A
LEI E A PENA DA DONA DAS CAMÉLIAS
Aurum Imperial
Regência
Isabel Cristina
Leopoldina de Bragança - Princesa do Brasil
TERCEIRA REGÊNCIA (1877-1888)/Gabinete Cotegipe-João
Alfredo
Roteiro para performance comemorativa à
abolição do escravismo
aos 13 de maio de 1888 – Assinatura da Lei
Áurea
Turma
multi-idade 2012 em teatroeducação BJMJr-Itaparica
Ricardo Ottoni
PRIMEIRA MOVIMENTAÇÃO CÊNICA
Cursistas adentram espaço físico
percurtindo bastões de maculelê.
SEGUNDA MOVIMENTAÇÃO CÊNICA
Récita de fragmento de O sorriso do Lagarto [1]
Jogador
1 - Os peixes não são como os mamíferos, por exemplo.
Jogador
2 - Os mamíferos cuidam da casa, têm famílias
Jogador
3 - Alguns vivem em grupos, manifestam solidariedade social em muitos casos e
assim por diante.
Jogador
1 – Mas peixe, não.
Jogador
2 - Praticamente não existe morte natural no mar
Jogador
3 - É um come-come desenfreado (...) os pais comem os filhos e vice-versa
Jogadores
1, 2 e 3 - Todo mundo come todo mundo!
Forte percurssão de
bastões do maculelê.
TERCEIRA MOVIMENTAÇÃO CÊNICA
Cursistas performam O maligno Baal – o associal [2]
Jogador
1 – (Ao modo de narrador) Diante de uma casa de jogos eletrônicos na periferia
da cidade, (Aponta para o Jogador 2) Baal encontra, acompanhado de seu comparsa
(Aponta para Jogador 3) Lupo, um menino (Apontando para si mesmo) que está
soluçando.
Jogador 1 chora e soluça
exageradamente tomando o papel do menino. Jogadores 2 e 3 performando os papéis
de Baal e Lupo cutucam-se mutuamente de modo cúmplice.
Jogador
2/Baal - Por que está chorando?
Jogador
1/Menino - Eu tinha duas moedas para jogar “plêichtexu” aí veio um pivete, me
bateu e levou uma (Chora intensa e inconsolavelmente)
Jogador
2/Baal - (Para o Jogador 3 que performa Lupo) Isto é roubo! Mas como o roubo não
aconteceu por necessidade de alimentação não é roubo motivado pela fome. E como
parece ter ocorrido por causa de um passe para jogar videogame, é roubo audiovisual!
Ainda assim, roubo. (Jogador 3/Lupo concorda exageradamente. Jogador 2/Baal
pergunta ao Jogador 1/Menino) Você não gritou por socorro?
Jogador
1/Menino – Gritei (Continua a chorar)
Jogador
2/Baal - (Para Jogador 3/Lupo) O grito por socorro – expressão do sentimento de
solidariedade humana... Mais conhecido ou assim chamado grito de morte. (Para o
Jogador 1/Menino acariciando-lhe maliciosamente a cabeça enquanto retira-lhe o
boné repassando-o a Lupo) Ninguém ouviu você?
Jogador
1/Menino – (Suspira aliviado na esperança de ajuda) Não.
Jogador
2/Baal - (Revelando-se cruel e imobilizando o menino, ordena ao Jogador 3) Lupo,
tire-lhe também a outra moeda!
Jogador
3/Lupo – (Sadicamente) Boa idéia!
Jogador 1/Menino protesta.
Improviso de interação verbal entre os três jogadores até a consumação do roubo
da última moeda do menino.
Jogador
3/Lupo – (Ameaçador mostrando-lhe um canivete) Casca fora moleque senão lhe
capo!
Jogador 1/menino foge
apavorado.
Jogador
2/BaaL - (Para Jogador3/Lupo e platéia) Este é o fim de todos os apelos dos
fracos.
Jogadores 1, 2 e 3 - Todo mundo come todo mundo!
Forte
percussão de bastões do maculelê
QUARTA
MOVIMENTAÇÃO CÊNICA
Cursistas
performam fragmentos de Saudação a
Palmares [3]
Jogadores
movimentam-se arrastando grossas correntes colaborando formas com seus corpos
que evocam escravos atados ao tronco e submetidos a castigo. Ao som do agueré
de Oxossi eleva-se entre o grupo a figura de uma cabocla empunhando uma lança.
Jogador 1/Cabocla – Salve país do bandido!
Jogadores 2, 3 – Salve!
Jogador 1/Cabocla – Salve pátria do jaguar!
Jogadores 2, 3 – Salve!
Jogador 2 – Salve! Região dos valentes onde
os ecos estridentes mandam aos plainos trementes os gritos do caçador!
Jogador 1/Cabocla
estremece e grita batendo a lança no peito
Jogador 3 – Salve, Amazona guerreira! Que
nas rochas da clareira, -aos urros da cachoeira – sabes bater e lutar...
Jogadores 2 – Salve! – nos cerros erguido –
ninho, onde em sono atrevido, dorme o condor... e o bandido! A liberdade e o
jaguar!
Correntes
são batidas ao chão em crescente sonoridade e Jogadores dispersam-se pela área
de jogo.
QUINTA MOVIMENTAÇÃO CÊNICA
Cursistas performam fragmento de Isabel [4]
No telão é projetado o
texto da Lei Áurea. Jogadores lêem e dizem colaborativamente artigos do
documento.
Jogador 1 - Declara extinta a escravidão no Brasil:
Jogador 2 - A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o
Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a
Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Jogador 3
- Art. 1°: É declarada extinta desde a data desta lei
a escravidão no Brasil.
Jogador 1 - Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.
Jogador 2 - Manda, portanto, a
todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei
pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela
se contém.
Jogador 3 - Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67º da
Independência e do Império.
Durante a récita colaborada da Lei Jogador
4/Princesa Isabel está debruçada diante de um caderno de capa dura e é
auxiliada por amas de companhia que ajudam-lhe a retirar a luva para empunhar a
pena imperial sobre uma almofada, sustentada por serviçal do palácio. O Jogador
4/Princesa Isabel assina solenemente a Lei. Ouve-se estrondosa
e majestosamente a abertura da ópera O Guarani de Carlos Gomes que segue sendo
ouvida em baixo volume.
Jogador 4/Princesa Isabel – (Para Jogador
2/José do Patrocínio) Está feito... O escravismo é página virada neste país.
Jogador 2/José do Patrocínio - Fala-se em
golpe militar... Um levante do exército para “derrubar” a “Dona das Camélias”;
inclusive apoiado por abolicionistas agora republicanos que, sem nenhum
constrangimento, aceitam serem financiados por senhores ex-escravagistas. Rui a
viga mestra da monarquia no Brasil. É o fim, Alteza... O fim...
Jogador 4/Princesa Isabel - Talvez o
início... de um novo tipo de nobreza. Uma nobreza de outra natureza, meu
caro... A nobreza de caráter... (Pausa) É preciso sermos realistas: não há
recursos para atendermos o que nos exigem os senhores ex-proprietários de
escravos. (Indignada) Não satisfeitos com os ganhos que tiveram ao longo de
séculos ousam agora extorquir o Tesouro Nacional em nome de uma supostamente
“justa” indenização pela perda dos seus “bens” – pessoas, gente de cor... Por
isto apóiam a República; para saquear o Erário com o auxílio de seus asseclas
no Parlamento, apoiados por mercenários do Exército. (Altiva) Tudo isso se
apresenta muito repugnante para mim e talvez o exílio em França seja mesmo o
destino que não ingenuamente ajudei a traçar para a família real brasileira...
Basta de sangue irrigando as terras desta nação.
Jogadores
2 e 3 adentram a área de jogo entregando ao Jogador 4/Princesa Isabel um livro.
Jogador 4/Princesa Isabel abre o livro. Ouve-se em baixo volume o Hino ao 2 de
Julho durante a récita colaborada de estrofes finais de O navio negreiro [5]
Jogador 2 - E existe um povo que a bandeira empresta pra cobrir tanta infâmia e
covardia!...
Jogador 3 - E deixa-a transformar-se nessa festa em manto impuro de
bacante fria!...
Jogador 2 - Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta, que
impudentemente na gávea tripudia?!...
Jogador 3 - Silêncio!...
Jogador 2 - Musa! Chora, chora tanto que o pavilhão se lave no seu
pranto...
Jogador 3 - Auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil
beija e balança
Jogador 2 - Estandarte que a luz do sol encerra
Jogador 3 - E as promessas divinas da esperança...
Jogador 2 - Tu, que da liberdade após a guerra, foste hasteado dos
heróis na lança,
Jogadores 2 e 3 - Antes te houvessem roto na batalha, que servires a um
povo de mortalha!...
Jogador 4/Princesa Isabel fecha o
livro. Jogadores 2 e 3 deixam a área de jogo levando o livro.
Jogador 4/Princesa Isabel – O navio
negreiro – tragédia no mar de Antônio Frederico Castro Alves, escrito aos 18 de
abril de 1868, em São Paulo... (Pausa) Uma pena ter sido colhido tão jovem pela
tuberculose o nosso poeta... 24 anos!? – um arauto da abolição do escravismo no
Brasil... (Deslocando-se lentamente) Penso ter cumprido corajosamente o meu
papel e sei que o fiz inscrevendo com destemor o meu nome na história do breve
Império brasileiro – que só durou pouco mais de meio século. Tenho a firme
convicção de que o tempo pode ocultar para sempre - ou revelar – muitos
segredos de Estado. (Irônica) Estou
determinada a arcar com o ônus da minha decisão. (Resignada) Que vingue pois a
República – (Com dignidade) mas sem prejuízo da honra da Casa de Bragança! Eu
sou o Império que baniu para sempre a escravidão no Brasil. A suspensão do meu
direito de reinar não impedirá jamais de que eu seja cognominada Isabel, A
Redentora, pelos séculos e séculos... Amém.
Uma
chuva de camélias brancas em pétalas é lançada pelos jogadores sobre o Jogador 4/Princesa Isabel.
QUINTA MOVIMENTAÇÃO CÊNICA
Cursistas performam
alegremente um samba de roda
congratulando-se com os observadores e ofertando camélias brancas aos presentes.
[1] RIBEIRO, João Ubaldo (2009) O sorriso do lagarto. Rio de Janeiro:
ALFAGUARA/Objetiva, Cap. 5, p. 158. [João Pedroso]
[2] BRECHT, Bertold (2001) O maligno Baal – o associal. In KOUDELA,
Ingrid Dormien. Brecht na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva, pp.133-146,
p. 143.
[4] JAPIASSU, Ricardo
Ottoni Vaz (2010) Esmeraldas da redenção Isabel Cristina
Leopoldina de Bragança - Princesa do Brasil - Aurum Imperial Regência.
Texto dramático registrado na SBAT não publicado.
[5] CASTRO ALVES, Antônio (1997) O navio negreiro. In Os escravos. São Paulo: L&PM, pp.
92-101.
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