O ETERNO RETORNO – A Ressureiçao do sublime
na cena soteropolitana ou o avesso da máscara cômica
Anita Bueno e Neyde Moura |
Sempre de olho na viagem pela colcha de
retalhos de nossas vivências, Deus cuida para que possamos cumprir o que
determina Sua Providência - assegurando-nos o livre-arbítrio (escolha) dos
modos, ritmo e rotas a trilhar...
Este olhar providente de Deus nos atemoriza,
por pairar silente e inexorável em cada tímida ocorrência, tangível ou
intangível, de nossas vidas.
Na Mitologia, algumas representações
antropomórficas de Deus que mostram um homem ou mulher com a fronte alapalada
(encoberta) dizem da tentativa malsucedida de seus rivais em aniquilar o olhar
divino que tudo vê. Neste sentido, Horus-Anúbis é exemplar, por apresentar a
divindade ressurecta com a cabeça recoberta pela máscara de um chacal para
esconder o olho vazado pela fúria invejosa de seus rivais, despeitados de sua
onipresença e poder...
Tanto as máscaras aterrorizantes de animais
monstruosos imaginários, como os capuzes de palha ou tela de miçangas (chorões)
- usadas nas representações das deidades - parecem querer ocultar a face desconhecida
e misteriosa da divindade.
É sobre a Sombra ou o “Olho de Deus”
alapalado impactando a condição humana que trata o belíssimo espetáculo
multimídia O avesso dos retalhos
apresentado ao público pelo Teatro dos
Novos.
A peça tem por base o texto A viagem dos retalhos da escritora e
atriz baiana Sonia Robatto e sela o retorno de Marcio Meirelles como grande encenador
soteropolitano.
O compromisso de Marcio com a militância
partidária na gestão das políticas culturais do Estado não lhe deixou tempo
para animar as práticas de pesquisa cênico-estética que sempre caracterizou a
produção teatral soteropolitobaiana (dos habitantes do entorno da Baía de Todos-os-Santos).
O retorno de Meirelles à vanguarda artística de Salvador deve ser celebrada com
grande alegria por todos os soteropolitanos porque fortalece o espírito e
vocação cosmopolita da cidade originalmente planejada para ser a capital do Reino d’Além Mar e Rainha do
Atlântico Sul.
Salvador tem sido sucateada e maltratada
por gestores totalmente rendidos aos interesses pessoais e à fúria de grupos
culturais que buscam hegemonizar suas preferências estéticas “populistas”,
orquestrando um vociferar intolerante em defesa da rendição de todos aos seus “semblantes”
cinicamente apregoando o “não saber”, o “não querer saber” e o “não deixar
saber”... L
VILLAGE STUDIOS
A encenação do texto de Sonia por Marcio
propõe o uso estético de recursos das tecnologias de comunicação e informação
propondo a veiculação “em direto” (síncrona) dos ritos dionisíacos permitindo a
fruição e apreciação duplamente mediadas pelas telas de computadores,
celulares, TV e rádio em todo o planeta.
Trata-se de uma ousada iniciativa que
sinaliza a necessidade de assegurar espaços físicos destinados para a produção
e transmissão de conteúdos de natureza artística; uma exigência posta pela própria
reorganização contemporânea das forças de produção estéticocênicas.
Seja através da fruição síncrona, mediada
pelo videorregistro das práticas teatrais, ou via imersão presencial do público
no ambiente em que ocorrem os ritos dionisíacos, Marcio e seus numerosos
colaboradores oferecem a oportunidade de escolha de rotas para apreciação
seletiva do material cênicamente disponibilizado ao modo de zapping no qual o
controle do que se quer ver está nas “mãos” do espectador.
Uma vivência estética prazerosa de
acompanhamento simultâneo do que se passa em várias “janelas” – que podem ou
não serem abertas pelos fruidores.
Porém, mais importante que todo o esplendor
e fascínio gerado pelos recursos tecnológicos usados pela encenação é a chance
de comungar solidariamente a trágica condição humana em um mundo rendido ao
mercantilismo e poder pensar.
A máscara trágica eleva-se sobre a cena
soteropolitana e provoca o sabor amargo das nossas angústias pelo mal-estar
gerado pelos processos civilizatórios.
Parabéns ao afinadíssimo conjunto de
técnicos, assistentes e elenco regido magistralmente por Marcio.
Poucas vezes se conseguiu reunir um elenco
com tantos excelentes intérpretes.
Evoé Anita, Carelli, Fulco, Marísia e
Sônia!
Evoé todos os bacantes da vila!
Evoé Marcio Corifeu!
Bem-vindo de volta ao gueto Meirelles!
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