quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

YEMANJÁ ( III )







Duzinha
Mas anda tudo de chapéu na cabeça. Deve de ser “medo”.

        Remendeiras.

Toninha
A vida da gente é esperar. Quando não é esperar é esquecer...
Ceição
Como foi?
Toninha
Como sempre foi... Saiu pro mar como saía todos dia; em cima da jangada; e eu fiquei na praia, como ficava todos dia: parada; toda dura veno ele se afastar... o olho preso no meu “home”; veno ele diminuir, diminuir até virar um pontinho preto nesse mundão azul... A gente não sabe nunca se aquele pontinho vai crescer de novo ou se vai sumir pra sempre... Quando a jangada dele deu na praia tava com mancha de sangue... Diz os pescador que foi cação!

        Remendeiras cantam.

                Entrou lua, saiu lua
Mas inté de madrugada
Esperei o meu bemzinho
Foi pro mar numa jangada


        A rede chegou. Os pescadores vêm com seus apetrechos de pesca e cestos com o resultado de uma pescaria farta. Pedrão trás, além do cesto, duas linhas de fundo; os pescadores vão alguns para suas casas, outros para o boteco. Pedrão vai para casa. A casa de Pedrão é típica de pescador: humilde, pobre mas muito limpa. Em cena só os objetos estritamente necessários ao suporte da ação dramática; Dulce, depois de lançar um olhar de imensa gratidão ao pequeno altar de Yemanjá, ajuda Pedrão a tirar o cesto que transporta na cabeça.

Dulce
Chegou cedo!
Pedrão
É. Peixe tava comendo bem. Arruaça melhorou?
Dulce
Já `ta bom. Ele tava era com luxo. Botei o ungüento de mastruz que Mãe Rosa mandou. Ele botou a doença toda pra fora na tosse.
Pedrão
E o xarope de agrião com ameixa, ´cê fez?
Dulce
Fiz home de Deus.
Pedrão
E a febre já foi?
Dulce
É de hoje! ... Tem naus de três dia.
Pedrão
Cadê ele?
Dulce
Disse que ia dar uma mãozinha na puxada de rede. Depois ia buscar o gelo.
Pedrão
Com aquele resto de tosse, carregando gelo na cabeça...
Dulce
Oxente Pedrão! Cê acha que se ele não ‘tivesse bom de todo, eu deixava ele ir?

Praia
Arruaça vem com um balde de gelo na cabeça. Ao passar pela frente do boteco, Sete-mola e Pé-Molhado começam a se divertir às custas dele.

Pé-de-Mola
Tá levano pedra d´água companheiro?

Sete-Mola
Tá suando gelado, meu irmão?

Arruaça
Deixa de brincadeira comigo!

Sete-Mola
Que é isso parceiro, tá estranhano os amigo?

Pé-Molhado
Como é que ta a temperatura aí em cima?

Arruaça
É melhor para com a brincadeira!

Pé-Molhado
Tá metido a porreta só porque entrou no ginásio?

Sete-Mola
Então toma cuidado parceiro, de tanto carregar pedra d´água na cabeça pode congelar teu juízo e tu ficar mais burro que a gente!

Arruaça
Já falei pra me deixar em paz!

Pé-Molhado
(Gozador quebrando a munheca) Aí meu Deus!

        Esgotou a paciência de Arruaça. Ele pára, coloca o balde no chão e rapidamente abre o canivete.

Arruaça
Quem for home, corra dentro! Pode vim os dois de vez!

        Pé-Molhado e Sete-Mola, apesar de serem mais velhos e bons capoeiristas, fingem temê-lo e saem correndo. Arruaça os persegue. As remendeiras comentam o episódio.

Toninha
É assim... Machão. Mania de briga!

Ceição
Não é atôa que botaro o nome dele de Arruaça

Toninha
Mas tu gosta dele!

Ceição
Gosto sim, mas né por isso qu’eu vou dexá de falá. Depois, é um gostá sem esperança...

Toninha
Não vejo porque!?


Ceição
Ô Toninha, ele tá estudano. Quando se formar não vai me querer mais!

Toninha
Isso é que você num sabe! O futuro a Deus pertence...

Ceição
É vem pai! (Aproximando-se dele) Bença pai?!

Severino
Que meu padim pade Cirço abençoe ôces tudo. Os peixe do mar, as fulo de mandacaru, o richo das cacimba e os passarinho do céu!

Ceição
Tomou seu café, pai?

Severino
Cadê João? Que hora que a canoa dele vorta?

Ceição
(Constrangida) Daqui a pouco pai...

Severino
Mentira! Mentira! O mar engoliu ele, canoa e tudo! O povo tira os peixe do mar; o povo joga a água amarela cor de enxofre do diabo nas água do mar. O enxofre do diabo mata os peise e evenena tudo. O mar fica com fome. O mar então precisa dos sangue dos pescador pra matar a fome. A fome do mar é grande.

        A Iaô aparece e para na frente de Severino. Eles se olham profunda e fixamente.

Ceição
(Conduzindo o pai pelo braço) Senta pai!

        Severino senta-se sobre uma pedra. Acalma-se e sua expressão se torna mais branda. Aos poucos inicia um cantarolar triste de uma velha canção sertaneja.

Boteco

Duzinha
(Referindo-se a Severino) Virge mãe! Isso me corta o coração...
Cazuza
Cada qual cumpre a sua sina.

Duzinha
É isso que me revolta!
Cazuza
Isso o quê criatura?
Duzinha
Essa pasmaceira. Essa conformação besta. Tudo que acontece, é sina, é a vontade de Deus...
Cazuza
E não é não?
Duzinha
Sei lá!? As vez fico pensano: será que a zanga de Deus é só pros lado dos pobre, é?
Cazuza
E rico não fica maluco também?
Duzinha
De ficá, fica. Mas não fica pela rua, dando dó na gente e metendo medo a menino!

        Raimundão se aproxima tocando berimbau. Com ele vêm Sete-Mola e Pé-Molhado. Iniciam jogo de capoeira. Com a chegada de Pedráo eles encerram o “brinquedo”.

Pedrão
Continua gente!
Pé-Molhado
A gente já brincou demais!
Raimundão
Escuta aqui ô Pedrão: por que você também não brinca um pouco? Eu sei que tu é bom de ginga!
Pedrão
(Entre gozador e vaidoso) Sou bom em tudo, rapá! Só que não faço gosto. Cês sabem que em terra tô sempre de passage. Meu bem querer é as lonjura do mar. No mar eu nasci, no mar quero morrer... Vamo tomá uma?

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