domingo, 26 de dezembro de 2010

ERA UMA VEZ A PSICOLOGIA CIENTÍFICA... (4)

Após a apresentação da PRIMEIRA PARTE se seguem  dois capítulos denominados respectivamente Entre a Ilíada e a Odisseia [Between the Iliad and the Odyssey] e A Glorificação da Experiência: Filosofia Moderna, Psicologia e Lógica [The glorification of Experience: Modern Philosophy, Psychology and Logic].

A partir da tese de Julian Janes de que a diferença essencial entre a Ilíada e a Odisseia não reside apenas no período ao qual se referem as lendas e mitos narrados em ambos escritos atribuídos a Homero, mas em COMO se dá a narrativa das epopeias homéricas dos povos micênicos e aqueus, após sua expulsão da península grega pelos dórios - de mesma origem étnica.

Na Odisseia evidencia-se a voz narrativa autoral e criativa dos aqueus em contraste com o que ocorre na Ilíada - em que a narrativa contenta-se em não ir além do que pertence às tradições ancestrais da memória oral micênica e aqueana.

É nesta ruptura do modo de narrar que Janes especula ocorrer a consolidação ideológica da autoconsciência e da abstração que caracterizam o pensamento grego.

Os autores informam aos leitores sua concordância com a provocativa tese de Janes - que lhes servirá como ponto de partida para uma abordagem crítica à gênese e ao desenvolvimento da filosofia racionalista dos gregos através dos séculos no primeiro milênio após Cristo, no capítulo.

Os Pré-Socráticos [The Pre-Socratics] é o primeiro subtítulo da exposição documental da trajetória da filosofia racionalista, pelos autores, no livro.

NOTA EM RODAPÉ

A natureza especulativa da tese de Janes por si só já revela a dimensão signitiva do conhecimento fundado na linguagem verbal, tipicamente humano – que é a questão principal discutida pelos autores. Descobertas arqueológicas podem concorrer para que indicações mais convincentes possam substituir elucubrações controversas quanto às origens do início histórico da Filosofia e do racionalismo no pensar da humanidade. A questão permanece em aberto: “O que terá levado o homem, a partir de determinado momento de sua história, a fazer ciência teórica e filosofia?”; mas o núcleo duro do problema reside mesmo em precisar a passagem da mentalidade fazedora de mitos para a mentalidade “teorizante” sobre os mitos.

Consultar SOUZA, José C. de [Org] (2005) Do mito à filosofia. Os Pré-Socráticos – Fragmentos, Doxografia e Comentários. São Paulo: Nova Cultural, p. 5-13.


ISABEL (2)

PRIMEIRA PARTE
PRIMEIRA REGÊNCIA (1871-1872)
O Gabinete Rio Branco

Uma procissão em louvor de Nª Srª da Boa Morte atravessa a cena ao som de matracas e cânticos rituais tradicionais à luz de velas.





Coro de senhoras negras ex-escravas
Valei-nos Nossa Senhora da Boa Morte!
Mãe Maior [Anciã]
Livrai-nos do julgo masculino!
Coro de senhoras negras ex-escravas
Livrai Mãe Senhora todas as mulheres do julgo masculino!
Mãe Pequena
Poupai Maria Mãe de Deus as mulheres negras mães e seus filhos do escravismo!
Coro de senhoras negras ex-escravas
L’Ôdô Yá! L’ôdô Yá!
Mãe Maior
Grande Senhora, em seu nome pedimos contribuições a todos...
Mãe Pequena
Para alforriar a realeza de além-mar subjugada à força bruta
Coro de senhoras negras ex-escravas
E a todos os que são condenados ao escravismo indigno
Mãe Maior
Pedimos em nome das vozes escravizadas d’África
Mãe Pequena
Eu [África] triste abandonada, em meio das areias esgarrada, perdida marcho em vão...
Coro de senhoras negras ex-escravas
(Entoando em modo de jogral Vozes D’África de Castro Alves)
Se choro... bebe o pranto a areia ardente
Talvez... pra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão...
        E nem tenho uma sombra de floresta...
        Para cobrir-me nem um templo resta
        No solo abrasador...
        Quando subo às pirâmides do Egito
        Embalde aos quatro céus chorando grito:
        “Abriga-me, Senhor!...”
[...] Quando eu passo no Saara amortalhada...
Ai! dizem: “Lá vai África embuçada no seu branco Albornoz...”
        Nem vêem que o deserto é meu sudário
        Que o silêncio campeia solitário
        Por sobre o peito meu.
Lá no solo onde o cardo apenas medra
Boceja a Esfinge colossal de pedra
        Fitando o morno céu.
De Tebas nas colunas derrocadas
As cegonhas espiam debruçadas
O horizonte sem fim...
Onde branqueja a caravana errante,
E o camelo monótono, arquejante
         Que desce de Efraim...
Mãe Maior
[...] Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
        De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor? Que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!...
Mãe Pequena
[...] Vi a ciência desertar do Egito...
Vi meu povo seguir – judeu maldito –
        Trilho de perdição.
Mãe Maior
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras d’Europa – arrebatada –
        Amestrado falcão!...
[...] Hoje em meu sangue a América se nutre
- Condor que transformara-se em abutre,
        Ave da escravidão.
 [...] Basta, senhor! [...] Há dois mil anos... eu soluço um grito...
Escuta o brado meu lá do infinito
Coro de senhoras negras ex-escravas
Meu Deus! Senhor, meu Deus!

         A procissão de negras ex-escravas deixa a cena. Escurecimento lento.



         Luz sobre sala de audiência do Gabinete Rio Branco. A Princesa Isabel Cristina Leopoldina de Bragança lê alto e bom som páginas de um livro para alguns assessores. Usa uma camélia branca como broche apensada ao peito na altura do coração.

Camélia - símbolo da luta pela abolição do escravismo no Brasil




Princesa Isabel
(Lê e diz o poema Mater Dolorosa de Castro Alves)

Meu filho, dorme, dorme o sono eterno
No berço imenso, que se chama – o céu.
Pede às estrelas um olhar materno,
Um seio quente, como o seio meu.

Ai! borboleta, na crisálida,
As asas de ouro vais além abrir.
Ai! rosa branca no matiz tão pálida,
Longe, tão longe vais de mim florir

Meu filho, dorme... Como ruge o norte
Nas folhas secas do sombrio chão!...
Folha dest’alma como darte à sorte?...
É tredo, horrível o feral tufão!

Não me maldigas... Num amor sem termo
Bebi a força de matar-te... a mim...
Viva eu cativa a soluçar num ermo...
Filho, sê livre... Sou feliz assim...

- Ave – te espera da lufada o açoite,
- Estrela – guia-te uma luz falaz.
- Aurora minha – só te aguarda a noite,
- Pobre inocente – já maldito estás.

Perdão, meu filho... se matar-te é crime...
Deus me perdoa... me perdoa já.
A fera enchente quebraria o vime...
Velem-te os anjos e te cuidem lá.

Meu filho dorme... dorme o sono eterno
No berço imenso, que se chama o céu.
Pede às estrelas um olhar materno,
Um seio quente, como o seio meu.

        Fecha o livro e coloca-o sobre a escrivaninha.

Princesa Isabel
(Para os assessores) Mater Dolorosa - quinto poema de Os Escravos de Antônio Frederico Castro Alves, escrito aos 7 de junho de 1865, em Recife... (Pausa) Uma pena ter sido colhido tão jovem pela tuberculose o nosso poeta... 24 anos!? – o arauto da abolição do escravismo no Brasil... Cuidem para que seja sancionada a Lei do Ventre Livre ainda neste ano de 1871, também uma homenagem póstuma ao bardo baiano, antes que finde o período destinado à minha primeira imperial regência. O texto do decreto já foi revisado e segue assinado por mim devendo ser aprovado, sem objeção, pela Assembleia, em 28 de setembro próximo. É este o meu imperial dever ético - e vontade política.

Assessor Chefe do Gabinete Rio Branco
Providenciarei o que Sua Alteza Imperial ordena instantaneamente! Com sua permissão, Princesa?

Retira-se apressado e reverentemente sendo seguido por assessores subordinados com o texto manuscrito da Lei nas mãos.

Princesa Isabel
(Após a saída dos assessores) E então meu caro José... O que clamam os ex-combatentes negros, nossos heróis da vitória brasileira sobre o Paraguai?
Jose do Patrocínio
Recusam-se retornar à condição de escravos por terem sido condecorados pelo Império. Estão sendo perseguidos e sofrendo todo tipo de pressão por parte dos antigos “donos” por isso...
Princesa Isabel
É necessário haver uma ampla movimentação social em favor da abolição do escravismo para conferir legitimidade aos atos do Império... quero dizer: para que as palavras saltem dos papéis e ganhem as ruas...
José do Patrocínio
Sem dúvida. Agora que temos a propriedade do jornal O Abolicionista será mais fácil influenciar a opinião pública... Pensamos em fundar uma Confederação pela abolição do escravismo. A idéia é servirmos de modelo a outras publicações antiescravistas e arrecadar fundos para pagamento de cartas de alforria e pressionar as autoridades federais até que seja definitivamente abolida a escravidão no Brasil.
Princesa Isabel
Quero que saibam que podem contar comigo. Além da Lei do Ventre Livre que acabo de decretar – que é o que pude fazer até agora com o apoio do Visconde de Rio Branco - como prova do meu compromisso com a nossa causa faço questão de inaugurar as doações destinadas às irmandades para compra de cartas de alforria cedendo este conjunto de peças em ouro, brilhantes e esmeraldas para adorno feminino, de grande valor, que me foi presenteado pela minha mãe, a Imperatriz Tereza Cristina, na ocasião do meu baile de debutante.

        Entrega-lhe a caixa contendo um conjunto composto de tiara, pingentes e gargantilha.

José do Patrocínio
Em nome de todos os abolicionistas, agradeço-lhe a inestimável contribuição. (Abrindo a caixa)  Um tesouro, Alteza! Um tesouro...
Princesa Isabel
Peço-lhe discrição - para não causar falatório que venha atrapalhar os nossos planos.
José do Patrocínio
Certamente Princesa, o nome do doador será mantido em sigilo absoluto.
Princesa Isabel
Fui informada da existência de uma sociedade de mulheres negras ex-escravas em Cachoeira, no recôncavo baiano, cidade onde meu pai fez construir uma ponte de ferro sobre o Rio Maragojipe que a liga à Vila de São Félix em reconhecimento ao fundamental apoio do povo daquela região à sangrenta Campanha da Bahia nas lutas pela consolidação da Independência do país. Gostaria que a Irmandade da Boa Morte - que congrega estas senhoras negras libertas, que se encontram sinceramente engajadas na compra de cartas de alforria para libertar mulheres e homens escravizados - fosse especialmente contemplada com a maior parte da soma auferida com a venda da jóia que ora lhe confio.
José do Patrocínio
Seu desejo terá bom êxito, Alteza! Uma demonstração de sua generosidade.
Princesa Isabel
Mais que generosidade, é um dever das elites econômicas resgatar a dívida histórica para com o povo negro escravizado já há quase trezentos anos no Brasil. Você bem sabe que as objeções são grandes por parte dos latifundiários acostumados aos lucros fáceis e a toda sorte de abusos da condição de escravos dos negros retirados à força de África e aos que aqui foram nascidos na aviltante condição de filhos dessa “instituição injuriosa” – para fazer eco às palavras do nosso amigo Visconde de Rio Branco.
José do Patrocínio
Como costuma dizer o amigo Joaquim Nabuco, a causa abolicionista além de ser um dever ético é sobretudo uma questão política em razão de o escravismo afrontar o Direito Internacional, como faz saber abertamente o Ministério das Relações Exteriores da Inglaterra.
Princesa Isabel
As pressões dos ingleses conseguiram minar em parte as resistências do Partido Conservador – que apoiará a sanção do Decreto-Lei que acabo de encaminhar ao nosso Parlamento conforme asseverou-me o Visconde - que fará sua defesa pública de modo intransigente.

Escuro lento. Clarão. Escuro rápido. Ouve-se trecho majestoso contínuo logo após a abertura da ópera O Guarani de Carlos Gomes.

ERA UMA VEZ A PSICOLOGIA CIENTÍFICA... (3)

A PRIMEIRA PARTE do livro intitulada Alguns contos filosóficos [Some stories of Philosophy] é uma breve exposição da emergência da filosofia ocidental dominante, cuja gênese costuma-se vincular ao pensamento grego da antiguidade - organizado sistematicamente por Platão e seu discípulo e crítico Aristoteles.

Os autores advertem que, de modo algum, ao reconhecerem a relevância das noções de abstração e autoconsciência como importantes contribuições da filosofia grega helênica para o entendimento do psiquismo humano, estão aderindo ao equívoco evidente, embora usual, de considerar a cultura do povo grego, implícita ou explicitamente, superior às dos demais povos da Antiguidade.Para eles, o discurso sobre o pensamento intelectual fundado na autoconsciência e na abstração dos gregos não deve ser considerado menos superior que os feitos extraordinários dos grupos humanos que construíram as grandes civilizações no nordeste da África, Índia, China e Américas no período pré-helênico.

Holzman&Newman esclarecem que o pensamento filosófico grego ao converter-se em sócio da Religião (Cristianismo escolástico), da Política (Estados fundados em contratos sociais), da Ciência e Tecnologia (Matematização e objetificação da Natureza) e da Psicologia (Dualismo Corpo-Mente cartesiano e kantiano) passa a exercer hegemonia plena no mundo ocidental, esculpindo, ao longo dos séculos, os modos de pensar, falar, sonhar e de ser dos seres humanos.

Todavia, para ambos, a opulenta filosofia racionalista ou sistemática dos gregos, em razão da calcificação conceitual de sua estrutura, começa a apresentar rachaduras e a ruir ocasionando a sua “morte”. Isto, a morte da Filosofia - e não a morte do Comunismo - é o que sela definitivamente o encerramento do século XX na opinião dos autores [“... the singularly significant event of this, the twentieth century, is likely to be not the death of communism, but the deth of philosophy.” (p.14)]

Comprometem-se a evidenciar, na segunda parte do livro, a autodestruição da Filosofia e sua eutanásia pela Psicologia – filha abortada de sua “cópula” com a Ciência.
Concluem perguntando-se sobre os caminhos do desenvolvimento humano e até mesmo se qualquer desenvolvimento seria possível após isso. Indagam quais novas “estórias da carochinha” [Children/stories] seriam criadas pela Psicologia e contadas às pessoas e como elas seriam convincentemente recriadas.

Finalmente opõem-se abertamente a Francis Fukuyama quando este alardeia que a Pós-Modernidade é “o fim da história” [The end of history].

Os autores estão convencidos de que a história continua, mas sem a Filosofia.


sábado, 25 de dezembro de 2010

ERA UMA VEZ A PSICOLOGIA CIENTÍFICA... (2)

Na INTRODUÇÃO os autores deixam claro que seu objetivo com o livro é compartilhar uma atitude pós-moderna radical de confronto à Psicologia Ocidental “oficial” (hegemônica), despindo-a em público. Anunciam em alto e bom som, mas com dignidade, a falência dos axiomas “moribundos”, da crença “objetivista” e da pretensão “científica” desta fascinante área do conhecimento humano.

Ali definem-se como praticantes da Teoria Histórico-Cultural da Atividade-CHAT (Cultural-Historical Activity Theory) revelando sem pudor sua adesão à escola socioculturalista norte-americana; e justificam sua opção por acreditarem ser inseparável o entendimento do psiquismo humano dos modos de organização histórica da vida social.

Ao longo de doze páginas conseguem condensar os fundamentos da crítica feroz que fazem à tentativa comovente da Psicologia de aderir ao cientificismo - que impregna todo o pensamento modernista - mas não sem propor algo para ocupar o vácuo deixado pelos escombros da Modernidade.

A introdução divide-se por sua vez em duas partes intituladas respectivamente Filosofia, Ciência e Psicologia [Philosophy, Science and Psychology] e A Atividade fala mais alto do que as Narrativas [Activity Speaks Louder than Stories].

Os autores, na primeira parte, basicamente apresentam seu “DNA” epistemológico, emblematizado pelo diálogo franco com os pensamentos de Vigotskii e Wittgenstein - o que lhes permitiu formular uma abordagem performático-cultural para entender o psiquismo humano.

Deixam claro que o psiquismo tipicamente humano só pode ser genuinamente compreendido enquanto atividade criadora de novas formas de vida e que portanto só uma abordagem performático-cultural, não interpretativa, poderia dar conta de algo que é necessariamente relacional e atual (performático ou processual), ou seja, uma Psicologia Acientífica.

A rigor, os autores não propõe uma Psicologia propriamente dita mas um jogo qualitativamente novo que possibilite libertar definitivamente as subjetividades dos dolorosos processos de coisificação.[“indeed, not a psychology at all but a qualitatively new kind of play, a continuous uncommodified performance of subjectivity” (p.2)]

Esclarecem que o livro é uma continuação do seu Lev Vygotsky – cientista revolucionário [NEWMAN, F. & HOLZMAN, 2002 (Loyola)], ampliando e aprofundando a discussão do pensamento vigotskiano no qual se sustenta a Teoria Histórico-Cultural da Atividade/CHAT.

Informam que pretendem demonstrar como aspectos pós-modernos originalmente presentes em sua idéia-mãe permitem caracterizar a produção intelectual vigotskiana como sólida ponte entre a sufocante psicologia pseudocientífica modernista e as promissoras possibilidades que se apresentam a partir de sua atualização ou “pós-modernização”.

Os autores esclarecem que o pensamento vigostkiano, somado à filosofia de Wittgenstein emblematizada pelos jogos de linguagem [Language-games], lhes permitem confrontar  a autoridade avaliadora da Psicologia Científica e revelar como, ao ambicionar o status de ciência, a Psicologia se apresentou à Modernidade como a “voz da razão”; que farão isso examinando criticamente a tradição filosófica inaugurada pela Antiguidade Clássica ocidental, na primeira parte do livro, encorajados pelo amparo da rede de concepções diagnósticas conectadas ao pós-modernismo.

Em seguida apresentam os conteúdos a serem trabalhados na segunda parte do livro, anunciando que focalizarão de modo privilegiado o relevante papel da “contação de histórias” [storytelling] e das narrativas como ferramentas úteis para desvelar os vieses metodológicos e ideológicos das Ciências Sociais na Modernidade.

Explicam que não pretendem abrir mão de uma perspectiva crítica na abordagem à vertente narrativista ou interpretativista, embora reconheçam sua contribuição para a colaboração do conhecimento a respeito do funcionamento do psiquismo humano. Para eles, a postura narrativa ainda se encontra presa à noção de verdade por ser a interpretação, em última instância, uma proposição de verdade sob determinadas circunstâncias - o que equivale dizer que em algum sentido algo acaba sendo tomado por verdade. [ “An interpretation is a proposition that is true under certain circumstances; that is, given a certain interpretation, one takes something to be true.” (p.6)]
Anunciam a atividade como “unidade de análise” do psiquismo tipicamente humano e princípio criador emergente de novas formas de vida autoreferenciais e autoreflexivas nas quais sócio-historicamente o entendimento encontra-se inseparável do desenvolvimento.

Deixam claro que, para eles, as narrativas não reificadas (não naturalizadas), ou seja, o convite ao engajamento voluntário na colaboração relacional e continuada de novas formas de vida social é que obstinadamente advogam ao formularem e proporem a terapia social da performance.

Por fim, concluem a introdução caracterizando, sem falsa modéstia, Psicologia Acientífica e seus outros trabalhos publicados como integrantes da tradição revolucionária pós-moderna, da qual se orgulham.



NOTA DE RODAPÉ
Para maiores esclarecimentos à respeito da terapia social da performance sugere-se consultar:

HOLZMAN, L. & MENDEZ, Rafael (2003) Psychological Investigations – a clinical guide to social therapy. New York-Hove: Brunner-Routledge.

JAPIASSU, Ricardo (2010) A terapia social da performance de Fred Newman Metodologia do ensino de teatro/9ª Ed. Campinas: Papirus,Cap.1, p.55-62.


ISABEL (1)

Esmeraldas da
redenção


                                                                                              
                                         Aurum Imperial Regência
                       Isabel Cristina Leopoldina de Bragança - Princesa do Brasil


Ricardo Ottoni


Personagens [por ordem de entrada em cena]

Coro de senhoras negras ex-escravas
Don’Ana Mãe Maior [anciã]
Mãe Pequena
Princesa Isabel
Assessor Chefe do Gabinete Rio Branco
Assessores assistentes do Gabinete [dois]
José do Patrocínio [jornalista abolicionista confidente da Princesa]
Maria Judite [mãe biológica de Dandara, prima de Don’Ana]
Dandara [Princesa de Ruanda escravizada, filha de Maria Judite, sobrinha de Don’Ana]
Zeza [moleque de recados do Barão do Fumo de São Félix]
Antônio Bento [negro rebelado quilombola, pai de aluguel da Fazenda do Barro Vermelho]
Coro de caifazes [negros rebelados liderados por Antônio Bento]
Zumira [amante de Antônio Bento, escrava rebelada da Barro vermelho]
Emissário do Tigre [correio de José do Patrocínio]
Tribalistas Aymoré
Caboclo Manuel Galdino
Pajé Aymoré
Caboclo-Boto
Guerreiro Aymoré
Coro Aymoré
Mensageiro negro recém-liberto
Voz masculina
Grande coro de negras e negros libertos
Bundo [ex-escravo fugido da Barro Vermelho, companheiro de Antonio Bento]
Primeiro militar agitador
Segundo militar agitador
Terceiro militar agitador
Frequentadores da taberna [homens trabalhadores e mulheres desfrutáveis]
Mãe Danda-Lund’Aruanda [Dandara]
Filhos e filhas de santo da casa de Mãe Danda-Lund’Aruanda Pequena [Auxiliar do culto de Mãe Danda-Lund’Aruanda]
Fernando Bento [Filho de Antônio Bento e Dandara]
Cabocla Oyá-Ssi da pena dourada

ISABEL

Informações sobre o próximo texto dramático a elencar a série DRAMATURGIA EM PEDAÇOS

Título da Obra
Esmeraldas da redenção Aurum Imperial Regência  Isabel Cristina Leopoldina de Bragança – Princesa do Brasil
Autor (es)
Ricardo Ottoni
Gênero
Drama solene
Registro SBAT
11618

Núm.  de Páginas
51
Duração Aproximada
53 min
Atos
3
Núm.  de Personagens
33/ Masc. 15 Fem. 18
Núm.  de Atores (*)
15
Núm.  de Cenas
25
Cenário Formalista/ Vários ambientes (5) delimitados por luz e dispositivos cênicos
Texto Original
Título Original Esmeraldas da redenção
Música
Carlos Gomes, Villa-Lobos & Roquete Pinto, percussão mágico-religiosa de umbanda

SINOPSE


O argumento destaca as articulações políticas e os embates ideológicos que conduziram à abolição do escravismo no Brasil sem no entanto prender-se  ao historicismo estéril.  Opta por uma versão ficcional que denuncia e revela o processo de impeachment da Imperial Regência da Princesa Leopoldina ocasionado por fatores econômicos e sociais que foram decisivos para a queda da monarquia no Brasil e banimento da família real do país tendo como consequência a  proclamação da República pelo exército nacional.

Não encenado até a data de registro do texto.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

ERA UMA VEZ A PSICOLOGIA CIENTÍFICA... (1)

Os autores, honestamente, apresentam-se no prefácio como ativistas pós-modernos, membros de uma comunalidade de práticas desterritorializada e sem fronteiras espaciais, isto é, de um lugar imaterial do qual pessoas podem observar e compreender o fluxo histórico do desenvolvimento humano de modo privilegiado, por interagirem movidas por um processo initerrupto de busca de aperfeiçoamento e aprendizado sóciocultural contínuo, em permanente movimento, sem “muralhas acadêmicas” embora conectadas satisfatoriamente com sólida tradição de pesquisa: a prática do método.

A prática do método por parte da comunalidade práticoativista da qual são portavozes os autores contrapõe-se à ortodoxia paralizante do método da prática. Eles explicam que o método para os ativistas-praticantes não é algo que se aplica a algo, mas uma atividade “para si” - que se distingue da atividade “em si” (no sentido marxiano).

O método, antes de ser concebido como “instrumento para resultado” é vivido como “instrumento e resultado” segundo a tradição práticoativista inaugurada por Lev Vigotskii: “O método é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo”. [Vigotskii, L. S. (1996) Problemas de método. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, cap. 5, p.86.]

Os práticoativistas da comunalidade em desenvolvimento à qual se vinculam os autores definem-se não tanto como uma universidade sem muralhas [“university without walls”] mas, antes, como  muralhas sem escolarização [“walls without a university”].

Os autores sugerem que nós, leitores, coloquemos "em prática" o livro, na esperança de que seus escritos possam nos auxiliar a compreender mais e melhor a condição humana.

NOTA EM RODAPÉ:
Para maiores esclarecimentos à respeito da prática do método pelos práticoativistas deve-se conferir NEWMAN, F. & HOLZMAN, L. (2002) Praxis – A metodologia instrumento-e-resultado e a psicologia de Vigotskii. Lev Vygotsky cientista revolucionário. São Paulo: Loyola, cap. 3, p.45-69]

SODOMA Cabaré Narguilé [fragmento 9 - último]

Performance de Mazinho Gaúcho em fandango batido com uso de laço,  caracterizado de campeiro gaúcho com poncho que resulta em strip do traje e permanência do daçarino usando apenas botas, lenço no pescoço, chapéu e coquilha vermelha.

Lily Trousse
(Retornando à pista) Um espetáculo de homem, não?! É o chamado bofe-escândalo – por onde passa não tem como não chamar a atenção de qualquer uml... Vamos pegar a pista galera porque o nível de adrenalina subiu! Trio, solta o som!

       

Uma música do trio dos tabaqueiros para o público se divertir e dançar. Mulheres e homens semi-nus dançam sobre dispositivos cênicos animando os presentes. Após a música, foco de luz sobre Lily Trousse em um dispositivo cênico.
       
Lily Trousse
É isso aí... Vamos dançar pra a paz não dançar.

DANÇAR PARA NÃO DANÇAR [1]

Dance, dance, dance
Gaste o tempo comigo
Não, não tenha juízo
Desse ao luxo de estar sendo fútil,
Agora
Dance, dance, dance
Faça como Isadora
que ficou na história
 por dançar como bem quisesse
Um movimento qualquer
Sobe a cabeça e os pés
Sinta o corpo
Você está solto
E o corpo tá a fim
Dance, dance, dance
Passe as horas comigo
Neste duplo sentido
E no barato de ser um ser vivo
Ainda
Dance, dance, dance
Num programa de índio
Vá rodar um cachimbo
Quer pra paz não dançar na tribo
Um movimento qualquer
Sobe a cabeça e os pés
Sinta o corpo
Você está solto
E o corpo tá a fim
De amar
De amar

Dance, dance, dance

Um movimento qualquer
Sobe a cabeça e os pés
Sinta o corpo
Você está solto
E o corpo tá a fim
De amar

E pra a gente se animar ainda mais vou chamar ela, Telma Electra, a stripper encantadora de serpentes, diretamente do Saara... Ela que vai inflar os membros de todos os presentes aqui... e fazer literalmente a cobra subir!  Electra, é com você mulher...

        Performance de Telma Electra sobre um dispositivo cênico usando uma serpente a La Luz Del Fuego.

Lily Trousse
Telma Electra, o enigma do Saara... Gostaram? Querem mais? Então vamos “pegar a pista” animados pelo forró dos tabaqueiros - o trio dos pica-paus! Essa molecada que adora fazer furo em tudo que encontra pela frente

Música do trio forró dos tabaqueiros para o público se divertir e dançar. Mulheres e homens semi-nus voltam a dançar sobre dispositivos cênicos animando os presentes. Após um tempo, foco de luz sobre Lily Trousse em um dispositivo cênico.

Lily Trousse
Agora chegou o momento da apoteose. A performance de Diva dos Peões, a Rainha do Rodeio deste ano. Diva, é com você poderosa!

        Performance de Diva com strip completa. Escuro.

Na zabumba (...) no triângulo (...) e na sanfona (...) Obrigado a todos por terem vindo! Por prestigiarem o que se convencionou chamar de dramaturgia viada... Vocês são todos muito lindos, gente sem preconceito, sem medo de ser feliz, pessoas que sabem o verdadeiro sentido da palavra TOLERÂNCIA. Voltem sempre e tragam os seus queridos... Aqui, todos serão sempre bem-vindos – desde que paguem por isso! (Risos e pausa breve) Na verdade não vamos nos render ao fetichismo mercantilista jamais, ainda que tenhamos nos condenado a nós, por nós mesmos, a viver nestas condições. Somos os responsáveis pelo Estado de coisa... Aqui levantamos o abebé iluminado pelo sol, sem medo de ver nossas mazelas, rugas e cicatrizes, para rir delas... Mas podemos utilizá-lo também como arma de guerra, para incandescer a visão de nossos opositores - que se encontram em nós mesmos. Celebremos a paz! Adeus. Aliás, adeus não, até logo! A gente se vê lá em cima, ou lá em baixo... O que vale é a gente se encontrar de novo! Beijú pra todos! Um brinde da casa... Fui!

        Os cabaretiers distribuem beiju ao público. O trio tabaqueiro segue tocando.

        Escuro súbito. Silêncio. Agradecimentos do elenco em desfile.





[1] LEE, Rita (2001) Dançar para não Dançar In Rita Lee Greatest Hits, CD audio faixa 3.