” junto ao Mercado e ao Estado, é a ascenção e expansão da psicologia clínica e da psicoterapia que melhor testemunham os processos fantasiosos e ficcionais de taxonomia (sistema de classificação) em nome do cientificismo. Que este esforço em criar um “ciência objetiva do subjetivo” termina por produzir um “novo” modo particular de entendimento do psiquismo tipicamente humano – que sustenta-se em velhas concepções ontológicas.

Argumentam que tanto as velhas como “novas” concepções de qualidades que distinguem os humanos dos demais seres vivos e da natureza inanimada (consciência, intencionalidade e emocionalidade) - que localizam a subjetividade humana para além das fronteiras das manifestações biológicas das enfermidades (localização de disfunções em órgãos como pulmões, cérebro etc)  - admitem, todas, que os estados de saúde-doença mentais antes de serem encontrados no organismo têm origem imaterial pertencendo exclusivamente à pessoa; que isso deu origem a uma suposta “ciência objetiva da subjetividade” – que acabou resultando em uma “pseudociência subjetiva do irreal” por converter a Psicologia (particularmente a psicologia clínica e a psicoterapia) em uma espécie de “Religião”. Explicam que os rótulos das enfermidades mentais acabaram sendo idolatrados como deuses homéricos; e que a aliança do Freudismo à Ciência e à Tecnologia desempenharam papel central nesse processo de mistificação.

Fazem questão de esclarecer no entanto que apesar dos usos interessados da psicanálise pela Indústria, Midia e Psicologia, Freud foi o responsável por localizar a loucura na sociedade civil e por romper as muralhas entre os considerados “loucos” e  “normais.”  Para sustentar seu ponto de vista apoiam-se em pensadores que também consideram a doença mental, psicopatologia, neurose, esquizofrenia etc como categorias muito mais impregnadas de moralismo do que “científicas” citando Goffman, Ingleby, Szasz, Dleuze e Guatarri entre outros para justificar o que afirmam.

Denunciam que a ingenuidade empresarial norte-americana foi a responsável pelo gerenciamento da Psiquiatria e Psicologia estadunidenses mesclando o método interpretativo à teoria freudiana para melhor servir ao modelo positivista. Que isso resultou na “coisificação” (naturalização ou reificação por alienação ou desvinculação de sua natureza histórico-cultural) e consequentemente na medicalização da subjetividade e emocionalidade humanas – um processo que se entende da perspectiva pós-moderna como ficcionalização da saúde-doença mental.

Revelam que em sua opinião o “conto” da doença mental pode ser comparado ao que a perspectiva pós-moderna considera o grande “golpe” da Psicologia: a “venda” de uma pseudociência classificatória, interpretativa e explicativa do psiquismo tipicamente humano como “ciência.”

Reiteram que a pós-modernização da Psicologia - a de(s)construção/revelação de sua dimensão narrativa/ficcional – requer esforços para prosseguir buscando caminhos não filosóficos, assistemáticos, acientíficos para a prática de uma metodologia radicalmente honesta que possibilite a emergência de abordagens não classificatórias, não explicativas, não interpretativas do ser humano.

Propõem-se a discutir a problemática da Classificação, Interpretação e Explicação de modo mais denso neste subitem.

A abordagem crítica da Classificação inicia-se com o esclarecimento de que reduzir a Psicologia à medicalização não a despe de sua natureza metafísica.

Recorrem ao pensamento de Foucault para constatar como a Medicina Modernista localiza interessadamente a doença no interiror do indivíduo embora se possa encontrar indícios de que já nos séculos dezesete e dezoito ocorram descrições metafóricas de causas até então consideradas genéticas e imutáveis como ocorrendo influenciadas por uma espécie de crescimento do tipo “botânico” (determinado por condições ambientais). Que a metaforização da “objetificação” da doença representa uma importante  e monumental manobra no curso da epistemologia por relacionar de modo mais contundente as percepções com o discurso sobretudo através da metáfora foucaultiana do “Véu” – do ver além do “observável” [from seeing only what was visible to seeing what is invisible – what is seeable but not seen (p.117)]

Os autores revelam que este novo modo de abordar a doença – levando-se em conta o “Véu” foucautiano - abriu promissoras perspectivas para a linguagem “científica” e originou uma distinção entre profissionais de saúde e médicos e a reorganização das práticas de tratamento e formação para exercício dos cuidados com as enfermidades à moda burguesa – da experimentação de tratamentos não ortodoxos de enfermos “pobres” em asilos para aplicação no cuidado e atenção à saúde físca e mental na clínica dos “ricos.”

Relatam como se deu a impregnação da metaforização do diagnóstico médico das afecções físicas para a esfera do tratamento da doença mental reiterando que mesmo a “nova” abordagem clínica interpretativa não foi suficiente para serem abandonados os intrumentos positivistas (modernistas) usados na classificação das enfermidades desde os tempos pré-socráticos.

Contrapõem-se abertamente ao entendimento da realidade como um objeto que se apresenta já dado - compreendida como existindo independentemente do modo sistemático com que é pensada e descrita - afirmando que a natureza mística do método científico tem sido insistentemente assinalada por Wittenstein, Gödel, Quine, Kuhn e Gergen e muitos outros anunciadores do pensamento pós-moderno.

Denunciam que a classificação psiquiátrica e psicológica é a sistematização de doenças “inventadas” e não “descobertas” como a Psicologia Hegemônica quer nos fazer crer. Que o tema genuíno da Psicologia – o mundo intramental da subjetividade humana, que fora originalmente o objeto dos estudos inaugurais de Wundt – foi subvertido e substituído deliberadamente por uma ficção facilmente manipulável através da naturalização/alienação de rótulos “científicos”. Que, do ponto de vista pós-moderno, a Psicologia Hegemônica (Modernista) permanece Mito e Religião ancestrais embora travestida de “cientificismo”.

Passam a discutir a problemática da Interpretação problematizando a insuficiência do sistema de classificação adotado pela Psicologia “científica” - que oscila entre a explicação e previsão de fenômenos e simultaneamente enfatiza a singularidade do ser humano apoiando-se em uma contradição mal resolvida - em nome da preservação da sua “cientificidade”.

Invocam o conceito de inconsciente de Freud utilizado como justificativa para análises consideradas rigorosas da dimensão metafórica do sofrimento psicológico assinalando sua natureza acientífica amparando-se no pensamento marxista-modernista de Timpanaro. Ressaltam que este pensador considera o método interpretativo como místico em razão de sua natureza não científica mas que, para os autores, é o entendimento da mística que está por trás das pressuposições filosóficas e religiosas do sistema “objetivo” de classificação, que tradicionalmente toma as coisas em si mesmas reforçando o dualismo, o racionalismo e outras abstrações, o que precisa ser denunciado.

Para Holzman&Newman a interpretação amparada em Freud pode justificar a manutenção de visões econômico-ideológicas como o neoliberalismo e contraditoriamente auxiliarem na revelação da “coisificação” como prática cultural no mundo sob o capitalismo mas que a ênfase da subjetividade que interessa ao pensamento modernista reforça a reificação/naturalização de artefatos culturais separando/alienando produtos dos seus processos de produção. Para eles, o freudismo foi um recurso empregado pelos modernistas para distorcer o modo genuíno como se dá a produção da “normalidade.”

Encerram o subitem questionando a Explicação modernista que se sustenta na “metafísica estatística” para reforço do “conto” da cientificidade dos laudos da Psicologia Hegemônica na qual personalidade, habilidades e competências individuais são “objetivamente” medidas e rotuladas por comparação do desempenho pessoal com a média de desempenho de grandes grupos de indivíduos. Amparam-se em Kvale e Newman para destacarem a natureza “entorpecente” deste tipo de entendimento “tosco” - que tem em vista o desempoderamento da subjetividade pessoal e submissão dos indivíduos à crença na “naturalidade” dos artefatos culturais - produzidos sócio-históricamente – mas pensados como “leis gerais” para sua conduta; que este é o “bife com fritas” oferecido pela Psicologia Hegemônica para “calar” a “fome” por sua cientificização [The artificial generation of “general laws” or descriptions which subtextually  imply “general laws”, as in DSM-IV, is the meat and potatoes of psychology’s claim to scientific status. (p. 129)].

Passam a expor de modo abreviado a influência do behaviorismo e do papel de John Watson na popularização da “cientificização” da Psicologia “oficial” particularmente na América do Norte a partir dos anos sessenta, e também seu abrupto declínio após a divulgação de procedimentos behavioristas considerados não éticos em processos experimentais de condicionamento clássico de humanos que recorriam à “punição” de crianças com uso de pancadas por varas. Destacam como isso serviu para fortalecer a corrente regulamentação ética nos tratamentos psicológicos.

Revelam surpreendentemente que a denúncia das práticas metodológicas antiéticas dos laboratórios behavioristas foi usado como pretexto para sacrificar a carreira acadêmica de Watson  - que teria se envolvido afetivamente com um de seus colaboradores do mesmo sexo; que o escândalo só veio a público após sua mulher ter dado entrada em um processo de ressarcimento por danos morais baseado em violação da conduta sexual do companheiro então considerada inaceitável para a época segundo o apurado por Hunt em sua História da Psicologia [The Story of Psuchology].

Esclarecem que após o escândalo Watson foi contratado por uma poderosa agência de propaganda e passou a orientar campanhas publicitárias para venda de desodorantes, sorvetes, cigarros, café etc.

Encerram este capítulo do livro rememorando o uso hegemônico nas décadas iniciais do século XX das técnicas behavioristas em tratamentos clínicos da saúde-doença mental estadunidenses sobretudo pela forte influencia de Skinner a partir dos anos 50 mas que, ao final do século, tornou-se maior a rejeição pós-modernista à tentativa da Psicologia Hegemônica de pretender conciliar o interpretativismo freudiano e a especulação behaviorista generalizante de Skinner como justificativa de sua “cientificidade.”




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