sábado, 18 de setembro de 2010

RESENHA DISTINGUE-SE DE NOTA DE LEITURA

Ricardo,
segue abaixo o parecer do Conselho Editorial da Revista Urdimento.
Att,
Eder Sumariva

PARECER

Observo erros de concordância verbal, falta do uso de vírgulas em frases extensas e compostas de várias orações, e pequenos erros de digitação.
Noto adjetivações e elogios à obra que, sem exemplificação ou argumentação, não esclarecem o leitor.
Nas citações, o autor substitui o sinal “(...)” por reticências sem parêntesis, o que pode deixar em dúvida se são reticências da obra citada.
Mas o maior problema, me parece, está na falta de clareza na descrição da obra de referência – o que contraria o propósito de uma resenha. O contraste entre o sintético título da dissertação e o analítico título da resenha sugere o enquadramento que o autor da segunda quis empreender sobre a primeira, como que para corrigi-la e ao mesmo tempo lhe dar o devido destaque. Mas não encontro, no corpo do texto, informação sobre os procedimentos do autor da dissertação: como ele opera sua análise da sintaxe e da semântica da cena teatral e da imagem cinematográfica? De que modo a teoria de Vigotski o auxilia nesta operação?
Sem estas informações, a resenha necessita da leitura da dissertação para ser compreendida.

O lenhador
Malevich


Não poderia silenciar diante do “parecer” de Urdimento acerca da resenha da dissertação de mestrado do Marcelo Grimm Cabral de minha autoria.

O que mais impressiona no texto do “parecerista” é o jeito despudorado e deselegante de silenciar a proposta de publicação apresentada, apoiando-se não desinteressadamente na reificação da normatização para apresentação de resenhas – aliás, é bom que se diga, não explicitada na convocatória aos colaboradores que me foi insistentemente enviada por e-mail.

A avaliação do parecerista é executada do ponto de vista antidialógico de uma pedagogia excludente e intolerante. Consegue-se verificar as implicações de semblantes do que seja uma resenha propriamente dita na doxa (opinião) – de natureza “definitiva” ou “modernista” - do autor do parecer.

Embora falte-me ânimo para redigir uma antítese ao pensamento da autoridade conferida por Urdimento ao responsável pelo parecer, pareceu-me necessário sinalizar alguns aspectos “reveladores” de sua “avaliação” que demonstram a falta de interesse em aprofundamento de uma discussão de eventuais ajustes necessários à publicação do material.

Inicialmente penso ser relevante e pedagógico destacar as distinções entre Resenha e Nota de Leitura. O que caracteriza uma nota de leitura é constituir uma espécie de resumo acrítico do material examinado sem pretensão de aprofundamento ou discussão das idéias do(s) autor(es). Este tipo de atividade é bem diferente do que vem a ser uma resenha. Pode-se dizer, grosso modo, que o que confere especificidade às resenhas é sua natureza crítica – facilmente indentificável pela presença obrigatória de pelo menos uma referência bibliográfica ausente da relação de fontes do material examinado.

Talvez seja oportuno transcrever aqui um trecho de Pensamento e Linguagem de Lev Vigotskii (1996, p.110) para “rebater” os reclames de concordância, lapsos de digitação e inadequação de pontuação do texto de minha autoria:

No prólogo de sua peça O Duque Ernest Von Schwaben, Uhland diz: “cenas horríveis passar-se-ão diante de seus olhos.” Psicologicamente, “passar-se-ão” é o sujeito. O espectador sabe que assistirá ao desenrolar de alguns acontecimentos: a ideia adicional, o predicado é “cenas horríveis”. O que Uhrland quis dizer foi: “O que se passará diante dos seus olhos é uma tragédia.” Qualquer parte de uma frase pode tornar-se o predicado psicológico, a parte que carrega a ênfase temática; por outro lado, significados totalmente diferentes podem ocultar-se por trás de uma estrutura gramatical

E mais adiante,

Um enunciado espontâneo, errado do ponto de vista gramatical pode ter seu encanto e valor estético. [1]


Parece-me útil reproduzir aqui, à guisa de ilustração pedagógica, um roteiro com parecer de minha autoria sobre artigo encaminhado a um respeitável periódico nacional especializado em Psicologia:

Parecer do consultor externo
Titulo do Artigo: Vigotski contra James-Lange: crítica para uma teoria histórico-cultural das emoções
Código do Artigo:
Data de envio do material ao Consultor Externo:
Devolver o material à Comissão Executiva até:
Parecer recebido em: Recebido por correio eletrônico em 05.08.2010

Prezado Consultor,
Solicitamos que preencha este formulário, devolvendo-o à Comissão Executiva, no prazo máximo de 30 dias.

Parecer Final do Consultor Externo (“ad hoc”):

(    ) Aceito                  (X  ) Aceito com reformulações                     (    ) Recusado.

Justificativa do parecer


1.      Avaliação do CONTEÚDO
A)  O trabalho não pode ser publicado, pelo(s) seguinte(s) motivo(s):

(  ) Não traz contribuição original
(  ) Trata o assunto de forma elementar
(  ) Apresenta falhas metodológicas graves
(  ) Não fundamenta suas propostas de modo consistente
(  ) Outras (explicitar)


          
  B) O trabalho pode ser publicado com alterações relativas à:

(  ) Fundamentação dos pontos de vista
(  ) Inclusão de outros pontos de vista
(  ) Exclusão de repetições
(  ) Desenvolvimento de tópicos/trechos
(X) Outras razões (explicitar)

2.      Avaliação dos ASPECTOS FORMAIS
A)    Em relação às normas de publicação da revista
(X) está adequado
(  ) não está adequado (esclarecer)

B)     Em relação à redação
(  ) não requer alterações
(X) requer alterações pequenas
(  ) requer alterações médias

3.      PARECER DISCURSIVO: explicite e complemente as observações acima assinaladas

O artigo apresenta a crítica de Vigotskii da assim cognominada “Teoria das emoções de James-Lange” revelando sinceros esforços do articulista em efetuar uma revisão bibliográfica rigorosa dos escritos do eminente psicólogo bielo-russo disponíveis na contemporaneidade nos quais ele assinala os pontos positivos e as fragilidades das concepções de W. James e Carl G. Lange e de outros na perspectiva da psicologia histórico-sociocultural sobre o importante papel desempenhado pelas emoções no funcionamento psíquico tipicamente humano - apesar dos limites impostos pela lacuna ainda não suficientemente preenchida por todas as publicações ou versões de notas estenografadas de Lev Vigotskii sobre o impacto dos afetos no desenvolvimento cultural e na constituição dos modos de ser, pensar, sentir e de se comunicar dos seres humanos. Cf. Notas de rodapé 1,2,3 e 5 de Guillermo Blanck em VIGOTSKI, L. S. (2003) Psicologia Pedagógica Edição Comentada. Cap. 6: A Educação do comportamento emocional ( pp. 113-124) ( p. 123.). Porto Alegre: Artmed,

O texto é suficientemente límpido na explicitação das conquistas já consolidadas pelo pensamento do(a) articulista sobre o modo como a problemática dos afetos necessita ser abordada na perspectiva histórico-sociocultural para o entendimento do funcionamento da mente constituindo relevante contribuição para a colaboração de uma promissora  Teoria Histórico-sociocultural da Afetividade e

deve ser publicado na íntegra.

Apesar da importância do material submetido ao filtro editorial de Revista Psicologia da USP alguns ajustes devem ser efetuados objetivando agregar valor ao documento encaminhado a este Coletivo, abaixo explicitados:

            (1)  Ajustes ortográficos objetivando adequação da redação do texto ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa seguindo as recomendações do VOLP. Cf. /Academia Brasileira de Letras [5ª Ed.] Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. São Paulo: Global.
Uma revisão rigorosa da ortografia faz-se necessária neste sentido embora o prazo máximo para adequação ao VOLP seja 31 de janeiro de 2012 Cf. Decreto Presidencial nº  6.583/2008. No sentido de adequação ao VOLP seguirão assinaladas apenas algumas retificações como contribuição para agilizar esta cuidadosa tarefa desde já:
                              (1.1)  Na p.6 (Linha 10, parágrafo 2º) onde se lê “ monista-materialista” leia-se “monistamaterialista” e na p. 17 ( linha 13, parágrafo.2º) onde se lê “em-si” leia-se “em si” - sem hífem; [ Base XV,XVI, XVII];
                              (1.2) Na p. 7 (Linha 15, parágrafo 2º) onde se lê “freqüência”  e na p. 15 (Linha 14, parágrafo 1º ) “lingüística” – ambas grafadas com trema – leia-se: “frequência” e “linguística” – sem o trema [Base XIV];
                              (1.3) Na p. 7 e p. 20 (Linha 16 e 13, parágrafos 2º e 3º respectivamente) onde se lê “ idéia” - com acento agudo - leia-se “ideia” – sem acento;

              (2) Correção de equívocos de digitação
(2.1) Na p. 21, parágrafo 1º lê-se “...descrever e explicar o objeto envolve-e  [Sic] em atos de pensamento que visam a conhecê-lo no processo de sua constituição singular como um todo. “
(2.2) Suprimir a expressão “idem” no parágrafo 3º , linha 23 da p. 4/ no parágrafo último, linha 20 na p. 6/ no parágrafo 1º, linha 5 e 9 da p. 14 e “ibid” na nota de rodapé n. 1 à p. 10 também “id” na linha 5 da p. 14 no parágrafo 1º / na p. 15, parágrafo 1º, linha 5/na p. 19, parágrafo 2º, linha 6 e na p.23, parágrafo 1º, linha 3. Excluir a expressão “in” entre parênteses na ref. a texto de Vigotskii, linha 17, último parágrafo, p. 14 além de marcar com itálicas o título da publicação na qual foi veiculado o texto de Dilthey em Referências Bibliográficas, p. 25,  atendendo às normas nº 6 “Texto” e nº 7 “Referências” para apresentação de manuscritos à Revista;
P.S. Embora as normas sejam omissas quanto ao uso do traço corrido em substituição à repetição do sobrenome e nome de um mesmo autor nas referências julgo mais adequado os REPETIR - como é hábito nas publicações da APA.



              (3) Sinalizar o aprofundamento posterior de questões conceituais ao longo do texto e não apenas de modo geral na “nota introdutória” à p. 3:
                              (3.1) No sentido de contribuir para blindagem da fundamentação teórica do material deve-se alertar o(a) articulista para o perigo do apressamento de conclusões quanto à concepção vigotskiana do papel da afetividade na orientação dos modos de agir do sujeito e o julgamento, sem provas coligidas do testemunho de Vigotskii, de que ele “oscila” entre considerar as emoções como orientadoras dos modos de agir do sujeito quando convertidas em sentimentos (subjugadas por processos psíquicos “culturais”) ou como expressão mais “biológica” do psiquismo humano (p. 10). Ele, Vigotskii, concebia as “emoções” como mecanismos genéticos de natureza biológica filtrados pela experiência cultural dos seres humanos a partir de uma abordagem monistamateristadialética-histórica. Algo que tentou representar pela metáfora da REAÇÃO ESTÉTICA como emblemática do psiquismo tipicamente humano. (em Psicologia da Arte – estudo elaborado por Vigotskii anterior à sua Psicologia Pedagógica) Cf. VIGOTSKII, L. S. (1996) O Significado histórico da crise da psicologia – uma investigação metodológica (pp. 203-417) In Teoria e Método em Psicologia. São Paulo: Martins Fontes.

Tentei introduzir a aplicação deste método pessoalmente na psicologia consciente [Psicologia das Artes], buscando deduzir as leis da psicologia da arte mediante a análise de uma fábula, um romance e uma tragédia... Não estudei as fábulas nem as tragédias e menos ainda uma dada fábula ou uma dada tragédia. Estudei nelas o que constitui a base de toda a arte: a natureza e o mecanismo da reação estética... não digo nada sobre a fábula enquanto tal. E o próprio subtítulo: “Análise da reação estética” indica que a finalidade da investigação não consiste na exposição sistemática da doutrina psicológica da arte em todo seu volume e amplitude... mas na análise dos processos em sua essência... sua importância vai além do que inclui seu campo de observação... os princípios que explicam a arte nos falam de uma reação que de fato nunca ocorreu de forma pura, que sempre se produziu com seu “coeficiente de especificação”... a reação estética é assim; mas uma outra coisa é encontrar os limites e o significado da própria reação estética dentro da arte. (p. 371-372)

                              (3.2) É preciso ter-se em mente, a bem da verdade, que Psicologia Pedagógica é um compêndio dos saberes até então (anos 20 do século XX)  historicamente acumulados sobre a Psicologia que foi competentemente elaborado, em regime de urgência pós-revolucionário, para balizar a prática pedagógica de jovens educadores e não uma exposição deliberada e detalhada da teoria histórico-sociocultural da atividade psíquica humana (em processo de elaboração pela “troika” sob a orientação de Vigotskii na ocasião) e tampouco a publicação em referência aqui propõe-se a focalizar de modo privilegiado o papel da afetividade nos processos psicológicos sócio-históricos não cabendo  afirmar categoricamente que ocorra uma “disparidade conceitual e metodológica” do pensamento do autor em Psicologia Pedagógica ainda que amparando-se em estudiosos da obra de Lev Vigotskii – todavia ainda insuficientemente conhecida (p.11).

P. S. Talvez seja mais prudente o(a) articulista informar que pretende polemizar e argumentar exaustivamente em defesa do seu ponto de vista quanto à suposta “disparidade conceitual” em Psicologia Pedagógica ao longo da tese de doutoramento.

                       (3.3) Os limites de laudas de um artigo para aprofundamento das complexas questões a serem abordadas na tese de doutoramento do(a) articulista merecem ser denunciados eximindo-o(a) também do trabalho de detalhamento do papel basilar da teoria dos reflexos condicionados de Pavlov para a sustentação da Teoria Histórico-Sociocultural da Mente inaugurada por Vigotskii e seus colaboradores. Sabe-se que a concepção do segundo sistema de sinais e a estrutura do sistema explicativo do comportamento com base no binômio estímulo-resposta pavloviano é o ponto de partida para a elaboração da psicologia concreta e da Teoria Histórico-Sociocultural que lhe dá sustentação quando Vigotskii genialmente, ao revelar a mudança qualitativa da atuação dos seres humanos através da interposição na interrelação supostamente “direta” (conforme o “condicionamento” clássico de natureza biológicoassociacionista) de um terceiro elemento referido como “mediação cultural”, explicita a especificidade do psiquismo tipicamente humano e portanto o “salto” qualitativo da sua atividade mental - incomparável à dos demais seres vivos. Cf. PAVLOV, Ivan Petrovich (2005) Pavlov - Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural:

Na fase humana da evolução do mundo animal, um elemento notável acrescentou-se aos mecanismos da atividade nervosa. No animal, a realidade é sinalizada, quase que exclusivamente, por excitações e por seus vestígios nos grandes hemisférios... É o que em nós, corresponde às impressões... É o primeiro sistema de sinalização da realidade, sistema que é comum a nós e aos animais. Mas a linguagem constitue nosso segundo sistema de sinalização da realidade, especialmente nossa... A linguagem é que fez de nós o que somos, homens, fato que é preciso discutir aqui. (p.91)

           
(4) Uniformizar a tradução do título do artigo. Note-se que em inglês o título recebe diferente redação. Observe os termos sublinhados adiante: .Vigotski contra James-Lange: crítica para uma teoria histórico-cultural das emoções com Vigotski against [the] James-Lange [theory]: criticism for a historical-cultural perspective [theory of emotions] e com Vigotski contre James-Lange: critique pour une théorie historique-culturel des émotions.



[1] VYGOTSKY, L. S. (1996) Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes.

Um comentário:

  1. Decidi compartilhar com os seguidores de OBSERVE o parecer do Conselho Editorial de Urdimento como ilustração de um modelo de avaliação “estático” ou não dialético (modernista) redigido com a lógica excludente e “paralisante” de uma pedagogia que subestima as possiblilidades de rápida transformação da produção escrita com o advento dos recursos disponíveis pela tecnologias da informação e comunicação na contemporaneidade, como é o caso, por exemplo, dos editores digitais de texto: um simples toque no teclado e deletam-se ou substituem-se caracteres, alteram-se parágrafos, modificam-se a pontuação, o formato e o tamanho de letras, inserem-se ilustrações etc etc

    O que é trágico neste episódio – se deixarmos de lado o risível desta situação da pedagogia ainda hoje – é a crença que sustenta a doxa da impossibilidade de mudança, crescimento ou desenvolvimento colaborado (ZDP) a partir de uma visão não prospectiva do desempenho das pessoas. Este tipo de postura “medicalizante” e estigmatizadora dos responsáveis pela educação torna-se inadequada para a prática de uma pedagogia na contemporaneidade que “devora” o uso das tecnologias da informação e comunicação.

    É lamentável constar que este tipo de entendimento “míope” e estigmatizador seja tolerado e ratificado pelo “senso comum” - que confere e legitima semblantes do que se entende por aconselhamento editorial em tempos de amplo uso dos programas editores digitais de texto.

    O episódio pode ser útil para problematizar as implicações pedagógicas do uso das tecnologias da informação e comunicação. O uso das TIC solicita outro tipo de modelo avaliativo: o paradigma processual ou “dialético.”

    Uma discussão aprofundada dos aspectos “reveladores” da dimensão político-ideológica das práticas avaliativas com o uso das TIC faz-se necessária. Neste sentido as artes cênicas e sua natureza apresentativa (ao vivo) ou performática (capacidade de atualização permanente) podem ser de grande utilidade.

    O orgulho e o poder estético do Teatro reside em sua natureza improvisacional (capacidade de “vir a ser”) para além das formas de expressão artísticas apresentativas invariantes, cristalizadoras ou “congelantes” do fluxo vital. Pode-se dizer que é isso que leva o Teatro a sobrepujar o Cinema.

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