quarta-feira, 6 de julho de 2011

UAMIRI (9)


DÉCIMA MOVIMENTAÇÃO CÊNICA

        Sinhá Mercês está de cócoras na beira de um rio sentindo as dores do parto. É assistida por Das Dores.

Sinhá Mercês
Valei-me minha Nossa Senhora das Candeias! Daí-me um bom parto...
Das Dores
(Derramando água do rio em uma cabaça sobre a cabeça de Sinhá Mercês) Ora-iê-iê-ô! Que as água traga essa criança forte e perfeita! Que as água abençoe a mãe dessa criança e deixe ela lhe dar o peito cheio de leite! (Reverentemente) Odô-iá! (Suplicante) Ô Yá?!

        Ouve-se suave o Ijexá de Oxum.

Sinhá Mercês
Tá vindo! Tá vindo...
Das Dores
Deixa ele viver! Deixa! (Para a criança, apertando o ventre da mãe com um pedaço de pano) Vem moleque, vem conhecer o mundo aqui de fora, vem!
Sinhá Mercês
Ái! Ái! Áiii...
Das Dores
(Posicionando-se à frente de Sinhá Mercês para aparar a criança) Cora’jê Sinhá! Cora’je fio!

        Ouve-se choro de neonato.

Das Dores
Vixe Maria! É home... É menino home Sinhá!
Sinhá Mercês
(Exausta e semiconsciente) Deixa eu ver meu Diego!
Das Dores
(Banhando a criança nas águas do rio) Chora não Diego! Sua mãe vai te dar de mamar... Tô só lavando essa meleira toda que você fez... (Arrancando o umbigo da criança com os dentes e amarrando-o com um cipó) E guardando seu umbigo pra sua mãe decidir o que vai fazê com ele (Choro alto da criança) Pronto! Pronto! Já passou... (Entregando a criança à Sinhá Mercês para que ela lhe dê o peito) Vai passar...
Sinhá Mercês
(Dando de mamar ao bebê) Isso... Suga tudo... Suga... (O bebê se acalma)
Das Dores
(Colocando o umbigo da criança na cabaça) Vou guardar o umbigo dele pra Sinhá. Fica tranqüila...
Sinhá Mercês
O pai vai gostar de saber que é macho!
Das Dores
Vai sim.
Sinhá Mercês
Podia estar aqui ao meu lado... Mas deve tá lá, do lado da outra...
Das Dores
Pensa nisso não, Sinhá!
Sinhá Mercês
Será que o filho dela é homem também?
Das Dores
Pela barriga dela há de ser muié! Foi ter a criança na aldeia...

Sinhá Mercês
Diogo é doido por aquela bugra... Sempre foi. Bate nela porque ela nunca quis ele...
Das Dores
Esquece Cira, Sinhá! Pensa no seu filho... Pensa coisa boa pro destino dele... Duvido que ela deixe ele trazê a bugrinha...
Sinhá Mercês
Se trouxer vou criar como filha minha...
Das Dores
Ele vai voltar sem a criança...
Sinhá Mercês
Será?!
Das Dores
Acredite no que sua preta veia diz...
Sinhá Mercês
Salve as almas!
Das Dores
Salve!

        Escuro rápido.


DÉCIMA PRIMEIRA MOVIMENTAÇÃO CÊNICA
       

Na taba da aldeia tupinambá Jacira rala mandioca numa panela de cerâmica junto a outras bugras. Iracema entra correndo ofegante.




Iracema
Corre Cira! Os olhero da tribo dissero que o anhanguera tá vino te buscar!

        Agitação junto as mulheres. Maisa Ubirajara sai da sua oca.

Maisa Ubirajara
Que agonia é essa?!
Iracema
O anhanguera tá vino buscá Cira!
Maisa Ubirajara
(Para Jacira) Tu vai querer voltá com ele Cira?
Jacira
Vou não.
Maisa Ubirajara
Então vai se escondê nos mato. Deixa que dou um jeito. E ocês trata de continuar o trabái de espremer a mandioca nos tapiti...

        Maisa Ubirajara volta pra sua oca. Jacira deixa a aldeia em direção à mata na companhia de Iracema. Chico DasMorte, Dom Diogo e Pé-de-pano chegam a aldeia.

Chico DasMorte
(Batendo palmas) Dona Maisa Ubirajara!? Maisa Cacique!
Maisa Ubirajara
Que gritaria é essa?!
Chico DasMorte
Meu patrão veio buscá a bugra que tá prenha dele...
Dom Diogo
Onde ela tá?

Maisa Ubirajara
Que pressa é essa seu moço?
Dom Diogo
Vim pegar ela e a criança...
Maisa Ubirajara
Cira num tá aqui.
Dom Diogo
Tá onde? Disseram que ela tava aqui...
Maisa Ubirajara
Ela teve aqui pra parir mas... já foi...
Dom Diogo
E a criança? Sou o pai. Vim levar.
Maisa Ubirajara
Ela ofereceu a criança às água!
Dom Diogo
Afogou o próprio filho?!
Maisa Ubirajara
Filha... Entregou a menina pra mãe d’água criar
Dom Diogo
E onde mora essa tal de mãe d’água?
Maisa Ubirajara
Nas profundeza da lagoa dourada...
Dom Diogo
Sacrificou a criança?!
Maisa Ubirajara
Depois de entregar a menina pras água ela tomou o rumo do sul. Disse que num queria ficar mais aqui com nóis... Nem perto do pai da menina...


Pé-de-Pano
Melhor a gente voltar logo, patrão; a Sinhá tá na hora de ter criança...
Chico DasMorte
Quer qu’eu vá caçar ela, patrão?!
Dom Diogo
Deixa a bandida seguir o rumo dela... Só queria a criança... Vamos voltar! (Para Maisa Ubirajara ameaçador) Se isso for conversa pra boi dormir a senhora vai se vê comigo, Dona Maisa Ubirajara.
Maisa Ubirajara
(Destemida) Tenho medo do senhor não!
Dom Diogo
(Para os seus acompanhantes) Vamos...

        Dom Diogo, Chico dasMorte e Pé-de-Pano deixam a aldeia. Maisa Ubirajara dá uma cusparada no chão depois da saída dos homens.

        Escuro lento. Ouve-se cântico aborígene.[1]

DÉCIMA SEGUNDA MOVIMENTAÇÃO CÊNICA

        Na camarinha da casa de Pai Hélio vê-se Dna Marta deitada sobre uma esteira vestida de branco com um torço na cabeça e vários colares em cores que referem orixás, sobrepostos em “pile up”. Pai Hélio empunhando um adjá é seguido por Zé Cambono que traz um agdá com omolocu para Nanã. Soa suave o ijexá de Oxum.

Pai Hélio
(Balançando o adjá com alegria) Salve as águas!
Zé Cambono
Salve!
Pai Hélio
Levanta Yaô! Vamo fazer a obrigação da sua saída...
Dna Marta
(Ajoelhando-se aos pés de Pai Hélio com as mãos em concha solicitando-lhe a benção) Motumbá Pai?!
Pai Hélio
MotumbAxé Yaô!
Zé Cambono
O prato de Nanã já tá pronto com os ovo cozido que tu pegou no galinheiro de madrugada e aquele feijão fradinho sem sal com lasca de coco que nóis cozinhou ontem à noite...
Pai Hélio
Pega vela e fósforo Yaô e vamos em fila até a beira do rio arriar o omolocu...
Dna Marta
Mas pra Nanã num tinha de ser na água salgada?
Pai Hélio
Os rios correm pra onde?
Dna Marta
Pro mar, Pai...
Pai Hélio
Então?!
Zé Cambono
(Teatral e pedagogicamente impaciente) Dá no mermo, ebomi!
Pai Hélio
Curiosidade de ebomi né filha? Tá certo. Quem duvida deve perguntar...


Zé Cambono
(Puxando afetadamente de modo efeminado cantiga pra Oxum) Eu vi mamãe Oxum na cachoeira colhendo flores para o seu congá... colhendo lírio, lírio ê, colhendo lírio, lírio lá...

        Os três seguem em fila indiana cantando tendo Pai Hélio à frente seguido por Dna Marta no meio e Zé Cambono atrás.

        Escuro lento.



[1] NASCIMENTO, Milton (s/d) CURI CURI [Música Waiápi (improvisação de flauta de Tsaqu Waiápi antes da fala de River Phoenix)] in Txai [CD áudio] UNI/CNS/Columbia, faixa 13.

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