Pensamento EM OBRAS: O ASPECTO
plástico DA ATIVIDADE
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Prof. Dr. Ricardo Ottoni Vaz Japiassu |
“E o Verbo se fez carne e habitou
entre nós, pleno de graça e de verdade; e vimos a sua glória...” (João I, 1963, p. 96)
A
natureza histórico-sociocultural da atividade
Vive-se em um ambiente impregnado
por diferentes formas de comunicação que não se restringem apenas à linguagem
verbal. Diferentes veículos (mídias) têm sido utilizados para emissões e
recepções de conteúdos significantes e significativos nas práticas relacionais
humanas.
Nos processos semasiológicos
culturalizados os sistemas sígnicos numérico e alfabético têm ocupado tradicionalmente
papel de destaque na colaboração da mente
social. Acredita-se que as origens do pensamento com signos particularmente
com palavras e números devam estar conectadas à necessidade de comunicação
entre humanos enredados por desafios à sobrevivência no mundo natural. Isso teria
impactado sua atividade psíquica selando-lhes
definitivamente a marca histórico-sóciocultural. (Leontiev, 1978; Luria, 1992; Vuigotskij,
1987).
Crendo-se nas origens
histórico-culturais da humanidade torna-se
razoável admitir que o aperfeiçoamento continuado de sofisticadas ferramentas para
o trabalho aliado à complexificação da organização socioeconômica e política das
forças produtivas ampliaram os poderes do psiquismo culturalizado.
O uso instrumental das tecnologias da informação e comunicação/TIC nas
ações dos seres humanos voltadas para conversão do mundo natural em cultural, frutos
do refinamento da cognição amparada em sistemas sígnicos, oportunizou conceber-se
a mente social como rede não
hierarquizada que interconecta diferentes portadores de significados irrigando
generosamente sua atividade, isto é, hibridizando-a
ou transfundindo-a com códigos extraverbais e extranuméricos particularmente na
replicação (simulacro) do seu funcionamento psicofisiológico: o ciberespaço ou espaço imaterial configurado a partir
de informações digitalizadas (Gibson, 1984).
A
atividade segundo a Psicologia Cultural
Sabe-se que a atividade impactada pelo uso de sígnos subverte a natureza não
mediada ou “biológica” dos seres humanos (Oliveira&Oliveira, 1999; Rego,
1995). Osório (1999) resume a importância dos sistemas sígnicos para o poder de
ação dos humanos sobre o meio ambiente e sobre si mesmos quando afirma que:
Ao
povoar o mundo de signos o homem dá um sentido ao mundo, pensa com os signos e
é por eles pensado. A linguagem é que permite ao homem transitar entre o
concreto e o abstrato da realidade, entre passado-presente-futuro, sem ela o
homem ficaria preso para sempre no presente sem qualquer poder de discriminação.
(p. 177).
Segundo a
THC o processo de formação da mente social
pressupõe a colaboração de conceitos através do manejo consciente (intencional)
dos significados das palavras usadas para os referir. Seu postulado é o de que a
linguagem verbal é prerrogativa para a construção do psiquismo culturalizado. Na
perspectiva da THC só o uso inter e intrapsiquíco do sistema alfanumérico oferece
a possibilidade de transcendência da instantaneidade, isto é, de podermos ir
além dos limites impostos pelos modos de pensamento vinculados ao campo
perceptivo dependente da materialidade dos objetos e de sua vivência intuitiva
ou sensacional (Husserl, 2005)
Já a TA,
como foi dito, insiste em assinalar que, por trás das significações alfanuméricas
encontram-se os sentidos subjetivados
por outros sistemas sígnicos nas ocupações laborais – o que permite reconhecer
não ser a linguagem verbal a única portadora de significações nas práticas
relacionais necessárias ao trabalho coletivo (Leontiev, 1983).
Mas é o foco
interacionista da psicologia cultural que
interessa na exposição do nosso ponto de vista acerca do impacto das formas amalgamadas
de linguagem na formação e funcionamento da mente
social.
Defendemos
que as neoformações signicas multiléxicas,
valorizadas pelo uso crescente e generalizado das TIC como ferramentas e
instrumentos eficazes para potencializar as relações interpessoais negociadas em
práticas sociais contemporâneas, impactam irreversivelmente o psiquismo
culturalizado.
Na contemporaneidade
o uso generalizado das tecnologias digitais oportuniza o entendimento de que várias
linguagens encontram-se enredadas em interssemiose simultânea, congregando sistemas
sígnicos verbais e extraverbais, no processo de replicação da mente social como ocorre no modelo hipertextual
ou cibernético (Bacalarski, 1994; Leontiev, 1983; Luria, 1987).
A metáfora
que permite uma aproximação da ideia de plasticidade ou flexibilidade para
referir o funcionamento “hipertextual” da atividade
na colaboração da mente social é a rede ou conforme Deleuse&Guatarri (1983) rizoma (imagem de bulbos e tubérculos usada para referir as múltiplas
ramificações que designam o modelo semântico não hierarquizado e dinâmico que entrelaça
cadeias semióticas de vários tipos conectadas a diferentes modalidades de
codificação ou lexias).
Este modo de
conceber a atividade pressupõe um
tipo particular de funcionamento psíquico referido como pensamento complexo ou multirreferencial
(Morin, 1990). Nesta perspectiva os conceitos não se
apresentam mais elencados “seriadamente” (sucedendo-se uns como prerrogativas
de outros) nem em forma de “espiral” (uns elevando outros) - como as pesquisas originalmente
informadas pela THC nos levam a crer.
Tanto os conceitos
sociais (científicos) como os cotidianos (não científicos), segundo a psicologia cultural, interatuam na atividade como “nós” de uma malha, teia
ou rede de significações “horizontalizada”
não possuindo fronteiras rigidamente definidas, como ocorre nas representações
bidimensionais das cartas geográficas; seus contornos encontram-se “borrados” ao
modo das projeções tridimensionais em pixels
(representações de imagens por meio de pontos luminosos nas telas de TVs e
computadores). Este tipo de entendimento “plástico”, flexível e sujeito a
alterações de “rotas” da atividade psíquica
por parte da THCA solicita o aproveitamento metacrítico do tradicional e
“rígido” paradigma modernista hegemônico de cognição da THC.
Sabe-se que
Vigotskii e Luria em parceria com Eisenstein (1990a, 1990b) interessaram-se por
investigar a plasticidade dos processos de colaboração de conceitos e a metacognição
na mente social quando esta veio a
ser impactada pelo uso da “escrita”
cinematográfica, focalizando particularmente o que, naquela ocasião, denominaram
de “protolinguagem” ou “monólogo interior” - formações “hibridizadas” constituidas
pela fusão do pensamento verbal e icônico na montagem da sintaxe e semântica audiovisual.
Investigações que lamentavelmente foram interrompidas por proibição explícita do
dogmatismo intransigente marxistamodernista-stalinista (Cabral, 2008;
Valsiner&Veer, 1996).
Eisenstein (1990b)
chegou a afirmar que a “escrita” cinematográfica “é uma reconstrução das leis
do processo do pensamento” (p. 102) e defendeu que a atividade irrigada por sistemas sígnicos extraverbais revela “uma
construção de um tipo de pensamento sensorial e, como resultado, em vez de um
efeito ‘lógico-informativo’, recebemos da construção, na verdade, um efeito
emocional-sensorial” (p. 124).
O próprio Eisenstein
(1990a) chega a mencionar explicitamente o interesse em comum com Luria e
Vigotskii na investigação da “correspondência de sons e sensações não apenas
com emoções, mas também um com o outro” (
p.91-92)
Com a
digitalização de imagens, sons e textos ocorre a abolição dos suportes
materiais para a representação dos sistemas sígnicos (Berckeley, 2005) passando
estes a existirem imaginariamente a partir do movimento de bits ou unidades de informação digital com base na combinatória de
números, sem peso, à velocidade da
luz (Calazans, 1997).
Paralelamente
ao desenvolvimento tecnológico que oportunizou a criação de realidades virtuais
(RVs), a descoberta pela TA da plasticidade das conexões neuronais demonstrada
por inúmeros estudos neurocientíficos das rotas alternativas destas conexões,
trilhadas no processo de reconstrução de funções psíquicas por parte de
sujeitos acometidos por severos danos em regiões cerebrais a elas correspondentes
(Luria, 1991), vieram corroborar a pertinência do modelo hipertextual adotado pela THCA para descrever e compreender
o aspecto plástico da atividade
psíquica tipicamente humana.
Diversidade
cognitiva
A
abordagem ao psiquismo humano da THCA apropria-se da metáfora de rede para referir o aspecto plástico da atividade aproveitando a importante
noção de subjetivação e “mediação
replicada” da TA e seu relevante papel nas negociações de sentido em práticas
relacionais (interações presenciais e não presenciais mediatizadas e irrigadas pelo uso de diferentes ferramentas e
sistemas sígnicos extra-alfanuméricos).
Não
é difícil concordar que a “leitura” e “escrita” digitalizada de hipertextos
impactam sócio-historicamente os processos de colaboração da atividade psíquica culturalizada. Cada
vez mais, na contemporaneidade, as pessoas recorrem à mixagem de diferentes
lexias ou linguagens em modo digital para se relacionarem e colaborarem práticas
sociais mediadas pelas TIC no ciberespaço
(Levy, 1999).
Os sistemas sígnicos extra-alfanuméricos
ganham significações culturalmente negociadas em processos interativos a partir
da subjetivação pessoal. Primiano
(1990) ressalta o papel de destaque da imagem e o seu impacto no psiquismo culturalizado quando esclarece que “sua
utilização é frequente e a tendência é ampliá-la, havendo até quem anteveja a
possibilidade de, um dia, a imagem substituir a palavra escrita” (p. 206).
Se
é verdade que o uso das TIC incrementam a diversidade cognitiva justifica-se a pertinência
de estudos mais aprofundados da gênese e desenvolvimento dessas neoformações
amalgamadas ou “hibridas” (protolinguagens) nos processos de pensamento para
elucidar como o signo verbal é transfundido ou irrigado por outras lexias
(Lèvy, 1998; Santaela, 1983).
Defender
o estudo da diversidade cognitiva oriunda do uso instrumental do computador e
das TIC como “mediação replicada” nas práticas relacionais colaborativas não implica
menosprezar o papel desempenhado pelo sistema alfanumérico na formação da mente social, mas admitir o empoderamento
do signo linguístico através da irrigação por parte de outras lexias em
processos singulares de subjetivação.
Afinal não é possível usar plenamente essas tecnologias se não se possui
competência no uso fluente de signos verbais e não verbais, como adverte Gomez
(2004): “o uso do computador origina um retorno ao textual/oral. Não é possível
usar um computador se não se lê ou se escreve e, ainda mais, se não se tem
conhecimento e desempenho no uso de signos linguísticos e não linguísticos” (
p. 59).
A
diversidade cognitiva têm sido defendida por inúmeros estudos na
contemporaneidade numa perspectiva psicobiológica ou “naturalizante” da atividade (Gardner, 1994; Goleman, 1995).
Do ponto de vista da psicologia cultural as
pessoas aprendem os modos de ser e
pensar historicamente colaborados negociando semanticamente o conteúdo de suas
relações interpessoais, desde o nascimento, através de processos singulares de subjetivação que conduzem o aprendizado do uso e manejo cada vez
mais eficaz de variados artefatos culturais
– aspectos do mundo material incorporados às ações dos seres humanos e
interpostas entre estes e o ambiente físico e social em que interagem (Cole,
1998b, p.163).
Na
concepção interacionista ou
sócioculturalista de aprendizado
da THCA o sujeito atribui significações às ações conjuntas nas práticas sociais
que o enredam por subjetivação em
processos usualmente descritos nesta perspectiva como (1) participação guiada - baseados em instruções explícitas e (2) observação periférica (Rogoff, 1988) -
fundamentados na “imitação” ou “reação caótica” (Pavlov, 2005).
Entre
estas duas categorias forjadas pela psicologia
cultural para referir dicotômica e ilustrativamente os modos sócio-históricos
típicos do aprendizado humano sugere-se
aqui interpor uma terceira e promissora via de acesso à cognição: (3) a imersão voluntária – experimentação lúdica da fusão homem-máquina ou adesão
à “alucinação consensual” consentida para a vivência vicária em realidades
imateriais pelo uso “intuitivo” de interfaces gráficas amigáveis e próteses
corporais (Burdea&Coiffet, 1994)
Repercussões pedagógicas
da plasticidade da atividade psíquica
O
ambiente relacional subjacente às práticas sócioculturais cotidianas e
extracotidianas no qual ocorrem os processos de negociação de significação das
ações coletivas costuma ser descrito pela psicologia
cultural como Zona de Desenvolvimento
Proximal/ZDP.
A
crença cognitivistamodernista hegemônica na possibilidade de “medição” do
conhecimento genuíno, unicamente possível a partir de intervenções pedagógicas
na ZDP - têm caracterizado muitos estudos de orientação vigotskiana voltados
para a aplicação educacional deste artefato
cultural – revelando uma ocupação obssessiva de educadores e psicólogos com
a “medição” supostamente mais objetiva e rigorosa dos “níveis” de
desenvolvimento cognitivo de escolares submetidos a processos de letramento que
em geral privilegiam o manejo dos sistemas sígnicos alfanuméricos. Este uso “pragmático”
da ZDP tem sido o alvo de ataque por parte de socioculturalistas que propugnam
um entendimento menos tépido deste conceito, como é o caso das teses de
Holzman&Newman (2002, 2006).
Embora
a concepção de aprendizado a partir
da interatividade (interacionismo) seja
a que possui maior número de adeptos entre os que estudam os fenômenos
educativos com a generalização do uso das redes telemáticas e do ciberespaço tanto no âmbito da
escolarização quanto no das ações culturais, observa-se que esta tem sido
propugnada para legitimar relações assimétricas de poder típicas de concepções “modeladoras”
das inter-relações entre aprendizado e ensino presencial, semipresencial ou à
distância (Andrade&Vicari, 2003).
Apropriações
aligeiradas do tipo “ready made opinion” ou “prêt-à-porter” desta importante
metáfora da inter-relação dialética entre aprendizado e desenvolvimento (ZDP)
têm sido fartamente identificadas nas justificativas “teóricas” da “pressão
instrucionista” em vários níveis da escolarização.
A
mediação das tecnologias digitais e telemáticas nos cenários educacionais, do
nosso ponto de vista, implica advogar novos modos de pensar e compreender as
práticas pedagógicas particularmente quando se elege a cibercultura como emblemática da atividade psíquica na contemporaneidade.
A
cibercultura ou “cultura da
simulação”refere o simulacro lúdico presente em
grande parte dos jogos eletrônicos. Nela, a simulação
da atividade prática (exteriorizada e
internalizada) pressupõe as vivências ludopedagógicas afetivas e sensoriais
oportunizadas pela imaginação ou “alucinação consensual” em realidades virtuais
(RVs) através da imersão voluntária.
(Baudrillard, 1991; Turkle, 1989)
A
imersão voluntária é um modo de entender a atividade psíquica cognoscente que proporciona o aprendizado por subjetivação e que traduz a “adequação” instantânea
de ações do sujeito informada pelas peculiaridades de uma situação (ZDP) que
impacta a sua conduta como “atividade orientadora” dos seus modos de agir, ou seja, como “regulação” do seu psiquismo
(Davidov, 1988).
Neste
modo culturalizado de cognição vários dispositivos informáticos e telemáticos oportunizados
pelo simulacro lúdico solicitam formas
alternativas de conhecer: aprende-se com a descontinuidade; aceita-se a
colaboração de rotas não previamente definidas no traçado de percursos da atividade psíquica por imersão voluntária na iconosfera (Rushkoff, 1999; Tapscott,
1999).
A iconosfera refere o ambiente
hipertextual do ciberespaço nas RVs -
um espaço topológico não euclidiano no qual as imagens revelam sentidos por
justaposição intencional (conscientemente ou não) para a comunicação de pensamentos
e emoções, solicitando um tipo particular de
aprendizado marcado pela falta de compromisso com uma lógica teleológica,
seriada e cumulativa ou “aristotélica”.
Trata-se
do engajamento relacional do sujeito em processos negociados de significação
baseados na reunião de amálgamas multiléxicos nos quais imagens, palavras e
sons se sobrepõem, constituindo o que originalmente Eisenstein (1990a) designou
como montagem: um tipo de enunciado
que revela procedimentos paratáticos (relações
topológicas significantes “para o outro”, “em si” e “para si” à moda da escrita
ideogramática chineza).
Esse
tipo de lexia amalgamada ou “híbrida” converte conglomerados de imagens, sons e
palavras em metalinguagem interpretável mediante o desenvolvimento de um tipo
de pensamento “mítico” que não opera com conceitos abstratos à moda do
pensamento baseado exclusivamente nos sistemas sígnicos alfanuméricos mas a
partir da observação e da organização metafórica especulativa urgente: do mundo
sensível em termos do sensível, ou seja, como uma espécie de “bricolagem
intelectual” (Levi-Strauss, 1976).
Os
conhecimentos e saberes obtidos a partir do aprendizado oportunizado
pela imersão voluntária no simulacro lúdico
devem ser considerados incompletos, provisórios, circunstanciais e plásticos,
isto é, performáticos: passíveis de permanente ressignificação ou atualização
(Japiassu, 2010).
A
interatividade e a interconectividade favorecidas pelas
tecnologias digitais oportunizam a valorização da diversidade cognitiva pela
disseminação e aglutinação mais ágil de ideias e dados nos processos de imersão voluntária do sujeito,
ocupando-o simultaneamente com diferentes tarefas.
O
aspecto plástico ou “errático” da atividade
psíquica empoderado pelo uso das TICs acaba por assustar educadores,
psicólogos escolares e cuidadores não suficientemente familiarizados com
abordagens “horizontalizadas”, seus percursos alternativos e ritmos acelerados
na execução de tarefas particularmente nos simulacros
lúdicos.
A tomada de papéis ou avatares é emblemática da recusa do
sujeito para com a estigmatização de sua conduta e prescrição de seus modos de pensar
e ser. Ao “vestir” um avatar a pessoa
descobre que não se encontra mais obrigada a manter-se fiel à uma única
identidade; que lhe é possível performar diferentes modos de existir, de trilhar
percursos alternativos e descobrir-se continuadamente tornando-se outro
(Holzman&Newman, 2006). Os avatares
são “personalidades virtuais” descartáveis assumidas provisoriamente nos processos
de subjetivação em práticas relacionais negociadas em RVs (Assis&Prado,
2001).
A performance na tomada de “personalidades eletrônicas”
traduz exemplarmente a flexibilidade dos processos de significação negociados nas
práticas relacionais entre pessoas mediadas pelas TICs, e entre elas e as máquinas,
emblematizando a dinâmica da atividade psíquica
na contemporaneidade (Gomez, 2004).
Últimas
considerações
Reconhecer
a “aceleração” do pensamento com o uso das TICs não implica desconsiderar os
riscos da superficialidade no entendimento das ações inter-relacionais colaborativas
por parte dos considerados “idiot-savants” (usuários habilidosos e
colecionadores de informações) ou “fast thinkers” (pensadores velozes) tampouco
deixar de levar em conta os aspectos “irreflexivos” da intuição.(Ramal,
2003).
As vivências lúdicas de realidades imateriais podem gerar
dois tipos de visão nos processos de aprendizado
por imersão voluntária: um “olhar cego” (não consciente) e outro “crítico” (consciente)
– o que requer compromisso dos responsáveis por intervenções pedagógicas
mediadas pelas TICs em desvelar “semblantes” ou “cadeias de significação” aos
quais as pessoas se deixam aprisionar nas tramas em rede voltadas para a
domesticação de suas singularidades (Mrech, 1999).
O
surgimento do homem-máquina resultante das interações com interfaces
gráficas amigáveis e próteses corporais, por amálgama ou “hibridização” da
subjetividade com a máquina, sinaliza a emergência do que se poderia denominar pensamento cyborg (Alves&Nova, 2003)
- uma simbiose entre o humano e sua réplica ou extensão metalizada que
resultaria em uma espécie de falassermáquina. (Lacan, 1982).
O
mundo imagético da iconosfera sem
dúvida solicita, na imersão voluntária,
a satisfação instantânea de desejos em detrimento da metacognição, mobiliza
processos de cognição intuitivos que fragilizam o poder de argumentação verbal
e oportunizam descargas afetivas através de movimentos urgentes automatizados e
irrefletidos.
Existem ainda muito poucas pesquisas acerca do impacto na
vida afetiva e cognitiva das pessoas com a “hiperestimulação” oportunizada pela
exposição prolongada à iconosfera e ao
ciberespaço. Especula-se sobre a
elevação do stress, irritabilidade, impaciência e indisposição para negociação
verbal (oral e escrita) paralelamente a ganhos na “produtividade”, velocidade e
acuidade da cognição proporcionada pelo uso preferencial do pensamento-ação,
sensorial e/ou mítico.
Não
se encontram ainda disponibilizados resultados obtidos a partir de rigorosas
investigações experimentais voltadas para o estudo do impacto do uso das TICs no
psiquismo tipicamente humano que busquem destacar a natureza sóciocultural e plasticidade
da atividade irrigada por múltiplos
sistemas sígnicos na perspectiva da psicologia
cultural.
Entendemos
que é fundamental apoiar e acolher pesquisas que permitam compreender mais e melhor
o impacto do uso das tecnologias digitais nos modos de ser e pensar das pessoas
na contemporaneidade. Empreendimentos investigatórios que nos permitam
transitar
por uma zona fronteiriça, extremamente rica e fértil para as investigações no
campo da educação e da psicologia (sobretudo da psicologia que se apóia nos
postulados da abordagem histórico-cultural), em que se cruzam os modos de ser,
pensar e agir do sujeito e sua cultura, mais especificamente da cultura
escolar. (Rego, 2002, p. 73)
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