Extrato & COMENTÁRIOS iniciais (2)
Statement and inicial comments to 2ND part of book
Nesta postagem segue o conteúdo condensado da segunda parte do livro Unscientific Psychology com meus primeiros comentários. O documento reúne as postagens numeradas de 20 a 34 publicadas em OBSERVE
A segunda parte do livro é a mais extensa e subdivide-se em quatro capítulos que possuem, cada um, vários ítens e subítens.
Antecedendo-os encontra-se uma breve apresentação dos assuntos que serão abordados neste trecho da argumentação dos autores (4º ao 7º capítulos) intitulado A História desconhecida da Psicologia: O Estado e a Mente [Psychology’s Unheard-of Story: The Stade and the Mind].
Iniciam por nos revelar que um dos favoritos passatempos de muitos ilustres e conceituados psicólogos particularmente dos que se dedicam à clínica e psicoterapia é fazer piada dos diagnósticos; que são muito frequentes o aproveitamento humorístico de citações do 4º Manual para Diagnóstico e Estatística de Disturbios Mentais /DSM-IV da Associação Norte-Americana de Psiquiatria de 1994 [Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV] – um compêndio com centenas de categorias e subcategorias de doenças mentais considerado “bíblia” da Psicologia Clínica.
Citam a descrição “técnica” de algumas síndromes que em geral são motivo para boas gargalhadas, que cabem serem transcritas aqui:
Desordem Hipoativa do Desejo Sexual: Deficiência ou ausência de fantasias sexuais e de desejo pela prática de sexo;
Desordem Dissociativa Geral Não Específica: Respostas não objetivas a perguntas que não representem Fuga ou Amnésia Dissociativa;
Desordem de Expressão Escrita: Combinação de dificuldades na habilidade pessoal para responder a testes escritos evidenciada por erros gramaticais e de pontuação na redação de sentenças, organização do texto em parágrafos muito extensos, múltiplos erros de pronúncia e caligrafia pouco legível.
Explicam que o objetivo deles ao acentuar o absurdo de tais descrições técnicas no manual “oficial” de distúrbios mentais é a incapacidade do DSM-IV de contribuir para o trabalho rigoroso dos especialistas e denunciar que os especialistas que ousam recusar seguí-lo têm seus postos de trabalho ameaçados sob a alegação de que “sem diagnóstico, não ocorre liberação de verbas para o tratamento nem pesquisa” [No diagnosis, no reimbursement (p.58)]. E o que é ainda pior: que os próprios pacientes em geral exigem um “laudo” oficial sobre o que há de errado com eles, ou seja, desejam confiantemente serem diagnosticados.
Seu ponto de vista é o de que qualquer pessoa minimamente instruída ao examinar o DSM-IV pode constatar tratar-se de algo que desavergonhadamente se afirma como Ciência. Esclarecem que, repleto de inconsistências, o DSM-IV revela contradições, categorizações arbitrárias e normativo-prescritivas. E perguntam-se indignados como algo tão obviamente acientífico sob variados aspectos pôde converter-se em guia hegemônico para as práticas de Saúde Mental particulrmente nos Estados Unidos.
Esclarecem que sua intenção nesta segunda parte do livro será problematizar a institucionalização da Psicologia como “Ciência” e o impacto de sua influência “científica” sobre o imaginário das pessoas, de governos, serviços sociais e educativos, práticas bélicas e políticas; e de como a humanidade passou a considerá-la um “recurso legítimo” para o alcance de propósitos na administração e controle das práticas humanas e socioculturais.
Em resumo, afirmam que seu objetivo é trazer a público várias e pertinentes abordagens críticas pós-modernas que questionam a pretensão da Psicologia de se autodefinir como Ciência; que buscarão demonstrar como historicamente, baseada na defesa de uma lógica da particularidade e do Eu, a Psicologia criou uma ontologia própria baseada em profecias autoconfirmadoras mascaradas por fundamentos pseudocientíficos.
Anunciam que nos capítulos da segunda parte do livro tratarão de alguns aspectos desta trajetória e sua repercussão sociocultural entendendo-a antes como uma “corrida para fazer mais dinheiro” do que como “uma inocente fábula ou mito.”
Seguem apresentando o quarto capítulo intitulado A Nova Ontologia e a Mitologia da Psicologia [The New Ontology and Psychology’s Mythology]
Este capítulo tem início com o item Em que pé estamos [Where we are now]. Nele os autores destacam o importante papel desempenhado pela 103ª Convenção Anual da Associação Norte-Americana de Psicologia/APA ocorrido em meados de agosto de 1995 na qual destacou-se a infiltração do pensamento pós-modernista em palestras, oficinas e simpósios denunciando a natureza acientífica da Psicologia ou questionado-a sobre seus inconfessáveis propósitos.
Relacionam títulos de simpósios e miniconferências que fornecem uma noção do foco das discussões na 103ª Convenção da APA entre os quais trancrevo aqui apenas alguns:
Competência em Saúde Mental: A Ciência justifica continuar o que fazemos? [Mental Healh Expertise: Does our Science Justify Continuing What We Do?];
Ilusão da Ciência no acesso clínico-diagnóstico e o Manual Estatístico-Diagnóstico/DSM [Illusion of Science in Clinical Assessment-Diagnosis and DSM];
Consulta para Mudança Paradigmática: a Superestimada Confiança no Modelo Medicalizante [Consulting for a Paradigm Change – The Overreliance on Medical Model];
Linguagem na Psicologia – Demarcando as fronteiras ontológicas e epistemológicas [Language in Psychology – Setting the Ontological and Epistemological Bounds].
Os autores lamentam que pouca informação tenha sido fornecida pelos organizadores do evento quanto aos territórios epistemológicos de onde migravam as abordagens críticas como o socioconstrucionismo, o de(s)construcionismo, a psicologia feminista, a hermenêutica, a análise do discurso, a terapia narrativa e que isso dificultou bastante identificar onde ocorriam as sessões de orientação pós-modernista prejudicando o comparecimento dos interessados no assunto.
Holzman&Newman constataram que as opiniões dos presentes ao final do encontro se dividiram em três grandes grupos: (1) Os que concordavam com as críticas mas, inabaláveis em seu pragmatismo, destacavam que sem o aval da Ciência os psicólogos seriam destituidos de sua competência legal e deixariam de ser remunerados; (2) Os defensores do status quo (estado em que se encontra a Psicologia), inquebrantáveis modernistas em suas convicções na defesa da física newtoniana e da universalidade (do Brooklin a Bangladesh) da Ciência; (3) A grande maioria que julgava pertinentes e oportunas as abordagens críticas e aplaudia a iniciativa de se discutir dessassombradamente os fundamentos epistêmicos da Psicologia na convenção da APA.
Para os autores, a Psicologia desde sempre enfrentou problemas mas só no final do século XX, precisamente em 1995, ano da 103ª Convenção da Associação Norte-Americana de Psicologia, teria ocorrido o vazamento do que permanecia até então por ela represado. E que essas revelações – atribuídas à infiltração do pensamento pós-moderno – teria abalado tanto a credibilidade da APA junto à opinião pública que a obrigou gastar milhares de dólares em campanhas por todo o país [Estados Unidos] para o resgate do valor científico da Psicologia – o que não impediu a eclosão de uma onda generalizada de descrença na Psicologia por parte de setores governamentais, corporativos, mídia e sociedade civil.
Explicam como as críticas pós-modernas resultaram em drásticas alterações legislativas que impactaram economicamente os psicólogos norte-americanos autônomos sobretudo pelo corte de verbas destinadas à pesquisa na área da Psicologia em geral e pela fusão dos ministérios da Educação e do Trabalho (tradicionais campos de aplicação dos recursos em psicologia educacional).
Revelam que as críticas pós-modernas concorreram para a criação do funcionamento de um sórdido sistema federal de gerenciamento e manejo de verbas destinadas ao tratamento clínico baseado em horas, repassadas exclusivamente às seguradoras privadas de Saúde (Planos de Saúde) – que, desde então passaram a ser exclusivamente responsáveis pela remuneração dos profissionais norte-americanos dedicados à psicologia clínica tomando por referência valores pré-fixados com base em planilhas de custo-benefício para os serviços a serem prestados.
Denunciam que os psicólogos clínicos norte-americanos encontram-se na contemporaneidade muito preocupados com o que julgam ser uma perda da sua autonomia profissional e com a queda vertiginosa na qualidade dos cuidados com a Saúde Mental das pessoas nos Estados Unidos; que foram surpreendidos com a velocidade das mudanças no sistema de atendimento à saúde na América do Norte e que não imaginavam que as críticas pós-modernistas servissem como pretexto para o Governo sucatear os serviços de assistência à saúde em geral e de que elas viessem abalar a crença na efetividade e rigor dos tratamentos clínicos de problemas psicológicos. Esclarecem que, ao contrário, acreditavam que suas críticas constituíssem um exortação para um amplo protesto público contra a dominação do paradigma modernista.
Afirmam que as modalidades de tratamento mais comumente usadas pelos norte-americanos para acompanhar dependentes de álcool, drogas ilícitas e outros distúrbios e transtornos compulsivos encontram-se baseadas na “autoajuda” [Self-help] exotérica ou confessional não profissional sob a responsabilidade de voluntários filantropos vinculados a uma pletora de organizações beneficentes do tipo Alcoólicos Anônimos e similares. Todavia ressaltam que os serviços profissionais mais do que nunca foram solicitados - exlusivamente para administração de terapias baseadas em medicamentos - relegando um papel secundário à psicoterapia.
Constatam que na Sociedade Pós-Moderna ocorre uma corrida desesperada em defesa da Psicologia como Ciência e do Paradigma Modernista minimizando suas profundas fendas epistemológicas. Lamentam que o bate-boca entre adeptos da psicoterapia e do tratamento medicamentoso não se deram conta ainda – ou não querem se dar conta – que ambos estão contaminados pelos viéses da metodolgia modernista e que têm sido ineficazes na supressão da dor e da psicopatologia. Defendem que, até onde se sabe, tais procedimentos clínicos informados pelo pensamento modernista têm se revelado incapazes de extinguir a violência entre pessoas e grupos, deter o fracasso escolar generalizado ou minimizar o sofrimento emocional da humanidade.
Concluem a apresentação do capítulo professando que, para eles e outros pensadores simpatizantes do pensamento pós-moderno (teórico-críticos, feministas, neomarxistas, psicólogos socioculturalistas, teóricos da atividade, socioconstrucionistas etc), o problema não reside no fato de a Psicolgia ser ou não “científica” mas de reconhecer que a Psicologia é um pseudociência. Na ampla perspectiva pós-moderna para o entendimento da vida humana as “fendas” no discurso afirmativo da Psicologia como Ciência resultam do seu esforço em decalcar de modo grosseiro a metodologia das ciências naturais. Este esforço é, do seu ponto de vista, a origem das fraturas observadas na “radiografia” epistemológica da Psicologia.
Passam a expor o próximo item do capítulo intitulado A Nova Ontologia [The New Ontology]
Neste item os autores defendem que a existência humana particularmente a partir do século XX passou a conviver cada vez mais com artefatos mentais de um tipo muito particular – os artefatos psicológicos; que tais artefatos vieram a ser “popularizados” na linguagem cotidiana das pessoas chegando ao ponto de serem banalizados em nosso dia a dia; e que invenções de laboratórios de pesquisa em psicologia clínica tais como “inteligência”, “comportamento”,“personalidade”, “neurose”, “depressão”, “pânico”, “desordem”, “transtorno”, “estatísticas e medições de capacidades”, “ego”, “id”, “estágios de desenvolvimento” e “dificuldades para aprender”, por exemplo, se tornaram tão “verdadeiros” para todos como são as árvores e as estrelas. E se perguntam estarrecidos como isso pode consumar-se.
Holzman&Newman explicam que a Ciência Moderna e o desenvolvimento tecnológico ganhou força com a emergência do mercantilismo e da industrialização capitalista. Consideram que os resultados práticos obtidos com a aplicação do modelo das ciências naturais na investigação da realidade material do mundo teria concorrido para o “transplante” do paradigma científico para os estudos do modo sócioculturalmente informado de pensar e ser dos seres humanos.
Lamentam profundamente que apesar de numerosos pensadores já a partir do século XVIII e XIX advertirem que as investigações em ciências humanas exigem um modelo distinto do que se aplica nas investigações de fenômenos naturais, o paradigma cientifico permanece trágica e incorretamente sendo hegemonicamente usado para o entendimento do psiquismo tipicamente humano.
Revelam que eles [os autores] não são os únicos a acreditarem que com o final do século XX isso passou a ser inaceitável. Consideram a avalanche de críticas pós-moderna à Ciência testemunho de que a problemática humana tem sido ainda terrível e incorretamente abordada.
Passam a expor as raízes do pensamento pós-moderno na Psicologia localizando-as nas proposições da teoria histórico-sóciocultural inaugurada por Vigotskii. Julgam ter sido Vigotskii, embora comprometido com o Marxismo, o primeiro psicólogo a sinalizar a necessidade de estabelecer uma ponte entre a tradição marxista modernista e o ideário pós-moderno; e que demonstrarão isso detidamente no capítulo nono do livro.
Destacam como sustentação deste seu ponto de vista a opinião de Vigotskii citada por Levitan no livro Não se nasce uma Personalidade: O Perfil de Psicólogos da Educação Soviética [One is not Born a Personality: Profiles of Soviet Education Psychologists] de 1982 a qual transcrevo em parte aqui: “Uma revolução resolve apenas aquelas tarefas que são solicitadas pela história; isso é verdadeiro tanto para a revolução em geral como para ascpectos da vida social e cultural” [A revolution solves only those tasks which have been raised by history; this proposition holds true equally for revolution in general and for aspects of social and cultural life (Vigotskii Apud Levitan segundo Holzman&Newman, p. 66)].
Para os autores, Vigotskii ao caracterizar a revolução como social e culturalmente contextualizada (seja ela política, econômica ou científica) está propondo o entendimento de que a revolução não é apenas um capricho nem se dá unicamente em defesa de uma moral particular; que as revoluções não produzem necessariamente melhores sistemas nem podem ser encaradas como conquistas “definitivas” (consolidadas ou estáticas).
Agumentam a seguir que a História sempre aposta em respostas para questões que intrigam o ser humano como, por exemplo, “O que é adoecer?” “Como curar esta enfermidade?” e que quando há ausência de uma resposta adequada à essas questões as pessoas se apegam ao que já se sabe a respeito do assunto; que é esta a razão para que uma revolução do conhecimento já sedimentado inevitavelmente ocorra: a falência do aparato de respostas existentes para desafios propostos pelo fluxo contínuo do desenvolvimento humano.
Passam a expor o relevante papel da busca por outros paradigmas, por modos de pensar que possam tentar equacionar problemas emergentes anteriormente não existentes invocando, em defesa de seu ponto de vista, o clássico de Thomas Kuhn A Estrutura das Revoluções Cientificas e as teses de filósofos contemporâneos da Ciência como Feyerabend e outros - que também, como Kuhn, buscaram abordar as mudanças paradigmáticas ao longo dos séculos em diferentes áreas do conhecimento.
Para eles [os autores] as críticas pós-modernistas à Psicologia sugerem a existência de condições históricas na contemporaneidade para uma mundança paradigmática. Insistem que muitos pensadores e praticantes da psicoterapia não acreditam mais em conceitos da Psicologia edificados sobre o pensamento modernista como, por exemplo, os de “Desenvolvimento”, “Indivíduo”, “Eu”, “Estágios” “Prova”, “Quantificação” “Níveis” etc
Em resumo, Holzman&Newman acreditam que suas críticas pós-modernistas à Psicologia têm em vista a necessidade de serem focalizadas com maior interesse as implicações metodológicas de abordagens psicológicas depuradas do arsenal ideológico modernista. Justificam isso levando em conta o fato de as denúncias em número crescente, a partir dos anos 60-70, dos vieses ideológicos do pensamento modernista (Eurocentrismo, Racismo, Sexismo, Classismo, Homofobia etc) serem suficientes para qualquer pessoa admitir a falência das “certezas” da Psicologia Científica, de sua irrelevância e malefício ao bem-estar de todos os povos do mundo.
Insistem no clamor de que por sermos humanos - portanto sócio-historicamente formados - tudo o que produzimos vem a ser contaminado por nossa natureza cultural; que isso leva a considerarmos inadequada a aplicação do modelo das ciências naturais para entendimento de nosso psiquismo; que eles [os autores] estão interessados não simplesmente em denunciar a inaplicabilidade do paradigma modernista ao estudo do psiquismo humano – o que é óbvio - mas em afrontar destemidamente seu erro enquanto arsenal ideológico e suas implicações metodológicas; que seu objetivo com o livro é contribuir para a colaboração de metodologias alternativas não paradigmáticas, relacionais ou processuais.
Explicam que irão retomar a exposição dos desdobramentos ao longo dos séculos do que qualificam como “conto”, “fábula” ou “mito” da Psicologia focalizando os fundamentos ideológicos do “aparato de geração de dados” [data-generating apparatus (p.69)] forjado deliberadamente para justificá-la como Ciência; e que isso será necessário para demonstrar a insuficiência desse aparato idealista no atendimento às bases tanto da “matematização” como do “empiricismo” científicos.
Seguem expondo como a Psicologia converteu-se no mais poderoso produtor e disseminador da ideologia modernista dominante no mundo no Item A Hegemonia do Conhecimento [The Hegemony of Knowing]
Em A Hegemonia do Conhecimento [The Hegemony of Knowing] os autores chamam atenção para o papel decisivo do conceito de CONHECIMENTO para entender-se tanto o modelo de desenvolvimento euro-americano da Psicologia como suas críticas. Eles consideram que desde a antiguidade clássica até a contemporaneidade o conhecimento tem se afirmado como necessário para o entendimento e significação do mundo; que o conhecimento tem sido compreendido como possuindo uma natureza cognitiva, como algo que ocorre no interior da mente das pessoas - até mesmo entre os que concordam ser o conhecimento produzido histórico-culturalmente a partir de interações sociais.
Esclarecem que para os pós-modernistas o cognitivismo é o que há de mais antidesenvolvimental e inumano no pensamento modernista; e que o enfrentamento corajoso do cognitivismo é a principal “bandeira” do Pós-Modernismo. Demonstram a pertinência de sua afirmativa recorrendo a uma extensa citação de McNamee&Gergen em Terapia e Construção Social [Therapy as Social Construction] em que estes psicoterapeutas discutem os vieses do cognitivismo na clínica terapêutica revelando como a suposta assepsia “científica” do olhar medicalizante do terapeuta constitui impecilho para uma abordagem mais honesta da interconexão entre as subjetividades e o contexto semântico em que ocorrem as interações entre paciente e terapeuta.
Utilizam também palavras de Danzinger para corroborar a artificialidade do conhecimento produzido por meio de um modo tão desconectado e distante de qualquer aspecto da vida cotidiana (o paradigma modernista) e portanto destituído do rigor metodológico necessário para o genuíno entendimento da vida humana.
Procuram demonstrar como a “nova” ontologia formulada pela Psicologia Científica encontra-se fortemente atada à legitimação de práticas investigativas que por sua vez corroboram práticas equivocadas prévias e recorrem como ilustração de sua afirmativa aos famigerados “testes mentais” – segundo eles o mais lucrativos investimentos da Psicologia – utilizados amplamente em processos seletivos da Academia e de acesso diagnóstico à clínica terapêutica. [9]
NOTA (9)
É interessante trazer para o nosso cotidiano as implicações e interesses econômicos por trás dos testes e da aferição “objetiva” do desempenho escolar - aceitas acriticamente pelas pessoas em um nítido processo, nem sempre consciente, de reificação (naturalização) deste arsenal de dados forjado não desinteressadamente por organizações “gestoras” do conhecimento na contemporaneidade. Eventos “traumáticos” como ENEM buscam atender exigências “internacionais” hegemônicas de medição e aferição do aprendizado escolar que insistente e despudoradamente utilizam o modelo modernista de avaliação supostamente “científico” – incompatível com a perspectiva pós-modernista de entendimento do psiquismo tipicamente humano.
Com auxílio da opinião de outros renomados pensadores como Danzinger, Burman, Mors, Rose e Gergen denunciam como a dimensão discursiva se sobrepõe às práticas consideradas “científicas” e resultaram por traçar a trajetória da Psicologia como possuidora e produtora de conhecimento especializado sobre o psiquismo humano – um conhecimento distorcido que não contempla satisfatoriamente aspectos socioculturais dos modos de ser e de pensar das pessoas.
A seguir apresentam o item A Loucura do Método [Mad about Method]
O item A Loucura do Método [Mad about Method] encerra o primeiro capítulo da segunda parte do livro. Nele os autores baseados em Danzinger buscam elucidar como a obsessão pelo método por parte da Psicologia torna-se o meio de ela produzir-se a si mesma e de se autolegitimar “cientificamente”.
Explicitam ao longo do texto sua indignação com a classificação grosseira das pessoas sob rótulos vários em experimentos cujas condições artificiais e idealizadas produzidas por “especialistas” são claramente manipuladas objetivando a constituição de fontes de dados [souce of data] nos empreendimentos investigativos da Psicologia Científica.
Consideram que Wundt, popularmente conhecido como o “Pai da Psicologia”, teve importante papel na corroboração e propagação do uso do paradigma de investigação das ciências naturais por parte da Psicologia, mas que a “coluna vertebral” das práticas modernistas na Psicologia surgem, curiosamente, em contraposição aos interesses originais do Laboratório de Leipzig coordenado por Wilhelm Wundt no final do século XIX. Esclarecem que Wundt focalizava a experiência subjetiva das pessoas como possibilidade de generalização “científica” da percepção interna em si e não dos processos aperceptivos, isto é, dos caminhos das reflexões das pessoas sobre suas percepções internas.
Explicam no entanto que dois séculos antes de Wundt, Locke em Oxford havia identificado duas modalidades de conhecimento: o sensorial e o reflexivo (Ensaio Acerca do Entendimento Humano). E que toda uma filosofia da mente se sustentou na evidência da reflexão a respeito da existência material do mundo pelos sentidos (empirismo) mas apenas Kant irá questionar esta tradição interrogando-nos se a experiência oportunizada pelo “senso interno” (percepção interna ou sentidos) poderia ser a base do conhecimento do mundo. Sua tese [Kant] é a de que a percepção interna (sentidos) isoladamente não seria suficiente para estabelecer-se um modo sistematizado e coerente de organização de informações à moda da matemática como ocorre no pensamento científico (objetivismo ou signitivismo abstrato).
Relatam como se deu a formação dos psicólogos norte-americanos no laboratório de Wundt e de como ocorreu uma ressignificação de suas intenções originais [Wundt] de pesquisa sob a influência do pragmatismo norte-americano - que exigia a mercantilização da Psicologia Científica para que ela pudesse ter algum valor monetário. Revelam como a glorificação do cientificismo contagiou o pensamento das pessoas ao ponto de o método das ciências naturais ser hegemonicamente considerado o único capaz de fornecer conhecimento útil e confiável sobre quaisquer aspectos da existência humana.
Fazem uma preleção sobre o histórico da Psicologia como área do conhecimento na Academia norte-americana informando ter sido a Universidade Johns Hopkins quem ofereceu por primeira vez o doutorado em Psicologia em 1882; e que dez anos após este ter sido implantado foi criada a Associação Norte-Americana de Psicologia-APA.
Explicam que a “nova” disciplina [Psicologia] logrou rápido reconhecimento acadêmico gerando interesse nas pessoas comuns por sua potencial utilidade prática. Que os psicólogos rapidamente providenciaram, conscientes ou não das pressões acima de sua livre vontade, uma mudança de curso nos rumos da Psicologia: da investigação da experiência humana e das pessoas nela interessadas (sujeitos da experiência) passou-se à categorização universalizante das pessoas através da aplicação de testes em massa [surveys] e da contabilização “asséptica” de dados para controle e previsão de ações públicas (sujeitos convertidos em objetos de intervenção).
Encerram o item e o capítulo perguntando-se retoricamente quem ou quais seriam os agentes interessados no controle social das pessoas e que tipo de conhecimento justificaria perseguirem este objetivo. Comprometem-se nos próximos capítulos em desatar alguns nós que impedem a identificação da teia tenebrosa tecida pela Psicologia Científica para encobrir sua natureza “fabular” ou “discursiva” através da problematização de três do seus grandes mitos: “Individuo” “Doença Mental” e “Desenvolvimento”
O quinto capítulo é o segundo da segunda parte do livro e intitula-se Psicologia e o Indivíduo [Psychology and the Individual]. Nele os autores argumentam que o conceito de “Indivíduo” tem sido hegemonicamente, ao longo do tempo, tomado como objeto de investigação da Psicologia e como base de sua legitimidade enquanto área do conhecimento; que tradicionalmente a Psicologia define-se como o estudo de “indivíduos” isoladamente ou em grupos buscando saber como se “comportam”, como se “desenvolvem” e no que diferem entre si [10].
NOTA (10)
Indivíduo – conceito que se aplica indistintamente a organismos de qualquer população de seres vivos (plantas, animais etc). Distingue-se de sujeito – termo utilizado para identificar o “indívíduo” entre a população de seres humanos. O indivíduo se “comporta”, o sujeito interage.
Explicam que as críticas pós-modernistas se dirigem à nítida obsessão da Psicologia com o indivíduo “isolado” (associal e a-histórico), ou seja, como “algo” que pudesse ser particularizado. Afirmam que o enfrentamento corajoso da “glorificação do indivíduo” e a denúncia do seu papel na consolidação do individualismo – típico do modo de pensar modernista - apenas podem ser observados na literatura produzida por pensadores vinculados às correntes abaixo relacionadas:
(1) Socioconstrucionista - que se volta para o estudo da clínica terapêutica, psiquiatria, modalidades de organizações familiares e comunitárias (McName&Gergen, Parker&Shotter, Albee, Sarason entre outros);
(2) Vigotskiana ou histórico-cultural – que focaliza privilegiadamente os processos de desenvolvimento e aprendizado em sua dimensão colaborativa (Lave&Wenger, Moll, D. Newman, Holzman&Newman, Griffin&Cole, Rogoff, Tharp&Gallimore e Wertsch, por exemplo);
(3) Neomarxista-Feminista – que desvela o processo de reificação ou naturalização de artefatos culturais por parte da Psicologia (Ussher&Nicholson, Venn, Walkerdine, Hardin&Hintikka, Keller, Buss e mais alguns).
Denunciam, na qualidade de pensadores pós-modernistas, que o “Indivíduo” é um artefato cultural baseado numa lógica da particularidade e que é um “conto”, uma “fábula” (invenção e mentira); que é impossível e inaceitável conceber-se a pessoa desconectada do meio social em que ela vive e com o qual interage; que este artefato é o responsável pelo fortalecimento do que se costuma entender por “Identidade”; que este foi o modo sórdido encontrado pela Psicolgia hegemônica para estigmatizar grupos e pessoas e ditar normas ou modos “adequados” de pensar e agir fechando os olhos para a diversidade e singularidade tpicamente humanas; que com ele a Psicologia Científica tem fortalecido a cultura do conformismo e da discriminação [Far from contributing to a culture that supports individual differences and fosters individual expression, psychology has been instrumental in contributing to a culture of conformity (p. 79)]
Em seguida, passam a desenvolver esse seu ponto de vista no primeiro item do capítulo intitulado O Indivíduo Isolado [The Isolated Individual]
Em O Indivíduo Isolado [The Isolated Individual] Holzman&Newman explicam que para uma adequado entendimento do seu ponto de vista é fundamental examinar mais detidamente o conceito psicológico de “Indivíduo.” Denunciam que as informações manipuladas pelos “agentes sociais de controle” (Indústria, Forças Armadas e Escolarização) não dizem respeito a indivíduos porém antes buscam referir tipos de pessoas; que estes agentes não se interessam pela experiência única e insubstituível de cada pessoa mas, antes, por atributos que podem sugerir sua adequação à normatividade. Perguntas do tipo “Quem podem ser os melhores militares?” “Quais as características de um bom vendedor de seguros?” “Quais os melhores procedimentos pedagógicos para que escolares preencham as expectativas dos professores e observem as normas do ensino obrigatório?” são respondidas, sem nenhum pudor, pela Psicologia - em atendimento aos objetivos da Sociedade Administrada para selecionar e recomendar os considerados “aptos,” “bons” ou “normais.”
Recorrem ao pensamento de Danzinger e Quetelet (pioneiro nos estudos da estatística aplicada às ciências sociais) para demonstrar que inferências realizadas sobre indivíduos a partir de regularidades estatísticas identificadas em determinados grupos de pessoas solicitam um modo prévio de qualificar como as totalidades e as particularidades se relacionam e que este tipo de procedimento considerado “científico”, quando examinado rigorosamente, não consegue atender aos critérios do paradigma das investigações em ciências naturais; que a aparente cientificidade das tabelas com estatísticas dependem de regularidades numéricas identificadas na agregação de dados de conduta de amplos grupos de pessoas - interpretadas como “normalidade” pelo modo hegemônico de ser e pensar; que este viés interpretativo teria dividido a comunidade científica quanto ao valor da generalização das conclusões obtidas, ocasionando o desdobramento da Pesquisa em Psicologia em duas modalidades de práticas investigativas: a experimental e a estatística. [11]
NOTA (11)
A contestação da validade e generalização dos testes de inteligência remonta ao início do século XX. Um excelente argumento que contraria a lógica “míope” deste tipo de empreendimento psicométrico é a formulação de sua antítese: a ZDP = Zona de Desenvolvimento Proximal – Metáfora forjada originalmente por Vigotskii para referir a região entre o “nível de desenvolvimento potencial” e o “nivel de desenvolvimento real” que lhe serviu de fundamento para contestar veêmentemente as crenças no método supostamente “científico” de mensuração da inteligência de Binet&Simon que inspiraram os famigerados “vestibulares” ou testes para medir o QI (quociente de inteligência): “A deficiência comum a esse tipo de pesquisas experimentais consiste em que se coloca como fundamento uma noção completamente errônea sobre certos dons de inteligência gerais... esses sistemas representam apenas a pesquisa do intelecto, mas não das esferas emocional e volitiva dos alunos.” Cf. VIGOTSKI, L. S. (2003) “O método de Binet-Simon” As formas fundamentais do estudo da personalidade da criança. Psicologia Pedagógica – Edição comentada por Guillermo Blanck. P. 297-306.
Um excelente relato dos problemas enfrentados pelas pesquisas em Educação Comparada pode ser encontrado nos capítulos 2, 3 e 4 de COLE, Michael (1998) Cultural Psychology - a once and future discipline. [Psicologia Cultural: A vez de uma Futura Disciplina] Cambridge-Massachusetts and London-England: Harward Univesity Press. Na opinião de Cole “...parece que estamos vivendo um período em que ortodoxias não mais possuem poder para rechaçar novas possibilidades:... a possibilidade de... rever nossa caminhada e tomar outro rumo, o caminho não trilhado em que a cultura é pensada como tão relevante quanto a biologia e a sociedade para a formação da natureza humana dos indivíduos.” [... we seem to be living in a period when orthodoxies no longer retain their holding power and new possibilities abound: … the possibility of … starting out on the road not taken, the road along which culture is placed on a level with biology and society in shaping individual human natures.(p.101)]
Mais adiante relatam que o acompanhamento de grupos experimentais logrou inicialmente preencher as lacunas das abordagens estatísticas mas que logo também passaram a ser objeto de críticas por serem os resultados desse tipo de estudo obtidos a partir de categorizações extraculturais e abstratas criadas pela Psicologia estando portanto desconectados dos aspectos singulares de imersão dos “indivíduos” nas suas práticas socioculturais. Isso equivale dizer que tais práticas produziam conhecimento completamente determinados por elas mesmas, como é o caso dos famigerados testes de inteligência - já desqualificados por rigorosas pesquisas em Educação Comparada de amplitude intercultural mas que, curiosamente, continuam sendo comercializados (vendidos e comprados) na contemporaneidade como procedimento psicométrico “confiável” ou de natureza “científica.”
Denunciam, amparados nos estudos de Garfinkel e Russel, que a Psicologia Científica armou-se de um arsenal gerador de dados contaminado por uma visão eivada de vícios típica do modelo cognitivista de entendimento dos modos de ser tipicamente humanos. Que esta é uma “pegadinha”, um “golpe,” pelo qual as pessoas se permitem serem iludidas.
Concluem o item afirmando corajosamente que, para eles [os autores], essas “leis”, com centenas de categorizações para classificação das pessoas (como, por exemplo, o conteúdo do Manual para Diagnóstico e Estatística de Desordem Mental-DSM-IV da APA), constituem lamentavelmente o objeto da Psicologia hegemônica.
Anunciam o próximo item do capítulo intitulado A Crítica: O Indivíduo Socialmente Contextualizado [The Critique: The Socially-Situated Individual]
Em A Crítica: O Indivíduo Socialmente Contextualizado [The Critique: The Socially-Situated Individual] os autores insistem em demonstrar os problemas de se buscar descobrir e fixar leis abstratas para o psiquismo tipicamente humano por parte da Psicologia hegemônica. Argumentam que o estudo dos fenômenos humanos é um tipo de atividade qualitativamente diferente da investigação de fenômenos físicos.
Holzman&Newman enfatizam que nos estudos de humanos conduzidos por humanos, curiosamente, o observador é simultaneamento o observado! Algo que não ocorre em Botânica, Astronomia ou Física, por exemplo; que a tentativa insistente em negar esta “contaminação” sócio-humana nos estudos da Psicologia “Científica” é o principal foco das críticas pós-modernistas.
Esclarecem que boa parte dessas críticas destacam que a Psicologia e os psicólogos desprezam o fato de ambos serem colaborados sócio-historicamente; que os psicólogos não se dão conta de que suas teorias e práticas encontram-se sócioculturalmente localizadas ou são coniventes com um entendimento associal e a-histórico do psiquismo humano por razões mesquinhas de recompensas econômicas e prestígio pessoal em organizações comprometidas com o controle social das populações.
Denunciam muitos atos perversos perpetrados por agentes sociais de controle com a conivência de psicólogos que podem ser facilmente identificados ao longo da breve existência da Psicologia hegemônica: (1) a esterilização de mulheres e homens das classes menos favorecidas; (2) a lobotomização e eletrochoques em tratamentos de distúrbios mentais; (3) a estigmatização e negação de oportunidade de escolarização a muitos jovens e adultos e (4) políticas racistas de imigração. Enfim para os autores as “mentiras” ou mitos da Psicologia são nitidamente reconhecidos quando não se perde de vista a contextualização sócio-histórica dos modos de pensar e suas dimensões político-ideológicas.
Destacam algumas referências acadêmicas importantes produzidas por Burman, Gibson&Walk, Holzkmp, Cole, Hood&McDermott e por eles proprios [os autores] que podem ser úteis para sustentar uma dura oposição a este “erro” ou viés metodológico da Psicologia hegemônica.
Expõem de modo conciso a trajetória de seu pensamento que incialmente encontrou abrigo no Laboratório de Cognição Humana Comparada-LCHC sob a direção de Michael Cole (CHAT) para reafirmarem seu compromisso com a defesa exasperada de sua autonomia intelectual argumentando em favor do relevante papel de abordagens relacionais que destaquem a invalidez “ecológica” das “verdades” supostamente científicas da Psicologia.
Seguem expondo seu ponto de vista no próximo item do capítulo A Mercantilização das Diferenças Pessoais [The Selling of Individual Differences].
Em A Mercantilização das Diferenças Pessoais [The Selling of Individual Differences] Holzman&Newman destacam que abordagens desconectadas das raízes históricas dos fenômenos que pretendem compreender não são única e exclusivamente típicas da Psicologia; que a ausência de contextualização dos fenômenos humanos perpassa toda a cultura da escolarização norte-americana - embora seja possível encontrar-se uma rica e fascinante literatura a respeito do entrelaçamento da Psicologia com eventos econômicos e políticos.
Relacionam dezenas de autores comprometidos com abordagens críticas ao psiquismo humano que permitem identificar os vínculos ideológicos e comprometimento econômico e político das práticas em psicologia social aplicadas a grande número de pessoas. Segundo o que essas abordagens conseguiram apurar há uma expansão das práticas de “testagem” do desempenho pessoal em tarefas artificialmente concebidas por psicólogos tendo por fim sua aplicação em “massa” em grupos cada vez maiores de pessoas – inicialmente na escolarização, logo a seguir no recrutamento e seleção de pessoal para trabalhar na indústria e posteriormente para o serviço militar.
Revelam que os testes de Binet&Simon foram inicialmente pensados para acompanhar a performance pessoal mas com o passar do tempo tornaram-se padronizados tendo em vista a demanda crescente por “previsibilidade” do desempenho em ocupações sociais várias particularmente no recrutamento de combatentes para servirem às forças armadas norte-americanas durante a Primeira Guerra Mundial.
A ressignificação dos testes para indentificar o quosciente de inteligência-QI de Binet levou ao questionamento da validade dos resultados obtidos a partir deste tipo de “testagem em massa” quando se constatou em pesquisas posteriores que os testes não se revelaram suficientes para prever o desempenho dos soldados durante as batalhas - o que teria levado os oficiais de alta patente a concluírem que homens com baixa escolarização tornavam-se melhores combatentes que os mais instruídos e com maior pontuação durante a “testagem” [‘men of slow mentality who have little education often make better soldiers in the end than those with more flashy minds who would probably rated higher’ (p. 88-89)].
Os autores explicam que o objetivo do item é destacar como a conjuntura de eventos históricos conduziu a Psicologia a colocar-se a serviço do Liberalismo fortalecendo a crença no desenvolvimento tecnológico e crescimento econômico através da “glorificação da Ciência” - evidentemente para obter a expansão das vendas dos seus serviços especializados.
Concluem o item alertando para as implicações nefastas do uso da estatística na escolarização na medida em que esta reduz o entendimento das possibilidades do aprendizado ao desempenho das pessoas em tarefas muito específicas e anunciam que mais adiante farão uma discussão crítica das crenças no sucesso escolar com base em testes psicológicos “científicos” que foi interessadamente fortalecida pela teoria de Edward Lee Thorndike - congnominada corajosamente por Danzinger “Metafísica da Quantificação.”
Passam a apresentar o subitem que conclui sua exposição intitulado Consolidação do Modelo Psicológico [Solidifying the Psychological Paradigm].
O subitem é uma “amarração” da pletora de pensamentos sucitados pelas abordagens críticas (pós-modernistas) à Psicologia Científica e ao Pensamento Modernista que conduzem a duas importantes constatações:
(1) Para se afirmar cientificamente qualquer coisa sobre um “indivíduo” este necessitava ser considerado em comparação com outros - o que equivale dizer que o desempenho singular de um indivíduo deveria ser medido tomando-se por base o desempenho médio de outros;
(2) A popularização ou hegemonização deste tipo de mentalidade “científica” durante a primeira metade do século passado (sec. XX) desempenhou um papel importante na consolidação (naturalização ou reificação) de uma determinada concepção de inteligência como aspecto do conhecimento humano que poderia ser mensurado “objetivamente.” [12 ]
NOTA [12]
Indivíduo – conceito que se aplica indistintamente a organismos de qualquer população de seres vivos (plantas, animais etc). Distingue-se de sujeito – termo utilizado para identificar o “indívíduo” entre a população de seres humanos. O indivíduo se comporta (um cachorro se comporta sem consciência a partir de condicionamento clássico ou automatização fundado em leis de estímulo-resposta); o sujeito interage (uma pessoa interage porque pode agir conscientemente ou não de modo adequado ou inadequado embora possa ter desempenho automatizado em deteminadas tarefas, como nas ações objetivando o treinamento em esportes de “alta performance”, por exemplo).
Encerram sua argumentação no 5º Capítulo reiterando que os artefatos culturais (disponibilizados em versões sofisticadas ou não) inventados pelos primeiros psicólogos têm pouco em comum com os métodos da química, física e biologia.
Anunciam que nos capítulos subsequentes (6 e 7) revelarão como a Psicologia Hegemônica cinicamente criou a “doença mental” e outros recursos metafísicos “popularizados” na contemporaneidade para sustentação dos modos “científicos” ou modernistas de pensar - considerados “verdades” incontestáveis pelo senso comum.
No sexto capítulo intitulado Campeões de Vendas da Psicologia: Saúde e Doença Mental [Psychology’s Bestseller: Mental Illness and Mental Health] os autores revelam como o discurso dualista do pensamento modernista impregnou a experiência cotidiana das pessoas através das oposições NormalidadeXAnormalidade, RepressãoXEspressão, RacionalidadeXIrracionalidade etc de tal modo que elas passaram a necessitar de especialistas para lhes dizerem COMO devem pensar sobre si mesmas.
Esclarecem que o Movimento de Higienização Mental e Freud acabaram por popularizar a nomenclatura técnica usada no tratamento da Doença Mental discorrendo sobre aspectos da ressignificação de expressões médicas por parte das pessoas comuns para referir estados emocionais e mentais sob a ótica hegemônica da “Deficiência” (Disturbio por Déficit de Atenção) e do “Defeito” (“Hiperatividade” e “Codependência”, por exemplo).
Explicam que tanto o Movimento de Higienização Mental quanto o Freudismo, desempenharam relevante papel no enfrentamento da problemática relativa à Saúde-Doença Mental; que os tratamentos medicalizantes (encorajados pela eficácia dos efeitos da penicilina na cura da sífilis) conduziram à segregação dos considerados “insanos” em terríveis asilos para lunáticos sob custódia do Estado nos quais eletrochoques, lobotomia, banhos de gelo, morfina e outras drogas eram adminstradas com o aval de profissionais da área médica; que isso teria contribuído decisivamente para uma supervalorização do tratamento psiquiátrico e consequente descrença nas abordagens alternativas psicoterápicas.
Ressaltam a importante invenção/descoberta por Freud da Neurose e do seu tratamento através da Psicanálise como decisivo para o resgate da credibilidade da Psicologia junto à opinião pública e definitiva aceitação das abordagens psicoterápicas no tratamento da Saúde-Doença Mental.
Encerram o primeiro item do sexto capítulo lamentando que a “Filosofia travestida de Psicologia” [The disguised philosophy known as psychology (p. 103)] tenha permanecido aprisionada à sua enfermidade ontológica inaugural.
No item A Normalização da Anormalidade [The Normalizing of Abnormality] Holzman&Newman afirmam que a ontologia moderna da doença-saúde mental é uma curiosa fusão da Teoria Freudiana com o modelo técnico-científico e se propõem a dissertarem ao longo do item sobre como o discurso fundado na anormalidade tornou-se o principal capítulo da narrativa sobre a psicologização e construção da subjetividade coisificada/mercantilizada pelo pensamento modernista.
Relatam que a teoria e prática da Psicanálise só passou a ser considerada relevante por estudiosos do psiquismo humano após a II Guerra Mundial; que o freudismo impactou as práticas sociais e culturais como fenômeno de massa tendo auxiliado na revolução sexual dos anos vinte do século passado [sec. XX] gerando grande controvérsia com o Movimento Eugenista e sua “cientificização” da mentalidade criminosa. Subdividem o item em três subitens.
No subitem O Movimento Eugenista [The Eugenics Movement] denunciam a ideologia racista-xenofóbica que sustentou as teses consideradas “científicas” de “limpeza” e “superioridade” racial que justificaram [Justificam?] políticas discriminatórias e restritivas da Imigração focalizando particularmente sua repercussão no Governo norte-americano. Destacam, como exemplo deste tipo de pensamento intolerante, os excessos cometidos pela Legislação norte-americana ofensiva aos judeus - então considerados “ratazanas humanas” [rat-men] - encorajado pelas ideias de personalidades de destaque na cultura estadunidense como Henry Ford, Theodore Roosevelt e Thomas Edison.
Revelam como os testes de inteligência foram sordidamente utilizados com aval de psicólogos e educadores para vincularem ações imorais e criminosas, preguiça, miséria etc à origem genético-racial de pessoas às quais eram negadas a cidadania norte-americana; mas que as vozes de Margaret Mead, Franz Boas e Ruth Benedict entre outros ativistas sociais e defensores de posturas a favor da liberação sexual elevaram-se corajosamente para questionar e refutar os argumentos eugenistas sobre a “geneticização” do psiquismo.
Localizam o declínio do eugenismo na década seguinte a partir do término da II Guerra Mundial com a tremenda repercussão negativa das atrocidades cometidas pelos nazistas e nova organização das forças produtivas da economia norte-americana fortalecida por seu poder bélico, político e financeiro na cena internacional pós-guerra.
Passam a apresentar o subitem A Popularização da Neurose – Causa, Reabilitação e Prevenção [Popularizing Neurosis – Cause, Rehabilitation, and Prevention] no qual focalizam o impacto humanista do freudismo associado às teorias emancipatórias marxianas sobre o ser humano -necessariamente submetido a processos civilizatórios em diversas áreas da criação artístico-intelectual - e sua disseminação ou “popularização” junto às pessoas comuns.
Segundo os autores foram Freud e Marx quem conferiram legitimidade ao entendimento da criminalidade desvinculando-a da hereditariedade e conectando-a às pressões socioculturais particularmente aquelas presentes nas relações familiares e vivências do sujeito durante a primeira infância.
Destacam as importantes contribuições de psiquiatras simpatizantes da psicanálise como William Healy, Bernard Glueck, William White e de como suas ideias repercutiram por toda a nação norte-americana influenciando o tratamento de pessoas em organizações prisionais e correcionais estadunidenses bem como servindo de sustentação para teses em defesa de criminosos na advocacia forense.
Segundo Holzman&Newman a Psiquiatria e a Justiça foram fundamentais para a colaboração do que se convencionou denominar distúrbio psicopatológico da personalidade criminosa (algo entre o psicótico e o desacato neurótico). Revelam ainda como se deu a repercussão massificada das ideias de Freud em periódicos e revistas destinadas ao grande público norte-americano e internacional como Time e Life - nas quais eram alimentados os interesses burgueses pela educação e cuidados preventivos ao desenvolvimento de neuroses em crianças.
Destacam particularmente a publicação do livro Baby and Child Care [O bebê e o cuidado da criança] do pediatra Benjamim Spock como marco da consolidação de uma visão hegemônica da “criança universal freudiana” em conflito com o “mundo social” e da Neurose como algo “natural” – que poderia ser evitada ou minimizada pela competência de pais e cuidadores informados dos princípios psicanalíticos básicos.
No subitem intitulado Construindo o Consumidor [Constructring the Consumer] abordam a mercantilização do freudismo através das sofisticadas técnicas de propaganda e marketing contemporâneas nas quais o desejo sexual reprimido é sublimado pelo desejo de compra de bens e serviços, ou seja, a liberação do “recalcado” ocorreria exclusivamente através do consumismo: cigarros e sorvetes são símbolos fálicos e o ato de fumar charutos e cigarros ou lamber sorvetes seria a “sublimação” do erotismo oral, por exemplo.
Denunciam que a Indústria tinha [tem?] em mente o tipo de controle e mobilização massificada pretendidos: a imposição do consumismo como ideologia em substituição à consciência de classe. Que os usos do freudismo pela Psicologia serviu aos interesses do capitalismo corporativo para controlar e manipular “invisivelmente” as pessoas disseminando a crença – tomada hegemonicamente como verdade objetiva - no indivíduo isolado, mobilizado por crenças e opiniões próprias quando, antes, este encontra-se psíquicamente administrado e rotulado por sofisticados artefatos culturais.
Passam a enriquecer seu ponto de vista no próximo item do capítulo intitulado O Tema da Psicologia Revisto [The Subject Matter of Psychology Revisited
Em O Tema da Psicologia Revisto [The Subject Matter of Psychology Revisited] os autores explicam que após a breve apresentação que fizeram da “freudinização” da cultura de massa norte-americana irão retomar o tema da Psicologia, reafirmando a necessidade de se compreender o papel decisivo da cultura de massa para o processo de normatização da anormalidade e hegemonização da crença no “conto” do indivíduo isolado.
Apresentam um histórico do expansionismo da demanda por tratamento da Saúde-Mental focalizando o crescimento e fortalecimento da autoridade da APA e a feminização da profissão de psicólogo antes de abordarem os problemas da Classificação e sua dimensão interpretativa na elaboração das narrativas de interesse da Psicologia Hegemônica no subitem intitulado A Confecção do Mito Classificatório, Interpretativo e Explicativo [Classificatory, Interpretive, and Explanatory Myth Making].
Argumentam que, embora as conexões da Psicologia com a Indústria e Educação sejam os melhores exemplos de sua tentativa esperta de conquistar um lugar entre as formas mais vulgares e pragmáticas para a comercialização de seus “produtos” junto ao Mercado e ao Estado, é a ascenção e expansão da psicologia clínica e da psicoterapia que melhor testemunham os processos fantasiosos e ficcionais de taxonomia (sistema de classificação) em nome do cientificismo. Que este esforço em criar um “ciência objetiva do subjetivo” termina por produzir um “novo” modo particular de entendimento do psiquismo tipicamente humano – que sustenta-se em velhas concepções ontológicas.
Afirmam que tanto as velhas como “novas” concepções de qualidades que distinguem os humanos dos demais seres vivos e da natureza inanimada (consciência, intencionalidade e emocionalidade) - que localizam a subjetividade humana para além das fronteiras das manifestações biológicas das enfermidades (localização de disfunções em órgãos como pulmões, cérebro etc) - admitem, todas, que os estados de saúde-doença mentais antes de serem encontrados no organismo têm origem imaterial pertencendo exclusivamente à pessoa; que isso deu origem a uma suposta “ciência objetiva da subjetividade” – que acabou resultando em uma “pseudociência subjetiva do irreal” por converter a Psicologia (particularmente a psicologia clínica e a psicoterapia) em uma espécie de “Religião”. Explicam que os rótulos das enfermidades mentais acabaram sendo idolatrados como deuses homéricos; e que a aliança do Freudismo à Ciência e à Tecnologia desempenharam papel central nesse processo de mistificação.
Fazem questão de esclarecer no entanto que apesar dos usos interessados da psicanálise pela Indústria, Midia e Psicologia, Freud foi o responsável por localizar a loucura na sociedade civil e por romper as muralhas entre os considerados “loucos” e “normais.” Para sustentar seu ponto de vista apoiam-se em pensadores que também consideram a doença mental, psicopatologia, neurose, esquizofrenia etc como categorias muito mais impregnadas de moralismo do que “científicas” citando Goffman, Ingleby, Szasz, Dleuze e Guatarri entre outros para justificar o que afirmam.
Denunciam que a ingenuidade empresarial norte-americana foi a responsável pelo gerenciamento da Psiquiatria e Psicologia estadunidenses mesclando o método interpretativo à teoria freudiana para melhor servir ao modelo positivista. Que isso resultou na “coisificação” (naturalização ou reificação por alienação ou desvinculação de sua natureza histórico-cultural) e consequentemente na medicalização da subjetividade e emocionalidade humanas – um processo que se entende da perspectiva pós-moderna como ficcionalização da saúde-doença mental.
Revelam que em sua opinião o “conto” da doença mental pode ser comparado ao que a perspectiva pós-moderna considera o grande “golpe” da Psicologia: a “venda” de uma pseudociência classificatória, interpretativa e explicativa do psiquismo tipicamente humano como “ciência.”
Reiteram que a pós-modernização da Psicologia - a de(s)construção/revelação de sua dimensão narrativa/ficcional – requer esforços para prosseguir buscando caminhos não filosóficos, assistemáticos, acientíficos para a prática de uma metodologia radicalmente honesta que possibilite a emergência de abordagens não classificatórias, não explicativas, não interpretativas do ser humano.
Propõem-se a discutir a problemática da Classificação, Interpretação e Explicação de modo mais denso neste subitem.
A abordagem crítica da Classificação inicia-se com o esclarecimento de que reduzir a Psicologia à medicalização não a despe de sua natureza metafísica.
Recorrem ao pensamento de Foucault para constatar como a Medicina Modernista localiza interessadamente a doença no interiror do indivíduo embora se possa encontrar indícios de que já nos séculos dezesete e dezoito ocorram descrições metafóricas de causas até então consideradas genéticas e imutáveis como ocorrendo influenciadas por uma espécie de crescimento do tipo “botânico” (determinado por condições ambientais). Que a metaforização da “objetificação” da doença representa uma importante e monumental manobra no curso da epistemologia por relacionar de modo mais contundente as percepções com o discurso sobretudo através da metáfora foucaultiana do “Véu” – do ver além do “observável” [from seeing only what was visible to seeing what is invisible – what is seeable but not seen (p.117)]
Os autores revelam que este novo modo de abordar a doença – levando-se em conta o “Véu” foucautiano - abriu promissoras perspectivas para a linguagem “científica” e originou uma distinção entre profissionais de saúde e médicos e a reorganização das práticas de tratamento e formação para exercício dos cuidados com as enfermidades à moda burguesa – da experimentação de tratamentos não ortodoxos de enfermos “pobres” em asilos para aplicação no cuidado e atenção à saúde físca e mental na clínica dos “ricos.”
Relatam como se deu a impregnação da metaforização do diagnóstico médico das afecções físicas para a esfera do tratamento da doença mental reiterando que mesmo a “nova” abordagem clínica interpretativa não foi suficiente para serem abandonados os intrumentos positivistas (modernistas) usados na classificação das enfermidades desde os tempos pré-socráticos.
Contrapõem-se abertamente ao entendimento da realidade como um objeto que se apresenta já dado - compreendida como existindo independentemente do modo sistemático com que é pensada e descrita - afirmando que a natureza mística do método científico tem sido insistentemente assinalada por Wittenstein, Gödel, Quine, Kuhn e Gergen e muitos outros anunciadores do pensamento pós-moderno.
Denunciam que a classificação psiquiátrica e psicológica é a sistematização de doenças “inventadas” e não “descobertas” como a Psicologia Hegemônica quer nos fazer crer. Que o tema genuíno da Psicologia – o mundo intramental da subjetividade humana, que fora originalmente o objeto dos estudos inaugurais de Wundt – foi subvertido e substituído deliberadamente por uma ficção facilmente manipulável através da naturalização/alienação de rótulos “científicos”. Que, do ponto de vista pós-moderno, a Psicologia Hegemônica (Modernista) permanece Mito e Religião ancestrais embora travestida de “cientificismo”.
Passam a discutir a problemática da Interpretação problematizando a insuficiência do sistema de classificação adotado pela Psicologia “científica” - que oscila entre a explicação e previsão de fenômenos e simultaneamente enfatiza a singularidade do ser humano apoiando-se em uma contradição mal resolvida - em nome da preservação da sua “cientificidade”.
Invocam o conceito de inconsciente de Freud utilizado como justificativa para análises consideradas rigorosas da dimensão metafórica do sofrimento psicológico assinalando sua natureza acientífica amparando-se no pensamento marxista-modernista de Timpanaro. Ressaltam que este pensador considera o método interpretativo como místico em razão de sua natureza não científica mas que, para os autores, é o entendimento da mística que está por trás das pressuposições filosóficas e religiosas do sistema “objetivo” de classificação, que tradicionalmente toma as coisas em si mesmas reforçando o dualismo, o racionalismo e outras abstrações, o que precisa ser denunciado.
Para Holzman&Newman a interpretação amparada em Freud pode justificar a manutenção de visões econômico-ideológicas como o neoliberalismo e contraditoriamente auxiliarem na revelação da “coisificação” como prática cultural no mundo sob o capitalismo mas que a ênfase da subjetividade que interessa ao pensamento modernista reforça a reificação/naturalização de artefatos culturais separando/alienando produtos dos seus processos de produção. Para eles, o freudismo foi um recurso empregado pelos modernistas para distorcer o modo genuíno como se dá a produção da “normalidade.”
Encerram o subitem questionando a Explicação modernista que se sustenta na “metafísica estatística” para reforço do “conto” da cientificidade dos laudos da Psicologia Hegemônica na qual personalidade, habilidades e competências individuais são “objetivamente” medidas e rotuladas por comparação do desempenho pessoal com a média de desempenho de grandes grupos de indivíduos. Amparam-se em Kvale e Newman para destacarem a natureza “entorpecente” deste tipo de entendimento “tosco” - que tem em vista o desempoderamento da subjetividade pessoal e submissão dos indivíduos à crença na “naturalidade” dos artefatos culturais - produzidos sócio-históricamente – mas pensados como “leis gerais” para sua conduta; que este é o “bife com fritas” oferecido pela Psicologia Hegemônica para “calar” a “fome” por sua cientificização [The artificial generation of “general laws” or descriptions which subtextually imply “general laws”, as in DSM-IV, is the meat and potatoes of psychology’s claim to scientific status. (p. 129)].
Passam a expor de modo abreviado a influência do behaviorismo e do papel de John Watson na popularização da “cientificização” da Psicologia “oficial” particularmente na América do Norte a partir dos anos sessenta, e também seu abrupto declínio após a divulgação de procedimentos behavioristas considerados não éticos em processos experimentais de condicionamento clássico de humanos que recorriam à “punição” de crianças com uso de pancadas por varas. Destacam como isso serviu para fortalecer a corrente regulamentação ética nos tratamentos psicológicos.
Revelam surpreendentemente que a denúncia das práticas metodológicas antiéticas dos laboratórios behavioristas foi usado como pretexto para sacrificar a carreira acadêmica de Watson - que teria se envolvido afetivamente com um de seus colaboradores do mesmo sexo; que o escândalo só veio a público após sua mulher ter dado entrada em um processo de ressarcimento por danos morais baseado em violação da conduta sexual do companheiro então considerada inaceitável para a época segundo o apurado por Hunt em sua História da Psicologia [The Story of Psuchology].
Esclarecem que após o escândalo Watson foi contratado por uma poderosa agência de propaganda e passou a orientar campanhas publicitárias para venda de desodorantes, sorvetes, cigarros, café etc.
Encerram este capítulo do livro rememorando o uso hegemônico nas décadas iniciais do século XX das técnicas behavioristas em tratamentos clínicos da saúde-doença mental estadunidenses sobretudo pela forte influencia de Skinner a partir dos anos 50 mas que, ao final do século, tornou-se maior a rejeição pós-modernista à tentativa da Psicologia Hegemônica de pretender conciliar o interpretativismo freudiano e a especulação behaviorista generalizante de Skinner como justificativa de sua “cientificidade.”
O sétimo capítulo intitulado Psicologia e Desenvolvimento Humano: O casamento ideal(ista) [Psychology and Human Development: The Ideal(ist) Marriage] encontra-se organizado em três grandes itens: O Imperativo Evolucionista [The Evolutionary Imperative], Psicologia do Desenvolvimento e a Construção da Criança [Developmental Psychology and the Construction of the Child] e O que Desenvolve? [What Develops?]
Neste capítulo os autores reiteram que a Psicometria, a Psicologia Organizacional, a Psicologia Educacional e a Psicologia Clínica foram moldadas pela demanda por seus produtos por parte do Mercado; que estes ramos da Psicologia, consideradas mitos ou não, foram desenvolvidos utilitariamente para serem campos de aplicação de artefatos psicológicos tendo em vista a comercialização de serviços especializados.
Explicam que suas origens se encontram na Psicologia do Desenvolvimento (nascimento, crescimento, maturidade, envelhecimento e morte dos seres humanos) – um tema que sempre despertou interesse e curiosidade muito antes da emergência do capitalismo industrial; acrescentam que, do mesmo modo como a construção do consumidor no final do século XIX e início do século XX solicitou uma psicologia “adequada” à nova organização político-econômica das forças produtivas, o pensamento modernista demandou a “rotulação”, “testagem de inteligência” , “mensuração” do desempenho em tarefas específicas e “estratégias” para o treinamento de trabalhadores objetivando o alcance de maior produtividade possível a menor custo e consequentemente o incremento de sua mercantilização.
A seguir relatam como a Psicologia Hegemônica construiu o mito do desenvolvimento e o mito da infância e de que maneira estes mitos foram úteis na consolidação do “conto” da sua natureza “científica.”
Destacam que os estudos modernistas do desenvolvimento humano estão embebidos em concepções filosóficas a respeito de como se pensa a Criança e a infância através dos séculos - o que implica uma epistemologia coerente com determinado ponto de vista; que a questão inaugural da Psicologia do Desenvolvimento retoma pressupostos filosóficos ancestrais sobre o psiquismo tipicamente humano [Developmental Psychology’s own epistemology... is in fact a restatement of philosophy’s fundamental pressupositions about the mind (p.134)]: Como e o quê os adultos sabem, pensam e sentem poderia ser compreendido a partir da observação do processo de crescimento físico e intelectual das crianças?
Constatam que os resultados obtidos através dos vinte séculos de estudos e discussões sobre a humanidade são ironicamente inúteis para qualquer descoberta historicamente significativa – tanto por parte do pensamento filosófico antigo quanto da ciência “modernista”.
No item O Imperativo Evolucionista Holzman&Newman esclarecem que pretendem abordar criticamente aspectos da Psicologia Evolucionista de David Buss a partir do olhar pós-modernista contemporâneo comprometido com a colaboração de um novo paradigma ou modelo epistemológico que sirva para reunir abordagens teóricas fragmentadas no intuito de despir a Psicologia de sua “crise identitária”, agravada ao longo do século XX.
Revelam que Buss chega à conclusão em seu livro Investigação Psicológica [Psychological Inquiry] publicado na década de noventa do século passado (sec. XX) de que as muitas questões sobre as origens da natureza humana que sempre despertaram paixão e interesse ao longo dos séculos podem ser agrupadas em apenas três grandes tendências: (1) O Criacionismo – criação divina do ser humano, (2) A Transplantação [Seeding theory] - seres humanos teriam origem extraterrestre e (3) Darwinismo [Seleção Natural] - seres humanos teriam evoluído de formas de vida animadas, sem sistema nervoso, através de sucessivas mutações genéticas e ambientais.
Explicam que Buss desqualifica as teorias do Criacionismo e da Transplantação agumentando que elas não fornecem uma explicação satisfatória à curiosidade intelectual “científica” e que resta aos psicólogos e as pessoas escolarizadas a crença de que o sofisticado funcionamento psíquico da humanidade desenvolveu-se à moda evolucionista através da “Seleção Natural.” Segundo os autores, Buss sugere que o “longo” confronto entre causas biológicas e ambientais para justificarem o funcionamento mental humano poderia ser aniquilado por uma análise rigorosa do seu conceito (ingênuo, na opinião dos autores) de “Mecanismo Psicológico Desenvolvido” [Evolved Psychological Mechanism]; que Buss chega ao exagero de propor uma dezena rizível de mecanismos “fossilizados” que teriam sido “ativados” ao longo do processo de “adaptação” à moda de Darwin.
Para enfatizar o ridículo da teoria bussiana e de seu “novo” paradigma que sustenta uma análise grotesca e pseudocientífica (Mecanismo Psicológico Desenvolvido) recorrem a Morss citando fragmentos de seu livro intitulado A Biologização da Infância: Psicologia do Desenvolvimento e o Mito Darwinista [The Biologising of Childhood: Developmental Psychology and the Darwinian Myth] em que Morss alerta para o perigo da psicologia do desenvolvimento render-se à lógica evolucionista e se tornar um caminho “com viseiras” que despreza os saberes colaborados pelas ciências sociais a respeito da vida humana. [... A blind alley in the upward progress of the social and life siciences. (p.136)]
Os autores concordam com Morss de que Buss, ao pretender ser darwinista termina por reafirmar concepções lamarkianas pré-darwinistas particularmente quando propõe a “repetição” de momentos da trajetória evolutiva da mente através do que denomina “mecanismos fossilizados.”
Lembram-nos que Darwin distinguiu-se de seus antecessores por ter formulado o conceito de SELEÇÃO NATURAL como processo contínuo de mudanças não teleológicamente orientado ou sem um determinado fim. Acrescentam que o aspecto revolucionário da teoria de Darwin, ao contrário do que se constuma enfatizar, não é a noção de hereditariedade mas a ideia de MUDANÇA.
Explicam que Morss e o pensamento pós-moderno defendem o Pós-Darwinismo e não a ressureição do Darwinismo. Em outros termos: que a pós-modernidade pressupõe o aproveitamento crítico e rigoroso das contribuições do pensamento modernista.
Discutem como o conceito de Seleção Natural passou a ser usado para a manutenção e fortalecimento dos mitos da Psicologia “científica” no próximo item intitulado Psicologia do Desenvolvimento e a Construção da Criança [Developmental Psychology and the Construction of the Child].
Iniciam este item com o subitem O Que São As Crianças e Para Que Servem? [What Are Children and What Are They For?]
Sustentam que a Psicologia do Desenvolvimento originou-se como um ramo dos estudos sobre a Criança e que teria sido o mesmo Darwin da Teoria da Seleção Natural quem dera início ao acompanhamento sistemático do crescimento e formação de competências ao longo da infância baseando-se na observação longitudinal dos modos de agir de seu próprio filho. Esclarecem que o interesse de Darwin dirigia-se para evidências da “passagem” dos humanos do mundo animal para o mundo da cultura ao longo da filogênese, e que a descoberta das leis da hereditariedade acabaram por serem generalizadas vindo a influenciar os estudos subsequentes dos modos de ser durante a infância elaborados por psicólogos do desenvolvimento dos quais Piaget tornou-se o mais amplamente conhecido.
Lembram-nos a importante contribuição de Philippe Ariès quando este destaca as origens histórico-culturais das diferentes concepções sobre a infância ao longo dos séculos baseando-se na comparação das crônicas sobre a Criança e dos modos como ela era retratada em obras de arte. Esclarecem que Ariès auxilia-nos compreender como a Criança foi concebida inicialmente como um adulto em miniatura e as razões da posterior “descoberta” da infância, durante o século XVII, enquanto exigência posta pelas várias mudanças econômico-culturais e morais da sociedade européia; que ela (a Criança), inicialmente foi pensada de modo “romântico” como organismo biologicamente imaturo mais próximo do “mundo natural” e que chegou até mesmo ser comparada com o “homem primitivo” e com pessoas insanas ao longo do século XIX.
Revelam que, para os norte-americanos, G. Stanley Hall é considerado o “pai” da Psicologia do Desenvolvimento e que seu pensamento contribuiu muito para a consolidação dos mitos contemporâneos da Psicologia sobretudo por basear-se em uma abordagem “estática” do conhecimento e da “alma” humana; que Hall, fervoroso adepto da Teoria da Recapitulação, acreditava e defendia que o ser humano ao longo da infância repetia de modo abreviado a trajetória evolutiva da civilização ocidental e que teria sido seu pensamento o responsável por popularizar o “censo psicométrico” na avaliação em larga escala de escolares como procedimento “científico” para coleta de dados sobre a distribuição de suas características mentais “naturais.”
Afirmam que os estudos sobre a Criança foram fortemente impactados a seguir pelos sofisticados mecanismos estatísticos da época em que a Psicologia viu-se ocupada com a obsessão pelas diferenças individuais conforme o exposto no capítulo quinto do livro.
Ao fazer equivaler a idade mental à idade cronológica dos indivíduos - “medidos” pelos artefatos psicológicos artificialmente criados - propagou-se a crença de que estes eram procedimentos “confiáveis” para detectar desvios de conduta de uma “normalidade” biológica e universalmente idealizada.
Argumentam que este modo “modernista” de pensar implica em considerar natural e normal a evolução descartando qualquer possibilidade genuína de alteração do curso do desenvolvimento. Enfatizam o questionamento vigotskiiano desta visão “míope” citando-o longamente quando ele enfatiza a necessidade de se compreender o desenvolvimento não como uma linha contínua mas como trajetória em saltos qualitativos provocados por rupturas em modos de agir ao longo da imersão cultural da pessoa. Nesta concepção histórico-dialética do desenvolvimento de Vigotskii os autores vislumbram a antecipação do pensamento e insistência pós-moderna na relevância dos fatores sócio-econômicos na colaboração de visões de mundo.
Defendem que o reducionismo biológico e behaviorista são lados de uma mesma moeda e que, ao lado do racionalismo filosófico, sedimentaram-se nas práticas hegemônicas acadêmicas de pesquisa em Psicologia.
Denunciam que a concepção de Criança que sustenta estas práticas pressupõe que ela (a Criança) seja um organismo fundamentalmente passivo capaz de ser modelado e treinado para satisfazer anseios de sua atuação adequada conforme costumes socialmente valorizados- que se encontram absolutamente desconectados dos seus genuínos fundamentos políticos, econômicos e histórico-culturais.
Relembram que as crianças sempre foram consideradas como possuindo algum valor econômico para o trabalho na atividade agrícola dos tempos pré-industriais e, na era industrial, como mão de obra barata, em minas e fábricas, ressaltando que apenas a partir do ativismo político - tendo em vista o combate ao trabalho e exploração infantil - emergiu a necessidade da infância ser reconceptualizada.
Referem-se aos “desconcertantes” estudos sociológicos de Viviana Zelizer para elucidar as mudanças de atitude em relação à Criança por parte da sociedade norte-americana particularmente no livro Dando Preço à Criança sem Preço [Pricing the Priceless Child] no qual é exposta a sobreposição do valor sentimental dos cuidados com a infância ao seu valor “econômico” como exigência posta pela complexificação da organização das forças produtivas no capitalismo, sem satanizar este modelo econômico. [Her data are disconcerting (p. 142)].
Afirmam que os estudos de Zelizer são úteis em socorro ao ponto de vista pós-modernista de que o desenvolvimento – a atividade relacional e social humana – não pode ser pensado como “abstração” dissociada dos modos de organização sócio-econômica e histórico-cultural da humanidade ou como um processo “linear” desconectado dos produtos que cria e dos mecanismos que os tornam “naturalizados”.
Reiteram que o desenvolvimento deve ser concebido como continuidade não pragmática, como algo permanentemente em movimento ou em emergência.
No subitem Desenvolvimento como Auto-Construção [Development as Self-Construction] destacam o importante papel de Piaget e de sua Teoria do Desenvolvimento Cognitivo Infantil (Epistemologia Genética) para a consolidação do prestígio da Psicologia do Desenvolvimento e o entendimento de que a Criança é ativa na construção de conhecimentos, e que pensa de modo diferente dos adultos.
Consideram que o modelo cognitivista piagetiano contribuiu bastante para a manutenção do “conto” da Psicologia Hegemônica por propor uma Criança abstrata e singular em conformidade com os pressupostos do pensamento cartesiano-kantiano-freudiano; que, na contemporaneidade, os estudos críticos da obra de Piaget subdividem-se em duas grandes tendências: o neopiagetianismo (que toma a Criança como hereditariamente “genial”) e o coconstrutivismo ou socioconstrucionismo pós-modernista (que enfatiza sua interatividade destacando o papel dos fatores histórico-culturais em seu processo de desenvolvimento cognitivo sob influência do pensamento de Vigotskii e da Teoria Histórico-Cultural da Atividade).
Dividem este subitem em dois títulos: (1) A neta de Kant: A Psicologização do Conhecimento [Kant’s Grandchild: The Psychologizing of Knowledge] e (2) A neta de Freud: A intelectualização do Ego [Freud’s Grandchild: The Intelectualizing of the Ego] que têm por objetivo uma crítica mais pormenorizada do conceito de sujeito epistêmico piagetiano destacando seus fundamentos kantianos e da crença de Piaget no egocentrismo infantil (baseada na dicotomia dos mundos interno-externo/privado-social) revelando sua natureza essencialmente psicanalítica.
Recorrem à pertinente objeção vigotskianas à interpretação piagetiana para a “fala egocêntrica” (fala interior não oralizada) transcrevendo duas citações “clássicas” deste autor que lançam por terra o edifício da epistemologia genética.
Apresentam o subitem A Construção do Eu Deconstruida [Self-Construction Deconstructed] no qual são apresentados resultados de pesquisas contemporâneas comprometidas com a perspectiva pós-modernista de entendimento do desenvolvimento do psiquismo tipicamente humano na infância particularmente os obtidos por James Wertsch e Daniel Stern nos quais são ressaltados análises não interpretativas das falas em interações verbais entre mãe e filho levando em conta a dimensão lúdica e criativa de significações colaboradas entre adultos e crianças.
Embora considerem os estudos de Wertsch e Stern um avanço no sentido de ultrapassar os vieses congnitivistas comprometidos com uma ontologia “individual” julgam que ambos acabam reforçando a crença no “conto” da Psicologia Hegemônica conforme denuncia Cushman em Ideologia Obscurecida: Os Usos Políticos da Criança de Daniel Stern [Ideology Obscured: The Political Uses of Daniel Stern’s Infant].
Para os autores o pressuposto filosófico do Eu é o núcleo duro da construção do mito da Psicologia Hegemônica portanto levando-os a defender a de(s)construção do Eu “modernista” para revelar o processo de “naturalização” ou “apagamento” de sua dimensão política e ideológica amparados na relevante argumentação críticofeminista de Burman.
Reafirmam seu compromisso com a crítica pós-modernista na investigação dos vieses filosóficos e metodológicos que impregnam o pensamento modernista e a necessidade de ser ressaltado como as ideologias de classe e gênero culturamente colaboradas na sociedade burguesa interferem em suas interpretações, explicações e afirmativas contribuindo para a manutenção da crença em seus mitos hegemônicos.
No item O Que Desenvolve? [What Develops?] expõem a relevância de serem denunciados os processos de construção dos mitos da Psicologia Hegemônica e a derrubada da argumentação de seus principais defensores (Lamarck, Darwin, Hall, Piaget, Freud, Stern, Wertsch, Kaye) e apoio aos principais advogados do pensamento pós-moderno (Morss, Cushman, Burman) por terem formulado o questionamento mais desafiador da contemporaneidade: O que desenvolve?
Para os autores, só a partir de uma abordagem corajosa será possível discutir quais sejam as fronteiras da pessoa ultrapassando o entendimento do corpo como única resposta.
Encerram o capítulo e a segunda parte do livro indagando retórica e retumbantemente se haveria na perspectiva de uma psicologia acientífica e não filosófica uma unidade de análise ou mesmo a necessidade de qualquer consenso sobre o que venha a ser o desenvolvimento humano e até a necessidade de se buscar saber se a manutenção dos mitos da Psicologia Hegemônica dependem ou não do desenvolvimento das pessoas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário