segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Evangélicos e sua face intolerante e perversa

MPF/SP quer retratação por comentários homofóbicos em programa evangélico
 
Pastor Silas Malafaia defendeu “baixar o porrete” em participantes da Parada Gay; retratação deve ter, pelo menos, o dobro do tempo usado no comentário preconceituoso

Ouça o áudio da notícia


A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo quer que o programa “Vitória em Cristo”, exibido pela Rede Bandeirantes, veicule uma retratação pelos comentários homofóbicos feitos pelo pastor Silas Malafaia, no programa de 02 de julho de 2011. Utilizando gírias de baixo calão, o pastor defendeu “baixar o porrete” e “entrar de pau” contra integrantes da Parada Gay. A retratação deverá ter, no mínimo, o dobro do tempo utilizado nos comentários preconceituosos. A ação foi proposta hoje e tramitará em uma das varas cíveis da Justiça Federal de São Paulo.

“Os caras na Parada Gay ridicularizaram símbolos da Igreja Católica e ninguém fala nada. É pra Igreja Católica 'entrar de pau' em cima desses caras, sabe? 'Baixar o porrete' em cima pra esses caras aprender (sic). É uma vergonha”, afirmou o pastor evangélico, durante o programa. A associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais protocolou reclamação no Ministério Público Federal, o que motivou a abertura, pela PRDC, de um inquérito civil público para apurar o caso.

No curso do inquérito, Malafaia explicou à PRDC que tinha feito uma “crítica severa a determinadas atitudes de determinadas pessoas desse segmento social, acrescida também de reflexão e crítica sobre a ausência de posicionamento adequado por parte das pessoas atingidas”. E defendeu que as expressões “baixar o porrete” ou “entrar de pau” significam “formular críticas, tomar providências legais”.

Para o procurador regional dos direitos do cidadão Jefferson Aparecido Dias as gírias têm claro conteúdo homofóbico, por incitar a violência em relação aos homossexuais. “Mais do que expressar uma opinião, as palavras do réu em programa veiculado em rede nacional configuram um discurso de ódio, não condizente com as funções constitucionais da comunicação social”, disse.

Durante o inquérito, Silas Malafaia pediu a seus fiéis, através do site “Verdade Gospel”, que enviassem e-mails em sua defesa ao procurador da República responsável pelo caso. Centenas de e-mails e correspondências foram, então, enviados ao gabinete de Dias. “Da mesma forma que seus seguidores atenderam prontamente o seu apelo para o envio de tais e-mails, o que poderá acontecer se eles decidirem, literalmente, “entrar de pau” ou “baixar o porrete” em homossexuais?”, questiona o procurador.

Dias afirma que, como líder religioso, Malafaia é formador de opiniões e moderador de costumes. “Ainda que sua crença não coadune com a prática homossexual, incitar a violência ou o desrespeito a homossexuais extrapola seus direitos de livre expressão”, argumentou. Por isso, a importância da retratação de seus comentários homofóbicos diante de seus telespectadores, além da abstenção de veicular novas mensagens homofóbicas.

A ação também é movida contra a TV Bandeirantes, a quem cabe evitar que outras mensagens homofóbicas sejam exibidas, além de veicular a retratação pedida pela PRDC. “A emissora é uma concessionária do serviço público federal de radiofusão de sons e imagens e deve compatibilizar sua atuação com preceitos fundamentais como o direito à honra e à não discriminação”, defende a ação.

“Ainda que haja a liberdade de culto e a liberdade de expressão, também previstas na Constituição Federal, a manifestação do pensamento não pode ser utilizada como justificativa para ofensa de direitos fundamentais alheios”, afirma o procurador.

A PRDC pede que seja concedida liminar para que Silas e Band sejam obrigados a se abster de exibir novas agressões verbais. Ao final da ação, uma vez condenados o pastor e a emissora, o MPF requer que o programa evangélico e a emissora sejam condenados a exibir, imediatamente, a retratação.

Dias lembra que a TV está presente em pelo menos 90,3% dos municípios brasileiros. “Trata-se de número enorme de pessoas expostas ou passíveis de exposição a manifestações de cunho homofóbico ou que incitem a violência de homossexuais”, afirma. Para ele, a demora judicial pode permitir que o réu continue “propagando tais mensagens, atentando continuamente contra direitos fundamentais de homossexuais”.

A ação também pede que a União seja condenada a, por meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, fiscalizar a referida exibição.

Leia aqui a íntegra da ação nº 0002751-51.2012.4.03.6100

Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Estado de S. Paulo
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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

QUARTO ALMOÇO DANÇANTE DA AMF

QUARTO ALMOÇO DANÇANTE da Associação Maria Felipa

Lavínia Saldanha e Toni Barone
Panelas e travessas com  iguarias

Sra. Dalva Tavares Lima , Diretora da BJMJr (à esquerda),  recebe participantes do evento


A Associação Maria Felipa, entidade sem fins lucrativos, fundada em 11 de fevereiro de 2008, por iniciativa da Biblioteca Juracy Magalhães Jr. – Itaparica, na pessoa de sua Diretora, Sra. Dalva Tavares Lima, realiza anualmente, em 7 de janeiro, um almoço dançante objetivando congregar a Sociedade dos Amigos da Biblioteca de Itaparica, entidades e pesquisadores comprometidos com o resgate da memória da participação de Maria Felipa de Oliveira, líder comunitária afro-descendente itaparicana nas lutas pela Independência da Bahia, consolidada aos 2 de julho de 1823.

O almoço, com música ao vivo, é um empreendimento colaborativo para o qual os participantes contribuem trazendo iguarias para celebrarem a memória do fim dos bombardeios à Itaparica (7 de janeiro de 1823)  pelas tropas leais à coroa portuguesa, que resistiram ao Grito do Ipiranga (7 de setembro de 1822) de D. Pedro I, que instituiu o Estado brasileiro (Império Austral).

A ceia não mercantilizada, oferecida a partir dos "pratos" compartilhados socialmente, é um importante aspecto do evento que apresenta-se como recusa ao mercantilismo de todas as esferas da atividade humana na contemporaneidade.

Trata-se de uma concentração para participação dos membros da Associação Maria Felipa no desfile cívico comemorativo à data magna da ilha de Itaparica, celebrando a memória de Maria Felipa de Oliveira como heroína da Independência da Bahia.

A AMF encontra-se no momento presidida pela Srª Licia Margarida Santos, que sucedeu a primeira presidente da entidade, Srª Margarida Lopes Nascimento.

OBSERVE acompanhou e registrou em sons e imagens o IV Almoço Dançante da AMF/BJMJr-Itaparica, ocorrido aos 7 de janeiro de 2012, animado pela cantora Lavínia Saldanha acompanhada pelos teclados de Toni Barone, no qual compareceram personalidades e celebridades da cultura e sociedade soteropolitana e itaparicana.

Representantes da Casa Maria Felipa do Curuzu
  
Theodomiro Queiroz, Diretor Emérito do TCA e Srª Belisaura Fernandez
 
Hebe Alves, atriz e encenadora baiana, professora da ET-UFBa


Claudia Souza, atriz itaparicana intérprete de Maria Felipa
 
Jornalistas Regina Carvalho e Roberto Couto, Editores do Jornal Variedades

Senhora Laura Osório Pimentel, Volutária Social itaparicana 
e Sr. João Bosco, Ex-Sec de Finanças de Itaparica


Matilde e Mariglória acompanhando Sra. Dalva Tavares Santos

 Senhora Argelinda (Linda) Coutinho, Ex-Sec de Educação de Itaparica entre Hebe Alves e Matilde


Dr. Renato Aragão e Sra, 
Belizaura Fernandez e Claudia Souza
 entre Marlylda Barbuda, Pefeiturável do PDT


Mães itaparicanas e seus filhos presentes no encontro



Senhora Vilma d'Filipa


Bixo, Artista plástico popular expondo durante o evento

 Bailarinos da Denys Silva Cia de Dança prestigiando o encontro

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Yemanjá ( V )

Janaina


Chega Pequena à porta da casa de Pedrão.

Pequena
(Bate palmas) Ô de casa?!
Dulce
Vá entano, Pequena!
Pequena
(Entrando) Salve as águas!
Dulce
Salve!
Pequena
(Dando uma leve palmada no trazeiro de Arruaça) Tá ficano home, né Arruaça?
Arruaça
Tá ficano não! Já sou home. E quer saber de uma coisa? Não gosto que rabo de saia me chame de Arruaça. Meu nome é Domingos!
Pequena
Tá certo galinho de briga. Cadê seu pai?
Arruaça
Pra que tu quer saber?
Pequena
Deus é mais! A gente não pode ter boa educação que o povo malda logo!
Dulce
(Conciliadora) Liga não, Pequena! Esse menino é assim mesmo. Tem mais ciúme do pai do que eu. Pedrão ta no bar de Seu Cazuza.

        Arruaça se retira incomodado e vai cuidar do gelo.

Pequena
Só queria saber da pescaria de ontem a noite.
Dulce
Deu farta.
Pequena
Arruaça vai dar um home bonito... Quem diria que eu o vi nascer!?
Dulce
E tu se lembra? Tu era menina... Como foi o samba?
Pequena
Começou bem como sempre
Dulce
Teve briga de novo?
Pequena
Só ameaça. O povo da rede de Ilário tava lá. Ficou só nos xingamento, provocação, essas coisa. A turma do deixa-disso agiu cedo e tudo terminou bem...
Dulce
É sempre assim: vai tudo muito bem até a cachaça subir pra cabeça!
Pequena
E o galego do restaurante? Tá em dia com as conta?
Dulce
Tá sim. Seu Diogo é boa paga. É por isso que Pedrão vende o peixe direto. Os intermediário atrapalha... Toma um cafezinho, Pequena?
Pequena
(Aceitando o convite) Teu café é gostoso... Tudo teu é bom assim, é? (As duas sorriem)
Dulce
Ô Pequena, quando é que tu vai falar com Mãe Rosa?
Pequena
No dia qu’eu fou te aviso.

        A Yaô chega próximo à casa de Pedrão.

Pequena
(Apontando com o queixo a presença da Yaô) Tá com problema Dulce?

        A Yaô permanece parada à entrada da porta.


Boteco

        Homens jogam “pauzinho”, de mãos fechadas, apostas feitas. As mãos se abrem. Contam o total de paus.

Sete-Mola
Ganho eu!
Pedrão
É Yemanjá, Oxum, Nanã ou Janaina que te ajuda no jogo, Sete-Mola?

Remendeiras cantam

       

        Yara, Janaina
        Yemanjá, Nanã, Oxum
        Das águas a rainha
        com os poderes de Olorum

Ceição
É verdade mermo?
Toninha
O quê?
Ceição
Isso que o povo fala. Isso de vê a Mãe d’Água. Alguem já viu?
Toninha
Minha vó contava que a mãe dela disse a ela que conheceu um que viu.
Ceição
Foi mermo?
Toninha
Por que “haverá” de mentir?

Boteco

        O jogo prossegue. Após nova rodada.

Pedrão
Assim não vale, Sete-Mola, cê ganha todas!?
Sete-Mola
Meu santo é forte, rapá!
Pé-Molhado
Na hora da cachaça, do jogo e das grinfa!
Sete-Mola
Tu ta quereno dizer que eu sou filho de Exu? Respeito é bom e meu santo gosta. Binque com Ogum e depois não se queixe!?
Pé-Molhado
Tá certo, “brodi”. Tá na hora da bóia. Vamo acabar o jogo.
Raimundão
Tá correndo da ria Pé-Molhado?
Pedrão
Pede a santa, rapaz. (Apontando um a um dos homens) Tu dá um frasco de cheiro, tu dá uma caixa de pó-de-arroz, tu dá um par de brinco e tu dá um espelho!
Cazuza
Ôôôô! Não me mete nisso não. Eu to calado até agora!

        Pequena adentra o boteco.

Pedrão
Assim ninguém perde, mas também ninguém ganha! (dirigindo-se a Pequena oferecendo-lhe um pouco da cerveja que toma no copo)

        A Yaô ronda o boteco

Pedrão
(Para os homens enquanto Pequena toma o resto da cerveja que ele lhe ofereceu) É o que eu digo. Mulé bonita é comigo mesmo que se acerta, seja encantada ou de carne e osso.

        Pedrão afasta-se com Pequena deixando o copo vazio sobre uma mesa. A Yaô se retira correndo.

Duzinha
É! Mas tem umas que são só de fogo! Vim buscá os home dos outro no bar?! Essa não!
Raimundão
(Refererindo-se a Pedrão) Tenho pena dele. Pior é se o castigo que vier for pra todo mundo como aconteceu no Rio Vermelho...
Duzinha
Fala isso não, seu Raimundão! Deus é mais! (Bate três vezes na madeira dos caixotes que formam o bar. Todos fazem o mesmo.

Remendeiras

Ceição
O que foi?
Toninha
O que?
Ceição
O que aconteceu no Rio Vermelho...
Toninha
Tu na sabe?!
Ceição
Como “havera” de saber? Não cheguei aqui por nascimento. Vim pela estrada de poeira e sol!
Toninha
Os antigo é que sabe. Mas eu vou lhe contar como me contaram. Timtim-por-timtim!

        Mudança de luz. O episódio é narrado por Toninha e ilustrado pelo elenco tendo a Yaô no papel de Yemanjá.

Toninha
Foi numa noite bonita, de mar calmo e muita estrela...
Ceição
E tinha lua?
Toninha
Não. Lua não tinha... Ninguem sabe de onde ela apareceu... Só sabem dizer que ela tava na praia, parada com seu belo negrume coberto de luz...
Ceição
Ôxe?! Mas se não tinha lua?
Toninha
Não. Lua não tinha. Quer dizer: não tinha no céu. Mas parece – diz o povo – tinha luz de lua por donde ela ia. Uma lua que ninguém viu no céu.
Ceição
Virge Maria, que coisa mais bonita!
Toninha
Dissera a merma coisa os pescador – que se assustaram com tanta beleza!
Ceição
Um susto de beleza?! Nunca vi contar...
Toninha
Mas foi bem assim que aconteceu. Depois do susto eles começaro a chamar a Beleza pra nadar...
Ceição
E ela foi?!
Toninha
Diz que foi. E quando entrou nas água do mar parecia que as onda era berço d’água ninando criança apenas nascida. Ela sorria, sorria, brincava com as espuma cheia de luz que dela saia. Mas aí... Nem gosto de alembrar...
Ceição
Tu parece que viu!
Toninha
Claro que vi. Tô veno agora com os olho que tenho no meu pensamento...
Ceição
Vai, conta criatura!
Toninha
Antes carece dizer que tudo aconteceu lá no Rio Vermelho, quando xareu era o peixe que por ali mais dava. Era a riqueza de todos, fartura de mesa, alegria saída do fundo do mar pulando nas rede, dançando a cantiga que veio da África em música de negro puxando a rede, cantando feliz... (Pausa)
Ceição
Por que parou?
Toninha
Naquela noite, depois de nadar, ela sentou na pedra e se pôs a cantar. Num sabem dizer se era flores cantano, trinado de pássaro, se música de estrela ou som do luar...
Ceição
Ninguém teve medo?
Toninha
Não. Medo não houve. Mas diz que Pinguinho, que era o mais moço, desconfiou de coisa encantada e pros mato correu, colheu uma flor e trouxe para dar a ela. Ela sorriu e nos cabelo a flor colocou. Ele, com muito respeito, pros mato voltou e lá se escondeu.
Ceição
E os outro? Que fizeram?
Toninha
Parece que os exu por eles entraro e então começaram tentar a Beleza. Convidaro a Moça, como se fosse uma qualquer, pra cachaça beber!
Ceição
Mas ela não aceitou, num foi?
Toninha
Deus que me perdoe que home as vez é bicho mau. Quizero todos deitar ali na praia com ela, pra dela abusar. Ela correu que cansou. Mas ninguém conseguiu nem mesmo abraçar. Diz que sua pele macia ficava de limo, escorregando de tão lisa! (Pausa)
Ceição
Vai criatura, não para de contar!
Toninha
Então Bom-Cabelo, mulato brigão, metido a valente, disse pra Ela a frase infeliz: “Se tu é tão santa, melhor que as outra, entra ali naquela igreja e vai pro altar!”
Ceição
Mas isso é blasfêmia!
Toninha
Dos dois lado.
Ceição
Fala criatura, termina de contar a história!
Toninha
Diz que Ela parou, mirou todos ele bem fundo nos olho e ameaçou assim mesmo com a mão (Faz gesto de “Me aguarde”). O dia chegava devagarinho mandando pro céu os primeiro rosado. Diz que depois Ela olhou pro encontro do mar com o céu e foi andando por cima das água até desaparecer no fundo do mar. Desse dia então o xareu nunca mais apareceu pras rede do povo lá do Rio Vermelho!

        Silêncio. As remendeiras cantam:

Pescador deve fugir
Do canto de Yemanjá
E se vê sua beleza
Nunca mais pode amar

        Escurecimento. Ouve-se o alujá de Xangô.

Casa de Mãe Rosa

        No quarto dos orixás um pegi, espécie de altar que sobe em degraus coberto com uma toalha branca bordada de renda. Vasilhas (alguidar) de cerâmica com obrigações arrumadas aos pés do pegi. Velas acesas, pipoca, flores perfumes, pedars lisas, garrafas de mel.

Sobre os degraus, além das “armas” dos orixás, como o machado de Xangô, o opachorô de Oxalá (em destaque) abebés de Oxum e Yemanjá, arco e flexha de Oxossi, a espada de Yansã, as ferramentas de Ogum, também algumas imagens de santos católicos como Santa Bárbara, São Jorge, São Cosme e Damião. Há imagens de índios como Pedra Furada e Jurema. No pegi não há pombagira nem preto velho ou quauer alusão a exu. Exu tem sua própria casa fora da sala. Na parte mais alta do pegi há uma pequena mesa forrada com uma toalha branca e sobre ela um copo d’água e uma vela acesa, búzios, um tamborete, lápis e um pequeno bloco para anotações. Guias contornam em forma de círculo o centro da mesa no interior do qual é jogado o Ifá (jogo de adivinhação). Sentada à mesa está Mãe Rosa, concentrada e não manifestada, vestida simplesmente de branco com torço na cabeça e usando no pescoço guias de seus orixás, alem de portar pulseiras e contra egum. Mãe Rosa acaba de atender Pequena.

Mãe Rosa
Vai com Deus minha filha!
Pequena
Seu axé minha mãe?! Posso chamar Dulce?
Mãe Rosa
Pode sim.

        Pequena após bater a cabeça no pegi vai chamar Dulce.


Pequena
(P/Dulce) Vem! É tua vez

        Dulce entra e bate cabeça no pegi ajoelhando-se a seguir em frente à Mãe Rosa.


Dulce
Seu axé, minha mãe!
Mãe Rosa
A nós todos, filha. Como vai Domingos?
Dulce
Já ta bom, minha mãe, graças à senhora!
Mãe Rosa
A mim, não. A Deus e s “Seu” Ossainha, que é o dono das folha...
Dulce
E a senhora, mãe, como vai?
Mãe Rosa
Como Deus quer, Oxalá permite e as Àgua deixa. Tome assento minha filha.

       
        Dulce senta. Mãe Rosa se concentra. Benze os búzios com o copo e dpis de ter orado em murmúrio sobre o mesmo, toma os búzios na concha das mãos, sopra três vezes, invoca os orixás e os joga sobre a mesa para os observar.

Mãe Rosa
Cabeça quente, minha filha? Por que? O curumim já num ta bom?

        Mãe Rosa recolhe os búzios e os joga outra vez.

Mãe Rosa
Por que essa preocupação com Pedrão, heim? O que foi que ele aprontou agora? Rabo de saia ou as merma baboseira de sempre?
Dulce
Pois é como eu digo a senhora, mãe: Pedrão é bom pai de família; o que ganha leva pra casa. A senhora sabe que eu lavo de ganho porque gosto de ter o meu, e gosto do trabalho. Mas pelo gosto dele eu não tabalhava pra fora. De vez em  quando ele arruma uma mulé na praia, mas a senhora sabe, nada de sério, coisa de bicho home mermo. Agora, mãe... ele ta cada vez mais pior. Só veve desafiando a santa. Eu tenho medo. Muito medo mãe...

        
        Mãe Rosa entrega o bloco e o lápis à Dulce. Vai ditando o que lê nos búzios. Volta a ouvir-se o alujá de Xangô. A Yaô ronda a casa de Mãe Rosa e depois se dirige para perto das remendeiras.

Remendeiras cantam:

Yemanjá bela rainha
Mãe de todos orixá
Quer seus filho perto dela
E do pai grande Oxalá


Ceição
(Observando o pai que esculpe uma imagem em madeira) Tenho tanta pena de Pai... Era tão ativo...
Toninha
Trabalhava de quê?
Ceição
De aboio; no roçado. Trabalhadô bom tava ali...
Toninha
Ficou assim de repente foi?
Ceição
Não. Foi aos tiquinho. Começou na retirada com a morte de mãe. Depois morreu o menor. Morreu dormindo. Acho que foi de sede. A gente nem viu a hora.

        Arruaça aproxima-se e deita a cabeça no colo de Ceição. Toninha contempla o mar tristemente.

Severino
(Em canto sertanejo lamentoso)

Quando eu vim lá de cima
Do meu sertão vaqueiro
Chapeu de couro na mão
Ai, ai, ai, ai, ai... Ê boi!
Vaqueiro que hora é essa
A maré já ta enchendo
Seu gado esparramando
Vaqueiro que ta fazeno
Ai, ai, ai, ai, ai... Ê boi!

       
        Severino anda pelo palco como se vaquejasse, dando nome aos bois.

Severino
Hei Malhado, cabra da peste, onde é que tu vai? (Em outra direção) Pé de pau, tu ta doido, bicho?! (Em nova direção) Volta rabo curto fio de um égua! Tão cá gota?!

        Ceição se levanta e reconduz o pai para o lugar onde estava. Arruaça tenta quebrar a tensão atrapalhando ludicamente o trabalho de Ceição.

Ceição
Pára Domingos!
Arruaça
É assim é? Venho ficar com ocê e tu ainda reclama?!
Ceição
Se veio fazer favor, pode ir. Não trava querendo brigar com Sete-Mola e Pé-Molhado?! Mania mais besta de valentia...
Arruaça
Até você? Todo mundo quer mandar em mim. Que merda!
Toninha
Briga não gente. Aproveita o bem querer de vocês. Briga estraga...

        Ceição e Arruaça se entreolham e ele se aconchega no colo de Ceição. Surgem Pé-Molhado e Sete-Mola.

Arruaça
Onde é que cês vão?
Pé-Molhado
Bestá por ai...
Sete-Mola
Contaro que tem um carro atolado na areia perto da estrada. Vamo ajudá...
Arruaça
E tem mulé de biquíni?
Pé-Molhado
Diz que tem.
Ceição
Quer dizer que se não tivesse mulé de biquine tu não ia é?
Sete-Mola
Pronto!
Pé-Molhado
Vai jogar areia é Ceição?
Ceição
Num tô falano com ocê!
Arruaça
Vamo gente! (Para Ceição) Cabeça de camarão! (Beija o rosto dela rapidamente e sai com os dois amigos)
Ceição
Cabeça de camarão?! Num entendi...
Toninha
(rindo) É que camarão só tem merda na cabeça!
Ceição
Descarado! Ele me paga...

Boteco

        Dulce segura o papel com as coisas que Mãe Rosa madou ela escrever. Cazuza e Duzinha despacham ela. A Yaô ronda o boteco.

Mãe Rosa
(Em off) Um frasco de cheiro, uma garrafa de mel, um colarzinho, um prato branco virgem, um metro de fita azul, um metro de fita rosa, um metro de fita branca... Colocar tudo em maré mansa, sem onda, em lugar calmo...
Dulce
É só! As rosa eu tenho no quintal.
Cazuza
Vai dar presenta às água, minha comadre?
Dulce
Quem tem marido pescador precisa cuidar das moça do mar...
Duzinha
E as da terra?
Dulce
Dessas eu não tenho medo não, comadre. Pedrão pode andar por aí mas volta sempre pra casa. Mas as do mar...
Cazuza
A senhora acredita mesmo, comadre?
Duzinha
Ôxente?! Se não creditasse tava compano presente? Eu heim?!
Dulce
O senhor duvida?
Cazuza
Sei não. tenho visto coisa que me faz crer... outras que me faz duvidar... Depois é tudo muito atrapalhado. Eu fico mesmo é com Senhor do Bonfim e Nª Srª da Conceição!
Dulce
É que o senhor não é pescador...
Duzinha
Não é, mas veve as custa dos pescado! Tu também precisa de bom tempo e de pescaria farta, home. Tu fica blasfemando que um dia Dona Iansâ se dana e manda uma ventania da zorra que essa barraca sai voando por aí!
Cazuza
(Batendo os dedos na madeira) Credo in cruz! Isola!
Duzinha
(Irônica) Ôxe, tu não disse que só credita em Deus?! Pra que é que tu ta isolando? Tá com medo da dona dos raio? Quem já viu se ter medo do que não existe?!

        Duzinha se retira com Dulce.

Praia



Duzinha
Eu  acho engraçado... Esse povo diz que não acredita na seita mas veve tudo dentro das casa das mãe de santo, usa guia, dá caruru de Cosme, caruru de Santa Bárbara, e ta tudo no Rio Vermelho no dia do presente e veste branco toda sexta-feira!? É cada uma...

        Deparam-se com um grupo de pescadores com o qual está Pequena.

Raimundão
Vai pescá de novo Pedrão?
Pedrão
Não. Vô só ver se algum ladrão mexeu nas marca do meu pesqueiro. (Intencional pra Pequena. Duzinha percebe) E depois vô lá nas pedra tirar umas pinaúna...
Arruaça
Deixa eu ir Pai?!
Pedrão
Outro dia eu te levo.
Dulce
Leva ele Pedrão!
Pedrão
Num tira minha ordem, mulé! Já falei que não.
Arruaça
Tá certo. Vô pro baba! (Sai correndo)


        Mãe Rosa vem chegando.

Mãe Rosa
Bom dia povo!

        Todos a cumprimentam com respeito.

Raimundão
Calofé, Mãe Rosa?!
Mãe Rosa
Calofé-Ê-mim!
Raimundão
Donde vem assim pra ta tão cansada?
Mãe Rosa
Do Mercado Modelo. Fui buscar uns búzio da Africa que encomendei a Camafeu. Esses caori tão pela hora da morte! Cada vez mais caro. (Para Dulce) Já deu seu presente?
Dulce
Cabei de comprar as coisa. Tô só esperando o dinheiro da roupa de Dona Carmem...
Mãe Rosa
Já vou indo. Que Dona Oxum fique com todos vocês!
Raimundão
Que pressa é essa?! Descansa mais um pouco...
Mãe Rosa
Posso não. tenho obrigação dos outro pra fazer hoje, antes do sol dobrar. Axé! (Sai lenta e majestosamente)
Pedrão
(À caminho do mar) Cuida da casa, Dulce. Tô indo promar. Quem sabe eu veja Ela?! Será que aparece de dia? Diz aí Sete-Mola, diz aí como ela é pra eu vê se confere...

        Mãe Rosa interrompe a marcha.
 
Remendeiras

Ela tem cabelos verdes
E nos olhos luz de lua
Dentes alvos de espuma
Noite negra na pele nua


        O grupo se entreolha amedrontado. A Yaô se agita.

Dulce
(Para Duzinha) Vamos`imbora minha comadre?! Péraí, Mãe Rosa. A gente leva a senhora até a segunda ponte. (Para os que ficam) Té logo gente!

        As duas saem em direção à Mãe Rosa. Pequena, após a saída das duas, movimenta-se para deixar o grupo.

Raimundão
(Para Pequena) Tu não tem vergonha mermo, né Pequena?!
Pequena
Eu heim?! Por que essa agora, Seu Raimundão?
Pé-Molhado
Tu sabe muito bem do que é que se tá falando...
Pequena
Que é isso? Ciúme é?!
Sete-Mola
Só doido pra ter ciúme de uma mulé como você!
Pé-Molhado
Onde já se viu ter ciúme de uma mulé que não se dá ao respeito?
Pequena
Tão me ofendeno! Por que? Heim Sete-Mola? Porque não aceitei teus convite, nem os teu Pé-Molhado? Conheço muito bem a honradez d’ocês...
Raimundão
Que é que tu ta querendo com Pedrão?
Pequena
Quem foi que encomendou este sermão? Foi Mãe Rosa?
Sete-Mola
Ai de você no dia que Mãe Rosa “soubé” disso!
Pequena
Cala a boca. Não se mete. Fala outra vez qu’eu conto pra tua mulé tuas proposta!
Raimundão
Tô perguntano. Não mente que te vi nascer. Qu’é que tu ta quereno com Pedrão? Será que tua sina é virar a cabeça dos home casado? Tu ta quereno tomar ele de Dona Dulce, é?
Pequena
Tô não Seu Raimundão! Ele é pai de filho. Eu juro que gosto de Dulce. Mas ele me desprezou... Por causa dele passei a maior vergonha da minha vida. Namorou comigo e me largou pra casar com ela.

        Pequena vai se enfurecendo e parece ser tomada pela “dona da sua cabeça” Yansã.

Pequena
Eu só quero que ele me peça pra voltar! Só isso...
Raimundão
Se tu não “pará” com isso por bem, vou “tomá” “providênça”!
Pequena
Tu nem parece que é ogan de terreiro e entende das coisa. Tu na sabe que Pedrão é Xangô vivo? Tu já viu home de Xangô que não tenha pelo menos duas mulheres brigano por ele? Mas Xangô meu nego, é home de Yansã! Que venha tudo quanto é Obá e Oxum! Ela não é de Oxum? Que faça seus dengues. Foi com aquela cara de santa que ela tomou ele de mim. Mas eu sou guerreira e sei lutar. Cês sabem disso melhor do que eu! Cês sabem que isso é briga antiga. Só que não sabem como começou. Já existia antes de meu povo atravessar o mar pra vim pra cá como escravo! A briga era “derne” antes! Muito “d’antes” da gente nascer. Êparrei Oyá minha mãe!

        Pequena ergue o braço como se bramisse uma espada e sai correndo ao encontro de Pedrão. Os homens ficam parados como que diante de uma força maior do que eles.

Raimundão
Odô Yá, Senhora das Águas! Seu axé!

Os homens em coro
Axé!
        
         O grupo de homens se desloca em direção às remendeiras. Arruaça vem correndo com um balde de iscas na mão. Ao passar por Ceição dá-lhe um rápido beijo.

Ceição
Deixa disso, Arruaça!
Toninha
Tu reclama porque tem quem te beije!
Arruaça
É isso aí Toninha: ela fala que tem fome de barriga cheia!
Ceição
Ainda “tô” com a história da moça do carro atravessada aqui (indica com gesto a garganta)
Arruaça
Linda! Com uma tanguinha menor que a folha de Eva!

        Ceição quer retrucar mas ele dá-lhe um beijo na boca impedindo-a. Retira-se com Raimundão e Pé-Molhado.

Severino
(Levantando-se) O mar filho da terra, por ela parido, ta mugindo como vaca brava! Que meu Padim Padre Ciço tenha compaixão de todos nós. E o moço guerreiro São Sebastião venha em nosso socorro. A besta marinha vai sair do fundo do mar e o seu bafo de fogo, seus cabelo de cobra vão engolir o mundo e todos os pescado... Os pescadô do pecado da luxúria vão virar verme inchado... Verme inchado!

        Ceição vai até ele tentando acalmá-lo. Ele vai aos poucos sendo tranqüilizado.

Severino
Verme inchado... Verme inchado...

Casa de Pedrão

        Dulce concentrada arruma o presente para Yemanjá saudando-a com cantiga.


Dulce
Kini-jé, kinijé-lodô
Ed’imanjá ô
Akô-dê-lê cê
A-do-mi- Rô
E-di-man-cê-quê
Ô-rô-mirô
Ô-lê-lê
Yemanjá-ô!

        Arruaça chega com Sete-Mola e Pé-Molhado com grande alegria. Dulce refere-se às iscas que Arruaça traz no balde.

Dulce
Bota isso lá fora, menino! Num deixa esse fedor de peixe podre dentro de casa. Era só o que faltava! E na quero esse bando de home aqui dentro não!

        Pé-Molhado e Sete-Mola seguem em direção às remendeiras.

Dulce
Ave Maria, Meu Pai Eterno, não se pode nem arrumar um presente em paz!
Arruaça
Veio isca demais. Vou aproveitar pra pescar uns siri (Pausa) Mãe?!
Dulce
O que é?
Arruaça
A senhora gosta mesmo de Pequena? Eu num gosto dela, mãe!
Dulce
Deixa de falar besteira, Domingos! Ela gosta tanto de você...
Arruaça
Gosta não. Eu sei bem de quem é que ela gosta nesta casa. O povo ta todo falando...
Dulce
O povo não tem assunto, aí dá pra inventar coisa... Mulé bonita sempre foi perseguida. Pequena num é ruim. Mas ser bonita demais nunca foi boa sina... E cala a boca! Deixa eu fazê meus pedido. Não se deve arrumar um presente nessa falação toda!

        Os pescadores estão junto às remendeiras limpando o material de pesca. Elas cantam.

Remendeiras
Senhora, Mãe das Água
Mãe Rainha deste mar
Recebe esta oferenda
Deixa o meu bem voltar

Ceição
Seu Raimundo, o senhor precisa de dar uns conselho a Toninha!
Raimundão
Tô cansado de falá! Mas ela num sai dessa tristeza...
Ceição
Também falo toda hora: se João era teu home, era antes meu irmão. E eu nem conheci ele depois de home. Retirou muito cedo, menino ainda. Se parou por aqui, quando chegamo eu e pai ele não pertencia mais a este mundo. Também fiquei sozinha sem ele. Agora só tem eu pra cuidar de pai...
Pé-Molhado
(Para Toninha) Tu sabe que sempre gostei d’ocê! Tu é que nunca me quis.
Toninha
Tú é um home tão bom... Merece quem goste d’ocê. Pra que qu’eu vou te enganar?
Pé-Molhado
A gente junta os trapo. João era teu amigo. Enquanto ele foi vivo escondi meu bem querer por você. Fica comigo Toninha, eu te ajudo a esquecer ele!
Toninha
Num quero fazê ocê de remédio. Cê num merece isso. No dia qu’eu esquecer ele, te falo. Só peço a Deus que tu ainda me queira quando esse dia chegar...
Sete-Mola
Os povo diz que tem sete mulé pra cada home, mas eu acho que deve de tger algum com quatorze!
Ceição
Tu num é casado peste?!

        Dulce se aproxima do grupo.

Pé-Molhado
A gente só tava esperando a senhora!
Dulce
É presente pequeno. Precisa de ser arriado em lugar calmo.
Sete-Mola
Pode ser na loca da Sereia?!
Dulce
Pode. Só não pode onde tiver arrebentação de onda
Raimundão
Já sei. Mãe Rosa alertou a gente.
Dulce
O senhor também vai Seu Raimundão?
Raimundão
Não. Num carece. (Para os dois) Pega minha canoa. Vai por aqui, beirando a costa, passa do lugar donde tinha a pedra dos noivo e segue. Bota na loca que tem logo depois. Lá ta que é um lago...
Ceição
Eu queria tanto ver colocar um presente
Sete-Mola
No dia 2 de fevereiro eu te levo pra vê colocar o presente do Rio Vermelho!
Arruaça
Precisa não! Tem quem leve ela.
        
      Soam atabaques. Tocam o ijexá de Oxum. Dulce entoa o Ki-nin-jê enquando tira o papel que envolve o presente e coloca as mãos sobre o prato. Antes de entregá-lo aos pescadores, saúda o mar. Os homens recebem o presente com respeito e se dirigem à praia. Dulce retorna para casa e de pé, na porta, assiste os homens embarcarem na canoa de Raimundão. Escurecimento ao som do ijexá de Oxum.

Boteco

Raimundão
Bota uma aí seu Cazuza!
Cazuza
Pura?
Duzinha
Tu num sabe que Seu Raimundão só bebe pura?! Pra que “pregunta”?
Cazuza
Por costume.
Raimundão
(virando a dose de um só trago) Essa é das boa!
Duzinha
Foram levar o presente de minha comadre?
Raimundão
“Foro” sim.
Duzinha
E o senhor acha que vai adiantar? Minha comadre num sabe da missa a metade!

Nas pedras

        Pedrão chega às pedras onde está Pequena à sua espera.

Pedrão
Qué que tu ta fazeno aqui?
Pequena
Tu num falou p’reu vim?
Pedrão
Falei nada.
Pequena
Falou. Não disse com a boca, mas disse... Com os “olho”!
Pedrão
(Contrariando a própria vontade) Vai embora, vai!
Pequena
(Tocando o peitoral de Pedrão) Que foi isso?
Pedrão
Coisa a toa. Uma lasca de pedra. Quando chegar em casa Dulce...

        Pequena o interrompe com um beijo apaixonado em sua boca.

Remendeiras
(Cantam)
Xangô mora nas pedra
Chama Oxum pra brincar
Yansã acende os raio
Pra Oxum amedrontar!

Boteco

Duzinha
(ao ver Pedrão passar com Pequena) Agora a desavergonhada não escolhe nem hora! Nunca esperei isso de meu compadre... Com a mulé qu’ele tem? “Fazê” uma coisa dessas... Em plena luz do dia, pra todo mundo “vê”?
Cazuza
Qué que ocê queria qu’ele fizesse? Chutasse um prato desses?
Duzinha
Ordinário! Só são macho pra comer as mulé, mas na hora de saber dizer não é tudo umas femeazinha, coitadinhos! Eva falou, ta falado... “Desne” que o mundo é mundo que as mulé vem carregando as fraqueza dos home. Cambada de vadio! Tá errado os dois! Ah se fosse comigo, eu retalhava a cara dos dois com a navalha. A dela e principalmente a dele!
Cazuza
Ai que meda! Valentona!
Duzinha
Experimenta?! Comigo é assim: ou medo ou respeito. Quem tem compromisso maior é ele... Com a comadre Dulce. Ele é pai do filho dela. O mais errado é ele. Ela também é uma vadia. Devia de respeitar a amiga e a Mãe de Santo delas. Num quero nem pensar quando Mãe Rosa souber disso. Esse negócio de explicar patifaria com o nome de Dona Yansã num pode de ser certo!
Cazuza
O que é que você tem com isso mulé?
Duzinha
Muita coisa! Primeiro: Dona Dulce é minha comadre e mulher de respeito. Segundo: sou filha da mesma casa e tenho que tomar providência antes que alguma coisa muito ruim aconteça. Tá na boca do povo. Outro dia eu joguei um verde em Mãe Rosa...

        A cena fica imóvel como uma fotografia.

Remendeiras

Ceição
Eu acho que Dona Dulce ta crta. Disputar home é coisa feia...
Toninha
Tenho pena dela.
Ceição
Tenho medo da reação de Domingos...
Toninha
Tu acha que ele num sabe?
Ceição
É quem mais sabe! Ele num suporta Pequena.
Toninha
Dona Dulce também sabe.
Ceição
E fica nessa calma...
Toninha
Mulé de Oxum é assim. Sofre calada. Só faz chorar...


Casa de Mãe Rosa

        Duzinha ajuda Raimundão na arruação e limpeza do peji.

Duzinha
Eu só queria mãe, que a senhora me desse uma explicação sobre isso...
Mãe Rosa
Tem gente que não merece os orixá que tem!
Duzinha
Isso qu’eu num compreendo...
Mãe Rosa
Nem tudo tem explicação. Fé é acreditar sem compreender...
Duzinha
Isso é que é difícil!
Mãe Rosa
Quando acontece de uma filha de Yansã se apaixonar pelo home de outra mulé, é sempre assim: ele é de Xangô e a outra de Oxum – que devia sempre casar era com home de Oxossi. Home de Yansã é home perigoso. Sedutor... Xangô teve três mulheres. As três brigaro!
Raimundão
A terceira foi Obá. Essa ficou sem a orelha coitada!
Mãe Rosa
Astúcia de Dona Oxum. Ela é muito astuciosa. Yansã vence na luta. Oxum vence no dengo.
Duzinha
E se a de Yansã for amiga da de Oxum? Acho que se deve respeitar os pai de filho!
Mãe Rosa
Ninguém ta livre de uma paixão errada, filha. Num caso desses deve se jogar o Ifá e ler nos búzio o que fazer para lavar o coração de um amor impossível...
Duzinha
E se as duas forem da mesma casa?
Mãe Rosa
Oxalá me livre disso acotecer no meu canzuá. E depois... Uma puxa de um lado, outra do outro... se o home não for de fé e previnido acaba ficando de miolo mole!

        Raimundão e Duzinha se entreolham cúmplices.

Na praia

Severino
O mostro do mar com suas asas de nuvens de fogo fai secar o mundo. Tudo vai ser uma seca só. Nem dos peito das mulé vai correr leite pra boca de véi das criancinha desdentada. Cordeiro de Deus, tende piedade de nós! Meu padim padre Ciço vem consolar seu povo!

Boteco

        A cena anterior paralizada ganha movimento.

Duzinha
O castigo na ta começado! O compadre Pedrão só veve agora dizendo besteira e desafiando Dona Yemanjá. Ele é de Xangô. E Xangô é filho d’Ela...
Cazuza
E daí?! O que isso tem a ver?
Duzinha
(Com pesar) Quando duas mulé briga por causa de um home Dona Yemanjá se encarrega de desviar as duas e termina levando a melhor: fica com ele...

        Soa um pau-de-chuva.


Casa de Pedrão

Pedrão
Já preparou tudo Domingos?
Arruaça
Já, sim senhor. Tudo certo: iscas, anzóis, as linhas enroladas certo. Verifiquei a poita. Tá tudo seguro.
Pequena
E o tempo ta bom, Pedrão?
Arruaça
É teu marido que vai pro mar?
Dulce
Que é isso, menino? Isso é jeito de falar... Se eu fosse Pequena não cruzava mais essa porta...
Pedrão
Duvido que ela faça isso.
Dulce
Deus é mais! Só vem aqui pra ser maltratada por vocês... Que coisa?!
Pequena
Liga não Dulce. Eu só venho aqui em consideração á você. A gente estudou na mesma escola. Tú é a única pessoa que tem aqui da miha cidade. Tu e Seu Raimundão. Deixa esses bruto pra lá. Home é assim mermo...
Arruaça
É assim mermo. Quem num “gostá” que dê seu jeito! Porque o meu já ta dado.
Dulce
Menino! Cê me faz passar cada vergonha!

        Arruaça se retira.

Pedrão
(Reconhendo seus apetrechos) Bom, já vou.

        Beija com ternura Dulce. Pequena enciumada derruba alguma coisa interrompendo o beijo.

Pequena
Desculpa gente! (Vingativa) Será que é hoje que tu vai vê?
Dulce
(Apavorada) Diz isso não Pequena! Pelo amor de Deus, diz isso não!
Pedrão
Por mim já tinha visto. Hoje é noite de lua cheia – e conforme o dizer do povo é tempo dela andar por ai se exibindo pros home...
Remendeiras
(Cantam)

Se no céu tem lua cheia
A Sereia vem cantar
Lua faz espelho d’água
Pra Rainha se mirar!

Pedrão
É isso ai! Se ela existe, quero ver.
Dulce
(Aflita) Ô minha mãe Yemanjá, perdoa esse pai de família! Tira esses mau pensamento da cabeça dele, minha mãe!
Pedrão
(Cético) É mau pensamento querer ver tanta lindeza?!