domingo, 7 de agosto de 2011

DO COMPORTAMENTO À CONSCIÊNCIA: A culturalização da Atividade

DO COMPORTAMENTO À CONSCIÊNCIA: A culturalização da Atividade Y
Por Ricardo Ottoni Vaz Japiassu

Em geral a atividade (ações e movimentos dos organismos), com ou sem sistema nervoso, têm sido descritos biologicamente em termos de “irritabilidade” em relação aos agentes exteriores do meio ambiente.

Inúmeros estudos na perspectiva darwinista (teoria da evolução das espécies) buscam demonstrar como se originam processos de organização cada vez mais elaborados da “sensibilidade” dos seres vivos a partir do estabelecimento do “sentido biológico” ou vínculo do impacto dos agentes exteriores à satisfação de necessidades vitais do organismo (adaptação).

Nesta perspectiva a “sensibilidade” e o “sentido biológico” aperfeiçoam-se com alterações anatômicas que resultam em órgãos motores permitindo articulações entre a sensibilidade elementar (irritabilidade) e a movimentação dos seres vivos. Acredita-se que a “parceria” entre as esferas sensível e motora dos organismos, ao longo da filogênese, seja a responsável pela formação de um “centro nervoso” ou sistema nervoso para regulação das cadeias de reação inatas.

O psiquismo sensorial elementar inato teria sido substituído progressivamente pelo psiquismo perceptivo com a emergência dos “centros nervosos”. Este novo aspecto do psiquismo ultrapassa as reações instintivas geneticamente programadas da sensibilidade elementar possibilitando ações adaptativas singulares mais elaboradas, fundamentalmente viabilizadas por profundas alterações anatômicas e fisiológicas nos organismos - consolidadas pelo processo de “seleção natural”, responsável pela evolução das espécies.

Os “centros nervosos” permitem a “fixação” ou repetição das condutas mais bem sucedidas dos organismos tendo em vista a preservação da vida. A atividade vital dos seres vivos regulada pelo psiquismo perceptivo concorre para a fixação do êxito de condutas (movimentos e ações) descobertas a partir de “reações caóticas” (tentativa e erro) no decurso de ensaios motores.

Para os seres vivos dotados de psiquismo perceptivo o meio ambiente não se apresenta exclusivamente sob a forma de sensações elementares, isoladas e pré-programadas geneticamente, mas a partir de “imagens” – algo que ocorre paralelamente ao aperfeiçoamento anatomofisiológico de membros relacionados à motricidade e de suas conexões com os “centros nervosos”. A existência de um sistema nervoso central ou “centro nervoso” caracteriza o psiquismo perceptivo emergente com a concentração gerencial do desempenho fisiológico do organismo em zonas anatômicas específicas (localização de funções psíquicas) no “encéfalo”  - que passa a controlar os “membros” que ampliam sua capacidade motora.

A atividade dos organismos, em geral, abrange amplo conjunto de procedimentos que vão desde as reações elementares à coordenação complexa de ações intencionais. Quando a atividade dos seres vivos passa a ser “regulada” pelo psiquismo perceptivo formam-se hábitos (movimentos adquiridos a partir de experiência anterior).

A emergência de hábitos acarreta uma transformação no modo sensorial de fixação da experiência e pode-se, agora, falar em comportamento (maior organização da atividade vital dos organismos). Isso equivale a afirmar que hábitos devem designar restritamente apenas os vínculos da experiência motora dos organismos dotados de psiquismo perceptivo, fixados a partir de representações sensitivas (generalização das imagens do mundo natural). A rigor, a fixação de condutas justificadas pelo psiquismo sensorial não se confunde com os hábitos (ações gerenciadas pelo encéfalo a partir de representações sensitivas)

A atividade da maior parte dos mamíferos permanece regulada pelo psiquismo perceptivo porém, em espécies animais mais organizadas (símios antropóides, por exemplo), curiosamente surge o intelecto. O psiquismo intelectualizado permite a solução de problemas sem aprendizado prévio (soluções encontradas anteriormente em situação análoga podem ser transferidas e “adaptadas” à novas e diferentes circunstâncias por “intuição” e não necessariamente por “reações caóticas” que oportunizam êxito eventual). Só nos seres vivos nos quais se constata a existência do intelecto é possível a “descoberta súbita” de procedimentos que levam instantaneamente ao sucesso de suas ações; unicamente os organismos mais organizados podem resolver um problema por analogia sem recorrer a ensaios preliminares (tentativa e erro com êxito fortuito); apenas através do psiquismo organizado pelo intelecto soluções já experimentadas são transferidas rapidamente à situações análogas, por “intuição”.

O psiquismo intelectualizado, presente nos mamíferos mais organizados - e não o comportamento (hábitos fixados pelo psiquismo perceptivo) - é o limite para além do qual tem início a história social da culturalização da atividade exclusivamente humana: a conscientização das ações.


Y Fragmento de pronunciamento solicitado pela UNEB XV em 2011.


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