quinta-feira, 20 de setembro de 2012
OBSERVE: AFINAL O QUE É PSICOLOGIA CULTURAL?
OBSERVE: AFINAL O QUE É PSICOLOGIA CULTURAL?: Ricardo Ottoni Vaz Japiassu A psicologia cultural é descrita por Cole (1998a, p.104-105) como disciplina congregadora das vertentes ...
AFINAL O QUE É PSICOLOGIA CULTURAL?
Ricardo Ottoni Vaz Japiassu |
A psicologia cultural é descrita por Cole (1998a, p.104-105) como disciplina congregadora das vertentes naturalista e culturalista dos estudos do pensamento baseada em uma abordagem sócioculturalista “não eclética” ao psiquismo tipicamente humano, em resposta ao “bate-boca” entre defensores intransigentes da “diferença” ou especificidade das teorias histórico-cultural e da atividade, ambas oriundas do programa de estudos e pesquisas inaugurado por Vigotskii.
A psicologia cultural é a convincente argumentação
de Cole em resposta às acusações de o sócioculturalismo
(escola pan-americana de psicologia inaugurada por ele) e sua THCA orquestrarem
um movimento transnacionalizado para despir a teoria histórico-cultural/THC de sua matriz
materialista-histórico-dialética. (Duarte Jr., 2001; Elhammoumi, 2009; Toomela&Valsiner,
2010)
Discutir
se ocorre ou não uma tentativa de assepcia da fundamentação materialistamarxista
da THC por parte do sócioculturalismo
nos parece enfadonho por sua insistente resiliência em fóruns acadêmicos nos
quais neomarxistas reivindicam o direito exclusivo à propriedade de teorias
fundadas no materialismo-histórico-dialético. Discutir isso nos levaria a perder
de vista o que nos propomos modestamente aqui: expor abreviada e velozmente
nosso ponto de vista sobre o impacto das TIC na formação da mente social focalizando particularmente
o aspecto plástico da atividade quando
o pensamento permanentemente em obras, em processo continuado de colaboração e
desenvolvimento, deixa-se irrigar por diferentes lexias em sua intricada teia
de conexões à moda hipertextual.
Faz-se
necessário ressaltar que em suas conspícuas narrativas teorizantes sobre a atividade nem Leontiev tampouco Luria negam
que Vigotskii tenha renunciado às convicções materialistas-histórico-dialéticas
acerca das origens sociais da mente. Sua principal ocupação é preservar os
saberes obtidos com as primeiras investigações de orientação vigotskiana e,
honestamente, trazerem a público uma autocrítica da “troika” (trinca de
pesquisadores elencada por eles sob a liderança de Vigotskii) reconhecendo os
limites dos estudos que se ocuparam incialmente em privilegiarem o papel do
pensamento verbal na formação da mente
social.
É
oportuno lembrar que Vigotskii reconheceu explicitamente como legítima a tese
materialista-histórico-dialética de que as origens do psiquismo culturalizado
encontram-se na atividade prática
colaborativa - o que pode ser constatado no seu questionamento corajoso do postulado
bíblico apresentado no versículo primeiro do Evangelho I segundo João (1963) de
que “no princípio era o Verbo” (p.
95): “a palavra não foi o princípio – a ação já existia antes dela; a palavra é
o final do desenvolvimento, o coroamento da ação” ( Vygotsky, 1993, p. 131).
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
PESQUISA CONCLUIDA
RELATÓRIO DAS AÇÕES DO Grupo
de Estudos e Pesquisas em Atividade, Desenvolvimento Cultural, Educação
Continuada e à Distância/GEPADEad REFERENTE A 2012.
Este relatório busca levar ao
conhecimento da PPG-UNEB e do NUPEx da Uneb XV o resultado das ações do
GEPADEad durante o segundo semestre de 2012.
I.
Conclusão e enceramento da pesquisa TEATRO PAU BRASIL Ensino de Artes/Teatro, Pedagogia teatral einterculturalidade cuja diacronia já foi exposta e oportunamente encaminhada
às instâncias competentes.
Breve histórico do desenvolvimento
do Projeto
Os
três subprojetos da pesquisa em referência foram impactados por: 1) afastamento
docente do pesquisador em razão de aposentadoria por invalidez qualificada; 2) cancelamento das bolsas (TRÊS) para o
período 2008-2009 (DUAS do IC_FAPESB e
uma
do PICIN-Uneb/Residuais).
O
impacto dos episódios relatados acima repercutiu desfavoravelmente ao
cumprimento rigoroso do fluxograma e cronograma dos trabalhos. O orientador, solitariamente,
buscou honrar os compromissos assumidos junto à PPG-Uneb e decidiu pela criação
do Blog Observatório do Desenvolvimento
Cultural-OBSERVE em http://www.observecult.blogspot.com
Resultados da Pesquisa
O Blog Observatório do Desenvolvimento
Cultural-OBSERVE revelou-se canal de
comunicação bidirecional (paradigma emirec) entre usuários e o professor
pesquisador, configurando um veículo para publicação eletrônica periódica
(mensal) dos resultados parciais e dados produzidos pela investigação entre
2008 e 2012.
OBSERVE
deve ser compreendido como “instrumento-e-resultado” da pesquisa e meio
privilegiado para concretização das ações extensionistas do GEPADEad - um ambiente
eletrônico educativo coerente com os referenciais teórico-metodológicos já
oportunamente explicitados na justificativa do projeto originalmente
apresentado à PPG-Uneb/CNPq e FAPESB.
Mais
que uma mera “agencia de notícias” o blog OBSERVE do GEPADEad configura-se como
Repósitório
de Objetos de Aprendizado-ROA por disponíbilizar gratuitamente para
download (impressão) dezenas de importantes documentos em formato de artigos, resenhas críticas, textos de natureza instrucional além de elos (links) para videorregistros de observações participantes sob responsabilidade
do professor pesquisador hospedados em YouTube.
Entre
os documentos disponibilizados no blog, que atestam a sinceridade dos esforços do
pesquisador, pode-se relacionar aqui:
1)
A tradução comentada de
HOLZMAN&NEWMAN (2006) Unscientific
psychology – a cultural-performatory approach to understanding human life [Psicologia
não científica – uma abordagem performáticocultural para entender a vida
humana]. New York, Lincoln, Shanghai: iUniverse Inc. intitulada ERA UMA VEZ A PSICOLOGIA CIENTÍFICA - o rei
está nú! Uma abordagem
pós-modernista à clínica psicoterápica - que inclui apreciação e discussão do conteúdo de HOLZMAN, Lois
(1997) Schools for grow – Radical
alternatives to current educational models [Escolas para o crescimento –
Alternativas radicais ao modelo educacional corrente]. New Jersey-London: Lawrence Erlbaum Associates, Pulbishers;
2)
Vídeodepoimento em inglês do
orientador sobre o pensamento pedagógico de Holzman e Newman em YOUTUBE;
3) Diagnóstico ilustrado da mística
Guarany;
4)
Resenhas críticas de dissertações de
mestrado e textos inéditos em Língua Portuguesa que tomam a Teoria
Histórico-Cultural da Atividade-CHAT como paradigma teórico-metodológico;
5)
Relatos ilustrados por fotos e vídeos
de intervenções pedagógicas com a linguagem teatral junto a turma multi-idade
congregando jovens, adultos e idosos itaparicanos;
6)
Importantes artigos que expõem o
pensamento crítico do pesquisador a partir de pesquisas acadêmicas
desenvolvidas durante seu mestrado e doutoramento e de novos estudos solitários,
entre os quais:
Conluído os trabalhos, desincumbo-me
dignamente dos compromissos assumidos junto às agências apoiadoras do projeto.
O Blog do GEPADEAD tem servido como
“biblioteca digitalizada” de conteúdos (objetos para o aprendizado permanente e continuado) de interessados, com
diferentes experiências de escolarização, no encontro de temas das Artes e da
Educação que buscam dialogar com a Psicologia Histórico-Cultural. Até 08 de
agosto de 2012 registrava 10345 pageviews - 258 postagens (DEZ MIL TREZENTOS E QUARENTA E
CINCO ACESSOS e DUZENTAS E CINQUENTA E OITO POSTAGENS).
No momento, sigo à disposição de usuários
do blog na qualidade de APOSENTADO PROFESSOR TITULAR da UNEB atendendo
solicitações de esclarecimentos e demandas várias através do e-mail rjapias@yahoo.com.br e do perfil
FACEBOOK.
Ao ensejo, sugiro que a PPG-Uneb
delibere pelo permanente reconhecimento institucional do GEPADEad - que
congrega no momento 24 seguidores/usuários (pesquisadores) cadastrados
publicamente no blog OBSERVE.
Atenciosamente,
Prof.
Dr. Ricardo Ottoni Vaz Japiassu
Doutor
em Educação e Psicologia pela FEUSP
Mestre
em Artes Cênicas pela ECA-USP
Licenciado
e Bacharel em Teatro pela ET-UFBa
Mat.
Funprev-Inativos 74.276805-0
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
PESQUISA AMORDAÇADA
Quero expor aqui um episódio traumático vivido e que pode ter alguma serventia pedagógica aos pretendentes à carreira acadêmica... Em 2008,aguardando o laudo da JUNTA MÉDICA DO ESTADO, os projetos que justificavam meu Regime de Dedicação Exclusiva à UNEB não foram renovados por decisão da então Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão-NUPEX, que ocupava o cargo tendo sido "eleita" sem um vice-coordenador - o que contrariava o Regimento Interno do núcleo do qual eu havia sido relator. Além desse "impedimento" legal a Professora aqui mencionada não possuia titulação tampouco igual ou superior à minha.
Prof. Dr. Ricardo Ottoni Vaz Japiassu |
Ao levar ao conhecimento da Comunidade Acadêmica a situação do núcleo passei a ser hostilizado pela Coordenadora que, pasmem, ousou negar a existência legal do Núcleo. Isso me obrigou a um verdadeiro trabalho extra de arqueologia documental para "provar" a publicação do termo de criação do NUPEX-Uneb XV além das obrigações requeridas pela adesão ao tratamento da imunodepressão crônica (HIV), ensino e pesquisas sob minha orientação.
Vou disponibilizar elos para o videorregistro de algumas ações investigatórias preliminares que foram lamentavelmente interrompidas pela falta de amparo institucional à pesquisa.
O mérito nem sempre é critério para avaliar a proposição de um projeto...
Soube que a professora em referência aqui, hoje, é doutoranda... e fico imaginando do que ela será capaz de levar a cabo quando investida de legítima autoridade para avaliar o mérito de projetos de seus desafetos políticos...
Uma pena adiar-se a discussão do uso das tecnologias da comunicação e informação à serviço do atendimento às necessidades especiais de cegos na UNEB XV...
Mas, outros simpatizantes da luta pelos direitos educacionais do cego surgirão. Para estes, seguem vestígios de uma caminhada interrompida pela intolerância e arrogância do gerenciamento organizacional.
Professora cega expõe limites e possibilidades das ações pedagógicas voltadas para os cegos
www.papirus.com.br |
Professora cega expõe limites e possibilidades das ações pedagógicas voltadas para os cegos
X
segunda-feira, 16 de julho de 2012
O FLUXO E REFLUXO DA MARÉ
Ilmª Srª
DALVA
TAVARES
M.D. Diretora da Biblioteca Juracy Magalhães
Jr-Itaparica
Senhora Diretora,
Em resposta ao Ofício nº 009/12, datado de
07 (SETE) de fevereiro de 2012, no qual a Biblioteca convida-me para participar
do projeto “Encontro com o Escritor”, idealizado pela Fundação Pedro Calmon,
devo esclarecer-lhe que
I – Senti-me envaidecido com o convite e
prestigiado por tão renomada organização da Fundação Pedro Calmon;
II – Sinto-me no dever de agradecer-lhes o
convite e de expor o que se segue:
PRIMEIRO
Como é do conhecimento de V.Sa.,
encontro-me em tratamento médico de enfermidade crônica – razão da minha
precoce aposentadoria como acadêmico. O compromisso com a adesão ao tratamento,
efetuado desde 2007 no CEDAP-BA, exige responsabilidade para com os cuidados na
manutenção de minha saúde física e psíquica e compromisso com o atendimento às
solicitações e recomendações médicas.
SEGUNDO
A longa greve dos professores estaduais
comprometeu os estudos programados e dirigidos do material de minha autoria (A
coroa de Tebas) por parte de estudantes do ensino médio da rede pública de
ensino. Isto, somado aos limites postos à minha
atuação profissional pela adesão ao tratamento do CEDAP, sinaliza ser prudente o cancelamento da programação
anteriormente planificada.
TERCEIRO
Em anexo segue CD com vídeos e fotos que
seriam usados durante o meu encontro com os estudantes que, espero, possam ter
utilidade educativa e integrarem o acervo permanente desta biblioteca.
Tendo em vista o acima exposto, lamento
sinceramente ser levado a DECLINAR do
convite – o que faço constrangido, solicitando-lhes sua compreensão.
Ao ensejo, coloco-me disponível para
examinar posteriores e eventuais demandas de minha colaboração junto a esta
importante Casa de Leituras, desde que não coloquem em risco minha
imunodepressão crônica.
Atenciosamente,
Vera Cruz, 13 de julho de 2012.
Ricardo Ottoni Vaz Japiassu
Mat. FUNPREV-Inativos/Uneb 74.276895-0
segunda-feira, 2 de julho de 2012
O ETERNO RETORNO – A Ressureiçao do sublime
O ETERNO RETORNO – A Ressureiçao do sublime
na cena soteropolitana ou o avesso da máscara cômica
Anita Bueno e Neyde Moura |
Sempre de olho na viagem pela colcha de
retalhos de nossas vivências, Deus cuida para que possamos cumprir o que
determina Sua Providência - assegurando-nos o livre-arbítrio (escolha) dos
modos, ritmo e rotas a trilhar...
Este olhar providente de Deus nos atemoriza,
por pairar silente e inexorável em cada tímida ocorrência, tangível ou
intangível, de nossas vidas.
Na Mitologia, algumas representações
antropomórficas de Deus que mostram um homem ou mulher com a fronte alapalada
(encoberta) dizem da tentativa malsucedida de seus rivais em aniquilar o olhar
divino que tudo vê. Neste sentido, Horus-Anúbis é exemplar, por apresentar a
divindade ressurecta com a cabeça recoberta pela máscara de um chacal para
esconder o olho vazado pela fúria invejosa de seus rivais, despeitados de sua
onipresença e poder...
Tanto as máscaras aterrorizantes de animais
monstruosos imaginários, como os capuzes de palha ou tela de miçangas (chorões)
- usadas nas representações das deidades - parecem querer ocultar a face desconhecida
e misteriosa da divindade.
É sobre a Sombra ou o “Olho de Deus”
alapalado impactando a condição humana que trata o belíssimo espetáculo
multimídia O avesso dos retalhos
apresentado ao público pelo Teatro dos
Novos.
A peça tem por base o texto A viagem dos retalhos da escritora e
atriz baiana Sonia Robatto e sela o retorno de Marcio Meirelles como grande encenador
soteropolitano.
O compromisso de Marcio com a militância
partidária na gestão das políticas culturais do Estado não lhe deixou tempo
para animar as práticas de pesquisa cênico-estética que sempre caracterizou a
produção teatral soteropolitobaiana (dos habitantes do entorno da Baía de Todos-os-Santos).
O retorno de Meirelles à vanguarda artística de Salvador deve ser celebrada com
grande alegria por todos os soteropolitanos porque fortalece o espírito e
vocação cosmopolita da cidade originalmente planejada para ser a capital do Reino d’Além Mar e Rainha do
Atlântico Sul.
Salvador tem sido sucateada e maltratada
por gestores totalmente rendidos aos interesses pessoais e à fúria de grupos
culturais que buscam hegemonizar suas preferências estéticas “populistas”,
orquestrando um vociferar intolerante em defesa da rendição de todos aos seus “semblantes”
cinicamente apregoando o “não saber”, o “não querer saber” e o “não deixar
saber”... L
VILLAGE STUDIOS
A encenação do texto de Sonia por Marcio
propõe o uso estético de recursos das tecnologias de comunicação e informação
propondo a veiculação “em direto” (síncrona) dos ritos dionisíacos permitindo a
fruição e apreciação duplamente mediadas pelas telas de computadores,
celulares, TV e rádio em todo o planeta.
Trata-se de uma ousada iniciativa que
sinaliza a necessidade de assegurar espaços físicos destinados para a produção
e transmissão de conteúdos de natureza artística; uma exigência posta pela própria
reorganização contemporânea das forças de produção estéticocênicas.
Seja através da fruição síncrona, mediada
pelo videorregistro das práticas teatrais, ou via imersão presencial do público
no ambiente em que ocorrem os ritos dionisíacos, Marcio e seus numerosos
colaboradores oferecem a oportunidade de escolha de rotas para apreciação
seletiva do material cênicamente disponibilizado ao modo de zapping no qual o
controle do que se quer ver está nas “mãos” do espectador.
Uma vivência estética prazerosa de
acompanhamento simultâneo do que se passa em várias “janelas” – que podem ou
não serem abertas pelos fruidores.
Porém, mais importante que todo o esplendor
e fascínio gerado pelos recursos tecnológicos usados pela encenação é a chance
de comungar solidariamente a trágica condição humana em um mundo rendido ao
mercantilismo e poder pensar.
A máscara trágica eleva-se sobre a cena
soteropolitana e provoca o sabor amargo das nossas angústias pelo mal-estar
gerado pelos processos civilizatórios.
Parabéns ao afinadíssimo conjunto de
técnicos, assistentes e elenco regido magistralmente por Marcio.
Poucas vezes se conseguiu reunir um elenco
com tantos excelentes intérpretes.
Evoé Anita, Carelli, Fulco, Marísia e
Sônia!
Evoé todos os bacantes da vila!
Evoé Marcio Corifeu!
Bem-vindo de volta ao gueto Meirelles!
segunda-feira, 11 de junho de 2012
PONTO DE VISTA SILENCIÁRIO DRAGADO
Pensamento EM OBRAS: O ASPECTO
plástico DA ATIVIDADE
Prof. Dr. Ricardo Ottoni Vaz Japiassu |
“E o Verbo se fez carne e habitou
entre nós, pleno de graça e de verdade; e vimos a sua glória...” (João I, 1963, p. 96)
A
natureza histórico-sociocultural da atividade
Vive-se em um ambiente impregnado
por diferentes formas de comunicação que não se restringem apenas à linguagem
verbal. Diferentes veículos (mídias) têm sido utilizados para emissões e
recepções de conteúdos significantes e significativos nas práticas relacionais
humanas.
Nos processos semasiológicos
culturalizados os sistemas sígnicos numérico e alfabético têm ocupado tradicionalmente
papel de destaque na colaboração da mente
social. Acredita-se que as origens do pensamento com signos particularmente
com palavras e números devam estar conectadas à necessidade de comunicação
entre humanos enredados por desafios à sobrevivência no mundo natural. Isso teria
impactado sua atividade psíquica selando-lhes
definitivamente a marca histórico-sóciocultural. (Leontiev, 1978; Luria, 1992; Vuigotskij,
1987).
Crendo-se nas origens
histórico-culturais da humanidade torna-se
razoável admitir que o aperfeiçoamento continuado de sofisticadas ferramentas para
o trabalho aliado à complexificação da organização socioeconômica e política das
forças produtivas ampliaram os poderes do psiquismo culturalizado.
O uso instrumental das tecnologias da informação e comunicação/TIC nas
ações dos seres humanos voltadas para conversão do mundo natural em cultural, frutos
do refinamento da cognição amparada em sistemas sígnicos, oportunizou conceber-se
a mente social como rede não
hierarquizada que interconecta diferentes portadores de significados irrigando
generosamente sua atividade, isto é, hibridizando-a
ou transfundindo-a com códigos extraverbais e extranuméricos particularmente na
replicação (simulacro) do seu funcionamento psicofisiológico: o ciberespaço ou espaço imaterial configurado a partir
de informações digitalizadas (Gibson, 1984).
A
atividade segundo a Psicologia Cultural
As
práticas laborais como princípio explicativo para a emergência da atividade psíquica culturalizada tem
origem nas teses do materialismo-histórico-dialético (Marx,
1975, 1976). Só a partir da doutrina marxista acerca da natureza e da
consciência foi possível a colaboração de uma teoria geral do pensamento tomando-se
por fundamento a atividade (prática
social objetiva subjetivada) como seu princípio inaugural e organizador (Vygotsky&Luria, 1996).
A
concepção materialista-histórico-dialética das origens sociais da mente é o
fundamento da teoria
histórico-cultural/THC acerca da gênese e desenvolvimento psíquico atribuída
a Vigotskii - cujo propósito original, conforme explicitado por ele mesmo, era o
de contribuir e orientar a colaboração de uma “ciência” psicológica
genuinamente marxista: a psicologia sócio-histórica.
(Bock, Furtado, & Gonçalves, 2001; Elhammoumi,
2006; Romanelli, 2011; Vygotsky, 1994,1996).
Com
a morte prematura de Vigotskii seus principais colaboradores, Leontiev e Luria,
encarregaram-se de expandir e aperfeiçoar seu pensamento e simultaneamente
submetê-lo às exigências da doutrina marxistamaterialista, propondo a teoria da Atividade/TA (Japiassu, 2007; Leontiev, 1983; Luria, 1994).
O
que distingue a teoria da atividade/TA
da teoria histórico-cultural/THC é a
ênfase da TA no impacto das significações interssemióticas negociadas durante as
relações sociais na atividade prática
necessária ao trabalho, transcendendo o foco vigotskiano dirigido prioritariamente
para o papel dos signos linguísticos (Luria, 1987; Zinchenco, 1998).
Leontiev
e Luria tiveram oportunidade de iniciar e orientar vários investigadores nas
tradições da pesquisa em psicologia sócio-histórica
entre os quais Vasili Davidov (1988), Mario Golder (2002), Guillermo Blanck (Vygotsky,
2001) e Michael Cole (1998a). Destes, apenas Michael Cole (orientado
pessoalmente por Luria) permanece ainda vivo, coordenando os trabalhos do Laboratório de Cognição Humana Comparada da
Universidade da California em San Diego/UCSD ( www.lchc.ucsd.edu ).
A
partir do aproveitamento de princípios marxianos e vigotskianos, sem deixar-se
aprisionar pela doutrinação marxistamaterialista, Cole (1998a, p. 6) propõe a teoria histórico-cultural da atividade/THCA como
sustentáculo de uma psicologia cultural:
a tentativa de unificar a teoria da
atividade/TA com a teoria
histórico-cultural/THC e dialogar com outras perspectivas para a compreender
melhor o funcionamento da mente social.
A psicologia cultural é descrita por Cole (1998a,
p.104-105) como disciplina congregadora das vertentes naturalista e
culturalista dos estudos do pensamento baseada em uma abordagem sócioculturalista “não eclética” ao psiquismo tipicamente
humano, em resposta ao “bate-boca” entre defensores intransigentes da “diferença”
ou especificidade das teorias histórico-cultural e da atividade, ambas oriundas
do programa de estudos e pesquisas inaugurado por Vigotskii.
A psicologia cultural é a convincente argumentação
de Cole em resposta às acusações de o sócioculturalismo
(escola pan-americana de psicologia inaugurada por ele) e sua THCA orquestrarem
um movimento transnacionalizado para despir a teoria histórico-cultural/THC de sua matriz
materialista-histórico-dialética. (Duarte Jr., 2001; Elhammoumi, 2009; Toomela&Valsiner,
2010)
Discutir
se ocorre ou não uma tentativa de assepcia da fundamentação materialistamarxista
da THC por parte do sócioculturalismo
nos parece enfadonho por sua insistente resiliência em fóruns acadêmicos nos
quais neomarxistas reivindicam o direito exclusivo à propriedade de teorias
fundadas no materialismo-histórico-dialético. Discutir isso nos levaria a perder
de vista o que nos propomos modestamente aqui: expor abreviada e velozmente
nosso ponto de vista sobre o impacto das TIC na formação da mente social focalizando particularmente
o aspecto plástico da atividade quando
o pensamento permanentemente em obras, em processo continuado de colaboração e
desenvolvimento, deixa-se irrigar por diferentes lexias em sua intricada teia
de conexões à moda hipertextual.
Faz-se
necessário ressaltar que em suas conspícuas narrativas teorizantes sobre a atividade nem Leontiev tampouco Luria negam
que Vigotskii tenha renunciado às convicções materialistas-histórico-dialéticas
acerca das origens sociais da mente. Sua principal ocupação é preservar os
saberes obtidos com as primeiras investigações de orientação vigotskiana e,
honestamente, trazerem a público uma autocrítica da “troika” (trinca de
pesquisadores elencada por eles sob a liderança de Vigotskii) reconhecendo os
limites dos estudos que se ocuparam incialmente em privilegiarem o papel do
pensamento verbal na formação da mente
social.
É
oportuno lembrar que Vigotskii reconheceu explicitamente como legítima a tese
materialista-histórico-dialética de que as origens do psiquismo culturalizado
encontram-se na atividade prática
colaborativa - o que pode ser constatado no seu questionamento corajoso do postulado
bíblico apresentado no versículo primeiro do Evangelho I segundo João (1963) de
que “no princípio era o Verbo” (p.
95): “a palavra não foi o princípio – a ação já existia antes dela; a palavra é
o final do desenvolvimento, o coroamento da ação” ( Vygotsky, 1993, p. 131).
A TA
busca compreender como a atividade prática impacta os mecanismos fisiológicos do
cérebro através da plasticidade das interconecções neuronais destacando de modo
mais contundente o papel da subjetivação
como mediação replicada interposta no
trânsito entre processos mediatizados por ferramentas e sistemas sígnicos e seus
produtos, em múltiplas ocupações sociais. (Leontiev, 1983).
A THCA
procura congregar o foco “linguístico” ou “signocêntrico” da THC (Luria, 1994,
1987) e o foco “ocupacional” ou “trabalhista” da TA (Engenstrôm, 1990, 1987) enfatizando
o interacionismo (interatividade ou interação) subjacente às transações relacionais semânticas negociadas
em variadas práticas sociais, necessariamente mediadas por ferramentas e signos
(Alvarez, del Rio, & Wertch, 1998).
O aspecto plástico da atividade
Sabe-se que a atividade impactada pelo uso de sígnos subverte a natureza não
mediada ou “biológica” dos seres humanos (Oliveira&Oliveira, 1999; Rego,
1995). Osório (1999) resume a importância dos sistemas sígnicos para o poder de
ação dos humanos sobre o meio ambiente e sobre si mesmos quando afirma que:
Ao
povoar o mundo de signos o homem dá um sentido ao mundo, pensa com os signos e
é por eles pensado. A linguagem é que permite ao homem transitar entre o
concreto e o abstrato da realidade, entre passado-presente-futuro, sem ela o
homem ficaria preso para sempre no presente sem qualquer poder de discriminação.
(p. 177).
Segundo a
THC o processo de formação da mente social
pressupõe a colaboração de conceitos através do manejo consciente (intencional)
dos significados das palavras usadas para os referir. Seu postulado é o de que a
linguagem verbal é prerrogativa para a construção do psiquismo culturalizado. Na
perspectiva da THC só o uso inter e intrapsiquíco do sistema alfanumérico oferece
a possibilidade de transcendência da instantaneidade, isto é, de podermos ir
além dos limites impostos pelos modos de pensamento vinculados ao campo
perceptivo dependente da materialidade dos objetos e de sua vivência intuitiva
ou sensacional (Husserl, 2005)
Já a TA,
como foi dito, insiste em assinalar que, por trás das significações alfanuméricas
encontram-se os sentidos subjetivados
por outros sistemas sígnicos nas ocupações laborais – o que permite reconhecer
não ser a linguagem verbal a única portadora de significações nas práticas
relacionais necessárias ao trabalho coletivo (Leontiev, 1983).
Mas é o foco
interacionista da psicologia cultural que
interessa na exposição do nosso ponto de vista acerca do impacto das formas amalgamadas
de linguagem na formação e funcionamento da mente
social.
Defendemos
que as neoformações signicas multiléxicas,
valorizadas pelo uso crescente e generalizado das TIC como ferramentas e
instrumentos eficazes para potencializar as relações interpessoais negociadas em
práticas sociais contemporâneas, impactam irreversivelmente o psiquismo
culturalizado.
Na contemporaneidade
o uso generalizado das tecnologias digitais oportuniza o entendimento de que várias
linguagens encontram-se enredadas em interssemiose simultânea, congregando sistemas
sígnicos verbais e extraverbais, no processo de replicação da mente social como ocorre no modelo hipertextual
ou cibernético (Bacalarski, 1994; Leontiev, 1983; Luria, 1987).
A metáfora
que permite uma aproximação da ideia de plasticidade ou flexibilidade para
referir o funcionamento “hipertextual” da atividade
na colaboração da mente social é a rede ou conforme Deleuse&Guatarri (1983) rizoma (imagem de bulbos e tubérculos usada para referir as múltiplas
ramificações que designam o modelo semântico não hierarquizado e dinâmico que entrelaça
cadeias semióticas de vários tipos conectadas a diferentes modalidades de
codificação ou lexias).
Este modo de
conceber a atividade pressupõe um
tipo particular de funcionamento psíquico referido como pensamento complexo ou multirreferencial
(Morin, 1990). Nesta perspectiva os conceitos não se
apresentam mais elencados “seriadamente” (sucedendo-se uns como prerrogativas
de outros) nem em forma de “espiral” (uns elevando outros) - como as pesquisas originalmente
informadas pela THC nos levam a crer.
Tanto os conceitos
sociais (científicos) como os cotidianos (não científicos), segundo a psicologia cultural, interatuam na atividade como “nós” de uma malha, teia
ou rede de significações “horizontalizada”
não possuindo fronteiras rigidamente definidas, como ocorre nas representações
bidimensionais das cartas geográficas; seus contornos encontram-se “borrados” ao
modo das projeções tridimensionais em pixels
(representações de imagens por meio de pontos luminosos nas telas de TVs e
computadores). Este tipo de entendimento “plástico”, flexível e sujeito a
alterações de “rotas” da atividade psíquica
por parte da THCA solicita o aproveitamento metacrítico do tradicional e
“rígido” paradigma modernista hegemônico de cognição da THC.
Sabe-se que
Vigotskii e Luria em parceria com Eisenstein (1990a, 1990b) interessaram-se por
investigar a plasticidade dos processos de colaboração de conceitos e a metacognição
na mente social quando esta veio a
ser impactada pelo uso da “escrita”
cinematográfica, focalizando particularmente o que, naquela ocasião, denominaram
de “protolinguagem” ou “monólogo interior” - formações “hibridizadas” constituidas
pela fusão do pensamento verbal e icônico na montagem da sintaxe e semântica audiovisual.
Investigações que lamentavelmente foram interrompidas por proibição explícita do
dogmatismo intransigente marxistamodernista-stalinista (Cabral, 2008;
Valsiner&Veer, 1996).
Eisenstein (1990b)
chegou a afirmar que a “escrita” cinematográfica “é uma reconstrução das leis
do processo do pensamento” (p. 102) e defendeu que a atividade irrigada por sistemas sígnicos extraverbais revela “uma
construção de um tipo de pensamento sensorial e, como resultado, em vez de um
efeito ‘lógico-informativo’, recebemos da construção, na verdade, um efeito
emocional-sensorial” (p. 124).
O próprio Eisenstein
(1990a) chega a mencionar explicitamente o interesse em comum com Luria e
Vigotskii na investigação da “correspondência de sons e sensações não apenas
com emoções, mas também um com o outro” (
p.91-92)
Com a
digitalização de imagens, sons e textos ocorre a abolição dos suportes
materiais para a representação dos sistemas sígnicos (Berckeley, 2005) passando
estes a existirem imaginariamente a partir do movimento de bits ou unidades de informação digital com base na combinatória de
números, sem peso, à velocidade da
luz (Calazans, 1997).
Paralelamente
ao desenvolvimento tecnológico que oportunizou a criação de realidades virtuais
(RVs), a descoberta pela TA da plasticidade das conexões neuronais demonstrada
por inúmeros estudos neurocientíficos das rotas alternativas destas conexões,
trilhadas no processo de reconstrução de funções psíquicas por parte de
sujeitos acometidos por severos danos em regiões cerebrais a elas correspondentes
(Luria, 1991), vieram corroborar a pertinência do modelo hipertextual adotado pela THCA para descrever e compreender
o aspecto plástico da atividade
psíquica tipicamente humana.
Diversidade
cognitiva
A
abordagem ao psiquismo humano da THCA apropria-se da metáfora de rede para referir o aspecto plástico da atividade aproveitando a importante
noção de subjetivação e “mediação
replicada” da TA e seu relevante papel nas negociações de sentido em práticas
relacionais (interações presenciais e não presenciais mediatizadas e irrigadas pelo uso de diferentes ferramentas e
sistemas sígnicos extra-alfanuméricos).
Não
é difícil concordar que a “leitura” e “escrita” digitalizada de hipertextos
impactam sócio-historicamente os processos de colaboração da atividade psíquica culturalizada. Cada
vez mais, na contemporaneidade, as pessoas recorrem à mixagem de diferentes
lexias ou linguagens em modo digital para se relacionarem e colaborarem práticas
sociais mediadas pelas TIC no ciberespaço
(Levy, 1999).
Os sistemas sígnicos extra-alfanuméricos
ganham significações culturalmente negociadas em processos interativos a partir
da subjetivação pessoal. Primiano
(1990) ressalta o papel de destaque da imagem e o seu impacto no psiquismo culturalizado quando esclarece que “sua
utilização é frequente e a tendência é ampliá-la, havendo até quem anteveja a
possibilidade de, um dia, a imagem substituir a palavra escrita” (p. 206).
Se
é verdade que o uso das TIC incrementam a diversidade cognitiva justifica-se a pertinência
de estudos mais aprofundados da gênese e desenvolvimento dessas neoformações
amalgamadas ou “hibridas” (protolinguagens) nos processos de pensamento para
elucidar como o signo verbal é transfundido ou irrigado por outras lexias
(Lèvy, 1998; Santaela, 1983).
Defender
o estudo da diversidade cognitiva oriunda do uso instrumental do computador e
das TIC como “mediação replicada” nas práticas relacionais colaborativas não implica
menosprezar o papel desempenhado pelo sistema alfanumérico na formação da mente social, mas admitir o empoderamento
do signo linguístico através da irrigação por parte de outras lexias em
processos singulares de subjetivação.
Afinal não é possível usar plenamente essas tecnologias se não se possui
competência no uso fluente de signos verbais e não verbais, como adverte Gomez
(2004): “o uso do computador origina um retorno ao textual/oral. Não é possível
usar um computador se não se lê ou se escreve e, ainda mais, se não se tem
conhecimento e desempenho no uso de signos linguísticos e não linguísticos” (
p. 59).
A
diversidade cognitiva têm sido defendida por inúmeros estudos na
contemporaneidade numa perspectiva psicobiológica ou “naturalizante” da atividade (Gardner, 1994; Goleman, 1995).
Do ponto de vista da psicologia cultural as
pessoas aprendem os modos de ser e
pensar historicamente colaborados negociando semanticamente o conteúdo de suas
relações interpessoais, desde o nascimento, através de processos singulares de subjetivação que conduzem o aprendizado do uso e manejo cada vez
mais eficaz de variados artefatos culturais
– aspectos do mundo material incorporados às ações dos seres humanos e
interpostas entre estes e o ambiente físico e social em que interagem (Cole,
1998b, p.163).
O aprendizado na perspectiva da psicologia cultural ocorre nos processos
negociados de colaboração das significações nos quais dá-se a efetiva
participação relacional do sujeito em ocupações sociais mediadas pelo uso de artefatos culturais historicamente
desenvolvidos a partir da interatividade ou
interacionismo.
A noção
de interatividade na perspectiva da psicologia cultural abrange vários sentidos:
refere tanto (1) a escolha de um percurso específico para acesso a conteúdos
através de interfaces gráficas amigáveis ou intuitivas (superfícies
de contato da relação homem-computador mediadoras ou tradutoras de ações ou
“comandos.”) como também (2) a conexão de temas e ideias em forma de “dobras”
resultantes da combinatória entre
diferentes lexias (modos de “grafia” pertinentes às diferentes linguagens
presentes em neoformações semânticas amalgamadas).
Além
destes dois sentidos refere ainda (3) o interacionismo
(a interação entre pessoas mediada por ferramentas e instrumentos) subjacente
aos processos de significação subjetivados e negociados nas ações inter-relacionais
em ocupações sociais que enredam o intercâmbio das experiências pessoais de sujeitos
com diferentes competências no manejo de artefatos
culturais.
Na
concepção interacionista ou
sócioculturalista de aprendizado
da THCA o sujeito atribui significações às ações conjuntas nas práticas sociais
que o enredam por subjetivação em
processos usualmente descritos nesta perspectiva como (1) participação guiada - baseados em instruções explícitas e (2) observação periférica (Rogoff, 1988) -
fundamentados na “imitação” ou “reação caótica” (Pavlov, 2005).
Entre
estas duas categorias forjadas pela psicologia
cultural para referir dicotômica e ilustrativamente os modos sócio-históricos
típicos do aprendizado humano sugere-se
aqui interpor uma terceira e promissora via de acesso à cognição: (3) a imersão voluntária – experimentação lúdica da fusão homem-máquina ou adesão
à “alucinação consensual” consentida para a vivência vicária em realidades
imateriais pelo uso “intuitivo” de interfaces gráficas amigáveis e próteses
corporais (Burdea&Coiffet, 1994)
Repercussões pedagógicas
da plasticidade da atividade psíquica
O
ambiente relacional subjacente às práticas sócioculturais cotidianas e
extracotidianas no qual ocorrem os processos de negociação de significação das
ações coletivas costuma ser descrito pela psicologia
cultural como Zona de Desenvolvimento
Proximal/ZDP.
A ZDP é
a metáfora usada originalmente por Vigotskii (2001) para referir a região entre
o “nível de desenvolvimento potencial” e o “nivel de desenvolvimento real” como
justificativa para contestar as crenças hegemônicas no método supostamente
“científico” de mensuração “estática” da inteligência de Binet&Simon – os “vestibulares”
ou testes para medir o QI (quociente de inteligência): “A deficiência comum a
esse tipo de pesquisas experimentais consiste em que se coloca como fundamento
uma noção completamente errônea sobre certos dons de inteligência gerais.” (p. 297-306).
A
crença cognitivistamodernista hegemônica na possibilidade de “medição” do
conhecimento genuíno, unicamente possível a partir de intervenções pedagógicas
na ZDP - têm caracterizado muitos estudos de orientação vigotskiana voltados
para a aplicação educacional deste artefato
cultural – revelando uma ocupação obssessiva de educadores e psicólogos com
a “medição” supostamente mais objetiva e rigorosa dos “níveis” de
desenvolvimento cognitivo de escolares submetidos a processos de letramento que
em geral privilegiam o manejo dos sistemas sígnicos alfanuméricos. Este uso “pragmático”
da ZDP tem sido o alvo de ataque por parte de socioculturalistas que propugnam
um entendimento menos tépido deste conceito, como é o caso das teses de
Holzman&Newman (2002, 2006).
Embora
a concepção de aprendizado a partir
da interatividade (interacionismo) seja
a que possui maior número de adeptos entre os que estudam os fenômenos
educativos com a generalização do uso das redes telemáticas e do ciberespaço tanto no âmbito da
escolarização quanto no das ações culturais, observa-se que esta tem sido
propugnada para legitimar relações assimétricas de poder típicas de concepções “modeladoras”
das inter-relações entre aprendizado e ensino presencial, semipresencial ou à
distância (Andrade&Vicari, 2003).
Apropriações
aligeiradas do tipo “ready made opinion” ou “prêt-à-porter” desta importante
metáfora da inter-relação dialética entre aprendizado e desenvolvimento (ZDP)
têm sido fartamente identificadas nas justificativas “teóricas” da “pressão
instrucionista” em vários níveis da escolarização.
A
mediação das tecnologias digitais e telemáticas nos cenários educacionais, do
nosso ponto de vista, implica advogar novos modos de pensar e compreender as
práticas pedagógicas particularmente quando se elege a cibercultura como emblemática da atividade psíquica na contemporaneidade.
A
cibercultura ou “cultura da
simulação” refere o simulacro lúdico presente em
grande parte dos jogos eletrônicos. Nela, a simulação
da atividade prática (exteriorizada e
internalizada) pressupõe as vivências ludopedagógicas afetivas e sensoriais
oportunizadas pela imaginação ou “alucinação consensual” em realidades virtuais
(RVs) através da imersão voluntária.
(Baudrillard, 1991; Turkle, 1989)
A
imersão voluntária é um modo de entender a atividade psíquica cognoscente que proporciona o aprendizado por subjetivação e que traduz a “adequação” instantânea
de ações do sujeito informada pelas peculiaridades de uma situação (ZDP) que
impacta a sua conduta como “atividade orientadora” dos seus modos de agir, ou seja, como “regulação” do seu psiquismo
(Davidov, 1988).
Neste
modo culturalizado de cognição vários dispositivos informáticos e telemáticos oportunizados
pelo simulacro lúdico solicitam formas
alternativas de conhecer: aprende-se com a descontinuidade; aceita-se a
colaboração de rotas não previamente definidas no traçado de percursos da atividade psíquica por imersão voluntária na iconosfera (Rushkoff, 1999; Tapscott,
1999).
A iconosfera refere o ambiente
hipertextual do ciberespaço nas RVs -
um espaço topológico não euclidiano no qual as imagens revelam sentidos por
justaposição intencional (conscientemente ou não) para a comunicação de pensamentos
e emoções, solicitando um tipo particular de
aprendizado marcado pela falta de compromisso com uma lógica teleológica,
seriada e cumulativa ou “aristotélica”.
Trata-se
do engajamento relacional do sujeito em processos negociados de significação
baseados na reunião de amálgamas multiléxicos nos quais imagens, palavras e
sons se sobrepõem, constituindo o que originalmente Eisenstein (1990a) designou
como montagem: um tipo de enunciado
que revela procedimentos paratáticos (relações
topológicas significantes “para o outro”, “em si” e “para si” à moda da escrita
ideogramática chineza).
Esse
tipo de lexia amalgamada ou “híbrida” converte conglomerados de imagens, sons e
palavras em metalinguagem interpretável mediante o desenvolvimento de um tipo
de pensamento “mítico” que não opera com conceitos abstratos à moda do
pensamento baseado exclusivamente nos sistemas sígnicos alfanuméricos mas a
partir da observação e da organização metafórica especulativa urgente: do mundo
sensível em termos do sensível, ou seja, como uma espécie de “bricolagem
intelectual” (Levi-Strauss, 1976).
Os
conhecimentos e saberes obtidos a partir do aprendizado oportunizado
pela imersão voluntária no simulacro lúdico
devem ser considerados incompletos, provisórios, circunstanciais e plásticos,
isto é, performáticos: passíveis de permanente ressignificação ou atualização
(Japiassu, 2010).
A
interatividade e a interconectividade favorecidas pelas
tecnologias digitais oportunizam a valorização da diversidade cognitiva pela
disseminação e aglutinação mais ágil de ideias e dados nos processos de imersão voluntária do sujeito,
ocupando-o simultaneamente com diferentes tarefas.
O
aspecto plástico ou “errático” da atividade
psíquica empoderado pelo uso das TICs acaba por assustar educadores,
psicólogos escolares e cuidadores não suficientemente familiarizados com
abordagens “horizontalizadas”, seus percursos alternativos e ritmos acelerados
na execução de tarefas particularmente nos simulacros
lúdicos.
A tomada de papéis ou avatares é emblemática da recusa do
sujeito para com a estigmatização de sua conduta e prescrição de seus modos de pensar
e ser. Ao “vestir” um avatar a pessoa
descobre que não se encontra mais obrigada a manter-se fiel à uma única
identidade; que lhe é possível performar diferentes modos de existir, de trilhar
percursos alternativos e descobrir-se continuadamente tornando-se outro
(Holzman&Newman, 2006). Os avatares
são “personalidades virtuais” descartáveis assumidas provisoriamente nos processos
de subjetivação em práticas relacionais negociadas em RVs (Assis&Prado,
2001).
A performance na tomada de “personalidades eletrônicas”
traduz exemplarmente a flexibilidade dos processos de significação negociados nas
práticas relacionais entre pessoas mediadas pelas TICs, e entre elas e as máquinas,
emblematizando a dinâmica da atividade psíquica
na contemporaneidade (Gomez, 2004).
Últimas
considerações
Reconhecer
a “aceleração” do pensamento com o uso das TICs não implica desconsiderar os
riscos da superficialidade no entendimento das ações inter-relacionais colaborativas
por parte dos considerados “idiot-savants” (usuários habilidosos e
colecionadores de informações) ou “fast thinkers” (pensadores velozes) tampouco
deixar de levar em conta os aspectos “irreflexivos” da intuição. (Ramal,
2003).
As vivências lúdicas de realidades imateriais podem gerar
dois tipos de visão nos processos de aprendizado
por imersão voluntária: um “olhar cego” (não consciente) e outro “crítico” (consciente)
– o que requer compromisso dos responsáveis por intervenções pedagógicas
mediadas pelas TICs em desvelar “semblantes” ou “cadeias de significação” aos
quais as pessoas se deixam aprisionar nas tramas em rede voltadas para a
domesticação de suas singularidades (Mrech, 1999).
O
surgimento do homem-máquina resultante das interações com interfaces
gráficas amigáveis e próteses corporais, por amálgama ou “hibridização” da
subjetividade com a máquina, sinaliza a emergência do que se poderia denominar pensamento cyborg (Alves&Nova, 2003)
- uma simbiose entre o humano e sua réplica ou extensão metalizada que
resultaria em uma espécie de falassermáquina. (Lacan, 1982).
O
mundo imagético da iconosfera sem
dúvida solicita, na imersão voluntária,
a satisfação instantânea de desejos em detrimento da metacognição, mobiliza
processos de cognição intuitivos que fragilizam o poder de argumentação verbal
e oportunizam descargas afetivas através de movimentos urgentes automatizados e
irrefletidos.
Existem ainda muito poucas pesquisas acerca do impacto na
vida afetiva e cognitiva das pessoas com a “hiperestimulação” oportunizada pela
exposição prolongada à iconosfera e ao
ciberespaço. Especula-se sobre a
elevação do stress, irritabilidade, impaciência e indisposição para negociação
verbal (oral e escrita) paralelamente a ganhos na “produtividade”, velocidade e
acuidade da cognição proporcionada pelo uso preferencial do pensamento-ação,
sensorial e/ou mítico.
Não
se encontram ainda disponibilizados resultados obtidos a partir de rigorosas
investigações experimentais voltadas para o estudo do impacto do uso das TICs no
psiquismo tipicamente humano que busquem destacar a natureza sóciocultural e plasticidade
da atividade irrigada por múltiplos
sistemas sígnicos na perspectiva da psicologia
cultural.
Entendemos
que é fundamental apoiar e acolher pesquisas que permitam compreender mais e melhor
o impacto do uso das tecnologias digitais nos modos de ser e pensar das pessoas
na contemporaneidade. Empreendimentos investigatórios que nos permitam
transitar
por uma zona fronteiriça, extremamente rica e fértil para as investigações no
campo da educação e da psicologia (sobretudo da psicologia que se apóia nos
postulados da abordagem histórico-cultural), em que se cruzam os modos de ser,
pensar e agir do sujeito e sua cultura, mais especificamente da cultura
escolar. (Rego, 2002, p. 73)
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