Mesmo sob o risco de ser mal compreendido vou expor um relato pessoal de “apreciação” (recepção estética) do espetáculo produzido pela Rede Globo de Televisão voltado para a captação de recursos destinados ao Programa Criança-Esperança da UNESCO.
O luxuoso empreendimento sob a produção da Rede Globo busca comover o espectador exortando-o à “caridade” através de donativos através dos meios analógicos e digitais (telefonia fixa, móvel e internet). Sob o modelo da montagem de atrações inúmeros artistas se sucedem no espaço tecnologizado do Arena Multimídia com figurinos exuberantes e gigantescos objetos de cena animados - que acompanham performances individuais, em duplas, trios e em coletivos de dançateatromúsica - ocasionando grande impacto visual pelo “excesso” em cena;
O desfile de “atrações” é intercalado por intervenções de apresentadores do jornalismo da emissora e por “matérias” que denunciam as perversas condições em que habitam crianças brasileiras das classes oprimidas pelo cinismo indiferente do capitalismo transnacional; também pelo uso de conhecidas personagens do universo dos “quadrinhos” (cartoons) destinados ao público infantil em animação áudiovisual. Apesar da presença da Mônica, do Ceboliha e de alguns “clowns” do elenco global; ou da experiente e bem humorada atuação de Sônia Anembergue e Evaristo Costa diante dos improvisos a que foram submetidos sem ensaio prévio, não foi possível mascarar alguns equívocos da concepção geral do espetáculo - agigantado pelos recursos tecnológicos da Rede Globo – que serão aqui assinalados como desafios a serem superados para além das conquistas e saberes estéticos dos responsáveis pelos espetáculos do programa contratados pela emissora.
O principal “problema” do espetáculo é ser concebido como uma produção agarrrada ao modelo da “caridade”, recusando a adoção do paradigma ubunto da diversidade ou “solidariedade” – advogado pelas práticas discursivas dos organismos internacionais voltados para o desenvolvimento cultural. Isso é chocante: uma contradição que necessita ser denunciada.O Programa da UNESCO poderia “multiplicar os pães” que arrecada apoiando um espetáculo tecido por redes de solidariedade congregando, por exemplo, diferentes emissoras de TV, artistas e produtores culturais populares.
Chama atenção o subaproveitamento dos elevadores e giratórias do excelente palco do Arena Multimídia. O uso cênico tímido de suas possibilidades denuncia o regime de urgência na preparação do espetáculo e – o que é pior – falta de conhecimento das muitas soluções cênicas para o desafio da atuação em palco aberto ou arena (central stage). Este é o grande “calcanhar de Aquiles” do espetáculo na perspectiva especializada da encenação.
Do ponto de vista da “direção de TV” ou da operação da “mesa de corte” imperdoável a revelação de “travellings” e “zoom-in/out” de câmeras. Não se pode tolerar este tipo de “precipitação” em profissionais acostumados a lidarem com excelentes transmissões ao vivo (como é o caso da veiculação “em direto” de partidas de futebol). Admitamos: Faltou rigor e esmero na composição dos planos para o registro áudiovisual do evento.
Os figurinos apresentados, pretensamente “luxuosos”, carecem de originalidade e não podem sequer ser comparados com a exuberância e elegância dos adereços carnavalescos das escolas de samba do Rio e São Paulo, do bumba-meu-boi maranhense, do Boi-Bumbá amazônico, dos Afoxés afro-descendentes e dos ritos mágico-religiosos do Xingu. Uma denegação do orgulho nacional. Muito triste.
Por fim, faltou ao espetáculo um enredo que pudesse “costurar” o desfile de “atrações” atribuindo-lhe um sentido dominante - que pudesse congregar as diferentes cadeias de significados das unidades de ação cênica.
Que o aprendizado e a autocrítica possam colaborar novos níveis de desenvolvimento cênico de posteriores espetáculos no palco do Arena Multimídia...
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