terça-feira, 23 de agosto de 2011

TRUE BLOOD erotismo ou pornografia?





Sangue verdadeiro, sangue autêntico, sangue real, sangue original...

Quero compartilhar aqui aspectos pessoais da minha atividade como teatroeducador, despido de grilhões acadêmicos ou pudor.

Faço isso sem fins lucrativos porque afinal fui aposentado por invalidez qualificada quando prestes a galgar o último degrau da carreira do magistério na Universidade do Estado da Bahia-UNEB.

Renunciar à escalada profissional - exitosa, do meu ponto de vista - por força das circunstâncias em que se deu a solicitação de afastamento da minha atividade docente (por recomendação médica), não foi fácil. Não tem sido fácil.

Mas, é preciso encarar os desafios que nos são postos pela vida com desassombro e fé. Na esperança de continuar aprendendo a aprender com a fascinante escola da vida; e não ficar olhando para trás apegado ao que já era ou lamentando o que poderia ter sido.

Interesso-me, agora, pela descoberta de quem estou me tornando. Focalizo os limites e possibilidades para ser feliz daqui para frente – sem renunciar à curiosidade de aprendiz.

Tenho me ocupado em reunir forças para dar a volta na “montanha” sem me deter em lamentações pelo obstáculo descoberto em meio à minha caminhada. Sigo trilhas alternativas para prosseguir caminhando, detendo-me sem pressa na observação atenta de novas paisagens. Ando sem me ocupar com “seguidores” por força de matrícula ou em busca de louros e recompensas acadêmicas. Aceito caminhar ao lado de uns por algum tempo e a cruzar com outros em deslocamento pela Rede. Gosto de vê-los passar apressados por mim seguindo seus próprios caminhos, muitas vezes sem chance de esboçarem um aceno.

De vez em quando sinto-me melancólico, o que é típico do meu temperamento sanguineo. Quando isso ocorre, uma alegria tranquila, não eufórica, sem stress, me inunda de serenidade. Gosto de me sentir assim, um pouco distante de tudo... 

Mas logo causa-me indignação a violência da privação dos direitos de todos e de cada um, a negação da vivência plena da cidadania, da autoria e autodeterminação (livre arbítrio) e me entrego à Sombra sublimando desejos através da expressão artísticoestética.

Creio que me dedico à criação artísticoestética motivado pelo tratamento terapêutico de mim por mim mesmo, sem preocupação com a cura – se é que existe cura para a condição humana.

Prefiro acreditar em processos terapêuticos/pedagógicos continuados. Recuso a noção de catarse no sentido de “cura”. Tento fruir a duração da vida acolhendo as ocorrências da Determinação, sem nenhuma perspectiva teleológica (ação focalizando um objetivo preestabelecido) - a não ser o de celebrar a existência; Procuro aproximar-me da Natureza Criadora (Natura Naturanda), do princípio criador: Eros.

É sobre Eros em True Blood (videoclipe com excelente edição e trilha sonora de rock pesado) que pretendo compartilhar opinião.

Postei um elo (link) para este objeto estético (obra de arte) no Facebook e me surpreendi com a indisponibilidade de veiculação do “vínculo” (elo) naquela “rede social” sob a alegação lacônica de que havia sido feita uma solicitação anônima contrária ao oferecimento do acesso ao conteúdo do vídeo. Qualquer um que tente acessar o vídeo pelo Facebook constatará o que afirmo aqui.

O que pretendia – e pretendo – é ter acesso à opinião sincera de usuários da Rede sobre o impacto da recepção (reação estética) daquele produto artístico. Mais precisamente por parte das mulheres (maioria absoluta dos contatos não presenciais que possuo no ciberespaço). Não se trata de formular um quis ou survey, tampouco a “escolha” de uma “alternativa” pressupondo eventuais respostas nem de clicar sobre o ícone de “positivo” (polegar para cima) ou “negativo” (polegar para baixo). Isso não seria suficiente para traduzir o impacto sobre os usuários da Rede da obra de arte que usei como “provocação” para comunicarem seus pontos de vista.

Evidentemente, em regime de “urgência”, depoimentos não são bem-vindos. Seria necessário a pessoa permitir-se algum tempo não remunerado para se ocupar de assuntos que não oferecem nenhuma recompensa material.

Então, julguei oportuno transferir para OBSERVE a proposta do fórum para coleta das vozes dos usuários da Net. Devo encorajar os “seguidores” do blog e eventuais frequentadores mais tímidos e menos familiarizados com a expressão escrita do pensamento a fazê-lo, esclarecendo que não nos ocuparemos com a correção ortográfica de sua escrita.

É claro que não podemos oferecer garantia de que “curiosos” (voyeuristas) atrevam-se a fazê-lo. Sabemos da mente social corrompida e dos excessos do fundamentalismo “farisaico” submetido aos semblantes da normatividade hegemônica.

Interessa-me investigar o modo como é apresentada a sexualidade feminina e masculina na prática sexual consentida evocada pelo videoclipe TRUE BLOOD.

As fronteiras entre o erótico e o pornô nas obras de arte são pouco nítidas e ainda insuficientemente discutidas.

A impressão que tenho hoje é a de uma ausência de disposição das pessoas em geral para pensar sem pressa e desapaixonadamente sua vida social através das Artes e de um recrudescimento da intolerância para com a liberdade de expressão através das diferentes formas da comunicação estética.
Muitos acreditam que a representação cênica de um assassinato, estupro ou abuso sexual e de drogas exorta as pessoas à essas práticas condenáveis. Insistem em não aceitar que as relações entre as Artes e a Realidade Social são complexas, que a existência do signo artístico não se confunde com a vida dos seres animados que através dele é apresentada e representada.
Alguns optam deliberadamente por desconhecer os fundamentos estéticos da atividade artística, não por falta de instrução, mas, por se sentirem ameaçados pelo o que os objetos artísticos podem revelar sobre o íntimo da natureza humana, por provocarem seu questionamento, por tudo o que pode ser revelado ou ocultado a respeito de todos e cada um de nós.
Sinto haver receio generalizado das pessoas em se ocuparem de pensar a tragédia do viver humano em um mundo onde não há alternativa possível ao consumo voraz. Mas deve haver outros modos de escapar desse estado de coisas que não seja o humor imbecilizado ou a fuga eufórica e desesperada pela vertigem do prazer fulgaz e da alegria passageira alucinógena.

Na tentativa de evitar a contemplação de nossos horrores mais íntimos, quebrar o “espelho” da vida social não será suficiente jamais para apagar a imagem terrível e repugnante dos modos mais abjetos do ser humano quando estes são despudoradamente abordados pelo discurso da comunicação estética, através de enunciados complexos que podem provocar o obscurecimento de toda objetividade cientificista que se pretende conhecimento a respeito das “leis”  da criação artística ou que regulam a oferta de produtos no mercado das Artes

Sem pretender nada além do que exercer o direito inalienável de inserir-me nos movimentos dialógicos subjacente à curadoria educativa em Artes Cênicas apresento-lhes sem receio a oportunidade de discutir o videoclipe TRUE BLOOD.

Recordo-me de um lamentável comentário do finado jornalista Beu Machado na coluna Suingue do Jornal A Tarde de 07 de setembro de 1988 intitulada “Pornô no Gamboa” - há mais de dez anos atrás. A pequena nota é ilustrada por uma foto em preto e branco em alto contraste de divulgação do espetáculo TABU, de minha autoria, em cartaz na ocasião, dirigido por mim, no Teatro Gamboa (hoje, Gamboa Nova) – um templo sagrado a Dionísio, no qual tive o privilégio de atuar ao lado de Maria Maranhão.

Um registro do competente fotógrafo baiano Lucio Mendes, na qual Maria está sentada de frente para a câmera em plano geral, trajando um espartilho (combinação completa) com uma das pernas sobre o espaldar de uma cadeira ilustra a nota, transcrita aqui: “Sempre aberta a todas as dimensões dramáticas, a atriz Maria Maranhão está escancarando no Teatro Gamboa, desta vez no pornô [sic] Tabu. Ela incorpora uma polivalente sexual, disposta a seduzir um rapaz que reluta em deixar a turma da redundância. Cultura dos pés a cabeça. Em cartaz somente esta semana.” (Negrito meu)

Tanto Maria como eu ficamos muito chocados com o “veneno” do jornalista - hoje egum - Beu Machado. Além do constrangimento de enfrentarmos uma platéia lotada, totalmente masculina, ávida por assistir a cenas de sexo explícito supostamente protagonizadas por Maria e por mim, sofremos os prejuízos que isso causou às nossas imagens junto ao moralismo hipócrita do público conservador e preconceituoso do teatro baiano na ocasião.

Naquela época (início dos oitenta), cenas de sexo explícito sem uso de preservativos costumavam ser protagonizadas a céu aberto na praça Castro Alves, durante o dia e à noite, no período do  carnaval de rua de Salvador na Avenida (circuito Osmar); espetáculos pornô de teatro (com prática de sexo explícito) ocorriam no Teatro Vila Velha, vizinho ao Gamboa. Vi um desses espetáculos e fiquei estarrecido com a reação animalesca da platéia – maioria absoluta masculina - que parecia ora encontrar-se em um estádio de futebol ora nas fileiras escuras de um cinema dedicado a filmes de “sacanagem” como ocorre nas cabines privadas de sexshops e nos quartos de motéis - ou na privacidade doméstica em frente à tela de seus computadores pessoais conectados a sites que veiculam conteúdo “adulto”.

Atores e atrizes, atuando em espetáculos deste tipo, não é novidade. O cinema (DVD) nacional especializado nesta categoria já contou com a presença de muitos “globais” como os conhecidos Alexandre Frota, Mateus Carrieri, Rita Cadilaque entre outros.

Não se quer julgar aqui o mérito deste tipo de atuação teatral. Mas de reconhecer que esta é uma modalidade de teatro - na qual não me especializei, embora eu, pessoalmente, seja bastante tolerante no que se refere a espetáculos desta natureza.

Não me considero um “puritano” nem me incluo entre os que alijam da categoria cênica algumas práticas espetaculares tais como o teatro invisível de Boal e o teatro pornô ou de sexo explícito, por exemplo.

Cabe fazer aqui a defesa de alguns textos meus injustamente rotulados de “pornô” ou “pornográficos” como TABU, PELOS LENÇOIS DO MUNDO LIVRE (Escombros do Mundo Livre) e O ÚLTIMO GALEÃO: A saga do São Sebastião tumbeiro - tumbeiro Malê.

O erotismo não deve ser confundido com pornografia em cena. Existem filmes nos quais sequências tórridas de sexo heteronormativo explícito ou evocado (9 e ½ semanas de amor, O império dos sentidos, Calígula, Kids, Cauboi da meia-noite, Dona Flor e seus dois maridos etc) e não heteronormativo (O segredo de Brokebrake montain, Johns entre outros) são apresentadas com elegância e cuidado sem se tornarem ofensivas ao grande público.

O tratamento “estético” das práticas sexuais humanas pode ser constatado também em espetáculos de casas noturnas voltadas para o público adulto hetero e gay através das performances sensuais de GO GO boys e girls (dançarinos e dançarinas seminus ou parcialmente nus) inclusive veiculadas na TV Aberta (Novela Duas Caras da Globo e O Astro entre outros produtos da Rede Globo).

Fotos eróticas de celebridades em revistas como a Playboy e GMagazine (Xuxa, Vampeta, Débora Seco, Grazi Massafera, Carla Peres, Rubens Caribé etc),  são aceitas como não ofensivas ou “artísticas”.

Grosso modo considera-se que a imagem de membros masculinos erectos e seios enrijecidos da categoria “erótico”. Diferentemente, as fotos rotuladas como pornô revelam mulheres exibindo a vulva “arregaçada” e entreabindo os pequenos lábios ou homens que se deixam fotografar/filmar derramando o sêmem durante uma excitação ou conjunção carnal registrada em audiovisual. 

O registro de práticas sexuais converte-se em material “pornô” quando se trata de apelo ao onanismo (masturbação) ou convite à excitação para o ato sexual. O registro do coito não ocorre à serviço de interesses extrassexuais ou estéticos. Talvez pedagógico na perspectiva da educação sexual. O interesse do pornô é a documentação da atividade libidinosa com fim em si mesma.

Em PELOS LENÇOIS DO MUNDO LIVRE (Escombros do Mundo Livre), que foi encenado em Salvador sob a direção de Antônio Marques em 2007, no Teatro Gregório de Matos (Espaço Cultural Barroquinha), algumas cenas foram “cortadas” pelo diretor por serem consideradas “muito fortes” (pornográficas).

Entendo que o encenador tem o poder e deve possuir sensibilidade para apresentar as rubricas (indicações de marcação cênica e movimentação corporal de personagens) consideradas mais “duras” ou “ofensivas” de modo elegante ou artísticoestético - sem prejuízo de sua força dramática ou erótica.

Então essa é uma questão de competência técnicoestética segundo meu entendimento. O texto de minha autoria é “forte” por tratar a violência na escolarização de modo hiper-realista e dessassombrado, sem nenhum tipo de concessão pudica ou moralizante. Bem diferente do CUIDA BEM DE MIM que, apesar de magistralmente dirigido por Marfuz e tecnicamente irretocável, tem uma moralidade previsível, conformada e banal – “domesticadora” eu diria.

PELOS LENÇÓIS é um material artísticoestético que não persegue uma forma cênica invariante. Foi concebido como pretexto para discussão de temas polêmicos e episódios estarrecedores que afetam alunos, professores, funcionários e pais enredados pela escolarização na contemporaneidade. Há inclusive uma seleção de referências bibliográficas de artigos veiculados em periódicos especializados em Educação apensadas ao material, para informar e enriquecer as discussões em sala de aula do texto dramático e sua experimentação cênica desinteressada por alunos do ensino superior, médio e séries finais do fundamental.

Continuo acreditando no poder terapêutico e pedagógico dos ESCOMBROS e não tenho dúvida que o trabalho com este texto, nas escolas, poderia afetar as práticas frequentes de depredação do patrimônio público, o “buylling” e outros abusos que continuam ocorrendo escandalosamente de forma generalizada na escolarização.

Conversar abertamente sobre esses assuntos, ouvir o que se tem a dizer a respeito dessas práticas, sem querer “pregar” uma moralidade vulgar ou fazer proselitismo judaico-cristão ingênuo, pode ser útil à  sua abordagem pedagógica.

Chocante para mim não são cenas de sexo (evocadas ou explicitas) em obras de arte mas a exibição pela TV Aberta, ao meio dia, de cenas repugnantes protagonizadas por uma criança de aproximadamente seis anos e uma senhora de meia idade  revezando-se, tecnicamente, em variadas posições de cópula heteronormativa. E ser obrigado a ouvir o apresentador do programa execrar a mulher em atuação nas cenas sem se referir ou culpar os responsáveis pela produção do vídeo – estes sim, genuínos monstros - porque cooptaram a pobre senhora e a criança, remunerando-as precariamente para lucrar com a venda do material ilícito aos aficcionados da pedofilia mundo a fora. Isso sim é pornô – e da pior espécie, sem ética!

Não devemos confundir EROTISMO com PORNOGRAFIA!

O prazer mórbido proporcionado pela fruição do macabro no circo de horrores da violência do capitalismo perverso e pela desmedida do mau-caratismo sexista humano pode ser abordado de modo mais elegante, aceitável ou “estético” – crítico - e não menos impactante, através do erotismo artísticoestético como em TRUE BLOOD.

Sangue, cadáveres e toda sorte de iniquidades; náusea e vômito convulsivo; tristeza e dor; tragédias cotidianas... inundam as telas das TVs mundo afora. A violência pode, em razão da natureza convencional da Arte ser apresentada de modo contundente sem necessidade de recorrer ao realismo naturalista documental “taxidermista” do jornalismo “bruto” ou da “imprensa marrom”.

Tenhamos isso em mente antes de rotular o erótico em objetos estéticos como “pornô”. Aprendamos a apreciar a sexualidade sublimada nas obras de arte, sem medo ou pudor. É o que eu tinha para dizer. Agora preciso ter acesso ao pensamento de vocês. Grato desde já.

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